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terça-feira, 2 de maio de 2017

Sobre o Sem-sentido e o “Sentido Gozado” (Jouis-sense)

“O que se goza fica esquecido por detrás do dito.” Esta pode ser considerada uma tradução do que se encontra em uma forma mais enigmática no texto L`Etourdit (Scilicet n. 4, pag. 5) – “o que se diz permanece esquecido por detrás do dito, no que se compreende” (Qu`on dise reste oublié derrière ce que se dit dans ce qui s`entend). Esta tradução pode esclarecer uma dificuldade que se apresenta quando articulamos o sentido com o sentido-gozado. Para responder a esta dificuldade, vamos fazer, primeiro, uma transformação em uma pergunta que está sempre presente no nosso dia-a-dia: o que quer dizer? que se transforma, neste momento em: o que quer gozar?
Sabemos que o sentido se escreve a partir do Outro (A), o que nos leva a escrever que o sentido é um “efeito de”. O sentido, portanto, não existe por conta própria. Sua produção implica um Outro: 
                               A s(A)
No entanto, quando estamos tratando da psicanálise, para além deste sentido que se apresenta como efeito do Outro nós implicamos, também, o sentido-gozado. Lembremos que este sentido-gozado foi identificado como parte da própria estrutura da fantasia fundamental:                                             

                                 ($<>a)
s(A)

Podemos ler isto que acabamos de escrever, tomando o Grafo do Desejo como referência, da seguinte forma: “não existe prática analítica sem que o efeito de sentido esteja parasitado pelo efeito de sentido-gozado.” (JAM – Los signos del goce – pag. 315). Esta afirmação implica uma posição ética do analista que se traduz nos seguintes termos: mais além da teoria que sustenta sua prática, o analista sempre se orienta pelo que pode perceber como efeito de sentido-gozado e que se apresenta, simplesmente, como antinômico ao efeito de sentido que se compreende. Em outras palavras, a atenção flutuante do analista deverá ser capaz de captar o que se apresenta como sem sentido dentro de todo o sentido que a palavra nos oferece à compreensão. Desta forma, podemos dizer que o sem sentido é um dos nomes do sentido-gozado. Assim, todas as vezes em que manipulamos o significante produzimos  um sem sentido no sentido à compreender, ao mesmo tempo que o transformamos em sentido para gozar. Este sentido para gozar é o que vai nos tocar, de alguma forma, como por exemplo, no chiste. Se tomarmos o momento do passe como uma referência, verificamos que ele se define pela transformação de um significante que, se destacando do conjunto pleno de sentido, vai produzir um sem sentido e retornar ao sujeito, deslocando-o da posição que, até então, sustentava. Pode-se fazer alusão, aqui, ao sintagma lacaniano que se encontra como título de uma de suas lições de um de seu seminário “L`insu que sait de l`une-bevue s`aille a mourre”: Vers a signifiant nouveau.

Quando um sujeito entra em análise, ele o faz pela via da transferência e, consequentemente, da instalação do Sujeito Suposto Saber - pivô disto que Freud chamou de sintoma analítico. Este Sujeito Suposto Saber só faz nomear, explicitar este efeito de sentido que vem do Outro. Em contra partida, o sem sentido é o que permanece separado do Outro ficando silencioso neste processo de proliferação do sentido a partir do sujeito suposto saber. Este sem sentido, que habita o núcleo da fantasia, é o responsável pela paralisia do sujeito diante de uma frase. No exemplo que Freud constrói, esta frase é: “bate-se numa criança”. O sujeito se detêm diante dela, na ânsia de restabelecer um elo perdido entre o sem sentido que ela aponta e o Outro do discurso. Esta frase, podemos dizer, vale por um significante unário, um S1, que leva o sujeito a inquietar-se, a buscar um outro significante que possa fazer as vezes de S2, estabelecendo um sentido qualquer. Mas, é fundamental se ter em mente que existe, neste ponto,  um paradoxo pois, este S1 além de não pedir uma outra palavra ou outra frase, S2, ele se recusa a isso.

Este ponto exige um pequeno comentário: apenas na psicose  tem-se um sentido-gozado que se relaciona ao Outro. Isto pode ser escrito, com JAM, na seguinte fórmula: js(A), indicando que o Outro está aí para gozar. Está afirmação se justifica a partir da proposição de Lacan que define o paranóico como aquele que identifica o gozo no lugar do Outro. Este Outro, da psicose, não é nunca um Sujeito Suposto Saber, mas sim um Sujeito Julgado Gozar.
Retomando nosso fio condutor reafirmo que um Sujeito Suposto Saber designa a presença de um significante, ou seja, indica um efeito de sentido, enquanto que o sentido-gozado não é suposto, mas experimentado. Quando acontece experimentá-lo, apenas se julga que está aí e se diz: é isso!
É necessário distinguir, do sentido-gozado, o que lhe permite acesso na teoria analítica: a fantasia que está, de alguma forma, articulada ao Outro.
Partindo do andar inferior do grafo: As(A), podemos seguir Lacan e buscar a posição do Outro no efeito de sentido, quando se trata da fantasia:
A/ ($<>a)
A     s(A)
Nestes dois esquemas pode-se perceber uma diferença fundamental que se apresenta em relação ao Outro. Enquanto na relação de sentido temos um Outro sem barra – o que indica a alienação - o Outro que corresponde à fantasia é um Outro modificado, um Outro barrado – que aponta para a separação. Nesta perspectiva a fantasia se coloca como o que responde, no sujeito, à angústia produzida pela presença do desejo do Outro. A barra sobre este Outro nos diz que ele é desejante. A fantasia pode, inclusive, ser considerada como o desejo do Outro ou, mais especificamente, como a interpretação que se fez do desejo do Outro:  de um Outro que não é o da linguagem, mas do desejo. 
Uma outra modificação se impõe na medida em que trabalhamos com a perspectiva de que a fantasia, tal como está escrita no grafo do desejo é uma formação imaginária – por isso está escrita em itálico - (Subversão do Sujeito... Edição JZ, pagina 830-831) e que agora se veste de gozo que é da ordem do real:

                        ($<>a)
                                             a

Duas vertentes podem ser destacadas da fórmula da fantasia a partir de como o objeto a aí se coloca: uma diz respeito ao objeto a na sua função de dividir, a outra, inversamente, na sua função de complementar.
Uma linha de trabalho pode levar pelos caminhos onde a problemática do tamponamento está presente. Se existe uma falta no Outro, e inclusive a falta do Outro, a fantasia estaria aí para fazer-se de tampão. Desde este ponto de vista, a idéia de um atravessamento da fantasia iria implicar no ultrapassamento disso que tampona a falta no Outro, para, consequentemente, acomodar-se a ela. 
Ora, a própria escritura da fórmula da fantasia, por Lacan, implica esta vertente do tamponamento, desta vez de um sujeito que, como falta a ser, se vê compelido a buscar uma figura imaginária, o objeto a, para complementá-lo. Até mesmo quando Lacan trata do objeto a como real, a problemática do tamponamento persiste. No entanto, passo a passo, uma outra vertente vai se impondo que é inversa à precedente: o objeto não tampona, mas divide, barra. Esta divisão é que serve de ponto de partida ao discurso do analista, no qual o objeto a aparece como divisor e não como tampão.
Se levamos em conta a estrutura de extimidade do objeto a poderemos escrever:                                           
                                           a A/

Esta nova perspectiva nos abre caminho para esclarecer que: quando se trata do objeto a como divisor, quando o que está em jogo não é a encenação da fantasia, mas o gozo que o habita, não se pode afirmar que a é sentido-gozado, efeito de sentido, porque o escrevemos como causa. E quando assinala-se ao objeto a função de causa da divisão do sujeito que, a partir daí resultará sensível aos efeitos de sentido, a não é efeito. De modo que não o convertemos no efeito de sentido, mas sim na referência dos efeitos de sentido e, mais ainda, na referência dos efeitos de sentido-gozado.