A experiência que tem Lacan do inconsciente não é empirista, mas se ocupa do que já está aí, do que é prévio e do que condiciona toda experiência possível para o sujeito: a linguagem. Linguagem que está no lugar, reservado por Descartes, às ideias inatas.
A experiência se desdobra ante a linguagem e sua estrutura. A estrutura condiciona a experiência e se interpõe entre esta e o sujeito vazio. O saber de todos e cada um, como saber inconsciente, é que não há relação sexual. E nenhuma experiência virá desmentir este axioma inscrito pela linguagem. Por isso Lacan, em Televisão, afirma que estava falando para o homem comum: o homem comum é aquele para quem é verdade que não há relação sexual. Ainda que o homem comum não compreenda, de toda maneira, já sabe.
Há que distinguir da linguagem do inconsciente é no fundo, nosso universal, o discurso do analista que, de maneira nenhuma, pode pretender ser equivalente.
“O inconsciente está estruturado como uma linguagem” e “o inconsciente é o discurso do Outro” não são duas fórmulas equivalentes. É preciso acrescentar que o último corte produzido no ensino de Lacan passa, precisamente, entre ambos. O fato de que o inconsciente seja linguagem não implica forçosamente que seja discurso. A divisão está acompanhada pela distinção entre gozo e desejo e a proeminência do gozo na teoria do desejo. De modo que quando dizemos que o inconsciente é linguagem estamos acentuado o gozo, enquanto que ao por em primeiro plano o discurso do inconsciente damos preponderância ao desejo.
No texto “A Instância da Letra…”, os matemas, as fórmulas da metáfora e metonímia, se baseiam no significante, termo que todavia não se distingue claramente da letra. Será em Televisão que Lacan vai introduzir o conceito de signo para incluir a letra e o significante: o significante é o signo na medida em que tem efeito de sentido, enquanto a letra é o signo considerado por seu efeito de gozo. Assim, se o ponto de vista do significante nos conduz de imediato à teoria da comunicação e a implicar o Outro na linguagem, o ponto de vista da letra é, pelo contrário, autista; é a perspectiva de um gozo que não se dirige ao Outro.
O gozo, na medida em que concerne ao objeto “a” e não ao Outro, é pseudo sexual.
É a passagem da função da palavra ao campo da linguagem que permite a Lacan introduzir neste último a função, a instância da escritura. Tudo o que concernente ao sinthoma, a nova doutrina do sintoma, e supõe a formulação de que o inconsciente escreve, que isso se escreve.
O inconsciente escreve e no inconsciente Isso se escrever foi o que permitiu a Lacan aproximar-se de Joyce e poder ver comprovada sua tese de que o inconsciente se escreve. O sintoma, desde o texto Função e Campo da Palavra e da Linguagem já estava remetido a um processo de escritura, ficando a palavra insuficiente para dar conta de sua consistência.
Consequência natural deste desenvolvimento foi estabelecer, em “Televisão” que “na medida em que o inconsciente está interessado, a linguagem introduz as vertentes do sentido e do signo”.
A Linguistica, ao contrário da psicanálise, prescindiu-se do fato que o inconsciente aí está interessado ao trabalhar o significante e o significado. Foi, portanto, com Lacan que este fator foi recuperado e, com ele, pode-se esclarecer que o termo mensagem, concernente ao sintoma, está diretamente dependente da distinção entre o significante e o significado. Esta distinção foi o que levou Lacan a tentar esclarecer (me refiro aqui aos seu primeiros escritos, principalmente Função e Campo...) que a análise operava pelo sentido dado pelo preenchimento das lacunas da história do sujeito pelas suas interpretações. Seriam pedaços desta história, experiências que haviam permanecido não assimiladas, que seriam integradas. Esta forma de trabalhar, no entanto, implicava que a experiência analítica fosse abordada a partir do sentido, o que deixa a posição do analista como sendo o senhor da verdade. (Em Função e Campo Lacan chega mesmo a dizer que o analista está no lugar de onde se decide o sentido) É importante ressaltar aqui que sempre que tratamos do sentido o que está implicada é uma relação com a verdade que se coloca antinomicamente em relação ao Real. Esta distinção é fundamental se se quer chegar a alguma conclusão com respeito a identificação ao sintoma no final de uma análise
Por tudo isso vamos acompanhar Lacan questionando o sentido e seus limites na experiência analítica ao dizer que sempre que manipulamos o sentido só se chega ao sem sentido. Para esclarecer esta afirmação ele vai trabalhar o sentido dito comum e o cômico na direção, exatamente, o que vai do sentido comum ao cômico. “O sentido comum se caracteriza por ignorar o sem sentido e se mantém como sugestão. Quer dizer que a base do sentido comum é o significante amo, que ignora que ele mesmo seja um sem sentido – o ignora no bom sentido, claro. É algo que se ignora quando se faz – com as melhores intenções do mundo, com compaixão – do significante amo o sentido comum.” É exatamente isso que mascara o sem sentido que vai ser desvelado no final da análise. Quando, muitas vezes, falamos que o neurótico passa sua vida tentando salvar o Pai é essa uma das formalizações possíveis. O neurótico, e aqui as histéricas principalmente, procura nada saber do cómico em jogo no sem sentido do significante mestre que o sentido comum procura manter a todo custo. Este significante que mantém o sujeito assujeitado a um sentido pre-estabelecido pelo circuito congelado da sua fantasia estabelecendo o que JAMiller vai chamar de um sintoma fundamental. Este significante que o discurso do mestre aponta no algoritmo S1/$ o que vai se colocar em condições de construir um chiste pois, assim como o “familionário” que Freud descreve no início de seu livro sobre a Psicopatologia da Vida Cotidiana, constitui-se em um novo significante. Esta forma deste significante se apresentar justifica-se pelo fato de que o cómico especula com o sentido ao mesmo tempo que tem um saber sobre o sem sentido. “Existe assim o insensato sobre o que pode jogar o cómico ali onde o sentido sugestiona.”
(Continua)