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quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Consentir com o inconsciente


Começo pela constituição do sintoma, partindo do seu "envelope formal": a cadeia significante, para dizer do que é o ser do sintoma: a castração. Deste ponto pode-se perceber sua função de se prestar a fazer laço entre o sujeito e o Outro, aí onde a incidência da fala abriu um espaço entre dois campos: o do sujeito e o do Outro. Em outras palavras, o sintoma está presente no ponto em que a transmissão da castração não se faz toda, enquanto um quarto nó que se presta a enlaçar o ponto mesmo de impossibilidade entre o real e o simbólico. Chama atenção a importância da particularidade do sintoma para aquele que se apresenta com uma queixa em busca de uma análise. A função do analista, neste momento, pode ser resumida da seguinte maneira: transformar o que lhe chega como queixa em sintoma analítico. É o que Lacan chamou, num certo momento de seu ensino, de retificação subjetiva. Operação necessária porque o sujeito da queixa se apresenta mostrando uma certa distância, um certo hiato, entre o que ele deseja ao nível das identificações e os efeitos próprios do sintoma pois, se o sujeito reconhece seu sintoma, ele não quer aí se reconhecer, o que nos leva a supor um caminho que vai desde identificar o sintoma, à entrada do tratamento, até saber do porque foi necessário. Em outras palavras, é fundamental situar o sintoma do lado do que não cessa de se escrever (necessário) que está aí para responder ao não cessar de não se escrever do impossível do real. Em outras palavras, "o ser do sintoma substitui o não-ser do sujeito a partir do lugar onde, no inconsciente, isso pensa. Identificar-se ao sintoma poderá ser entendido, então, como a subjetivação do saber, para o sujeito, do que causou seu sintoma." 
Dito isto, pode ser dada um passo a mais e afirmar, com Lacan, que "no começo da psicanálise está a transferência". Esta frase, escrita na Proposição de 9 de outubro ..., pode ser lida em suas duas vertentes. Por um lado ela diz que foi necessário escutar a ação da transferência, desde o relato de J.Breuer sobre o caso Anna O. e seu manejo (de empecilho para estratégia) para que o método de tratamento (psicanálise) se estabelecesse. Por outro lado, não é possível acontecer uma entrada em análise se a transferência não estiver presente, colocando em ato o laço analítico. A própria transferência é definida como a colocação em ato da realidade sexual do inconsciente. 
A partir desta afirmação, pode-se dizer, com Hervé Castanet, que "a referência à manobra estratégica do início indica, de resto, em que o analista está implicado na sua direção." E que lugar é esse? De uma forma simples, nada mais é que um lugar que trata de preservar um buraco, um vazio, de preferência sob a forma de uma interrogação, que o analisante tenta tamponar, cada vez mais completamente. É isso que o analista deverá manter por seu ato, desde as primeiras entrevistas: um lugar que Lacan especificou como sendo aquele do objeto “a”, mas que, à entrada da análise, toma a consistência do que ele chamou de sujeito suposto saber Este é o lugar que sustenta o analista, na vertente da transferência, como sintoma. Esta é a suposição estranha que traz cada um que chega à análise, de que o Outro sabe, de antemão, o que ele mesmo acredita não saber. Poder das palavras, já postulado no próprio endereçamento ao Outro, pois elas guardam em si mesmas algo do ser do sujeito que deverá vir à luz. 
É, pois, diante deste convite que faz o analisante ao analista: que ele ocupe um lugar que possa restituir o equilíbrio, a harmonia perdida no momento que o sintoma não pode mais sustentar o ponto de inconsistência do enlaçamento do simbólico e o imaginário, que este deverá manejar o tempo necessário para que a operação de esvaziamento dos outros discursos possa abrir espaço ao discurso analítico. Esta operação só é possível a partir do ponto onde o desejo do analista se faz operacionalizável.  Ao tratar deste ponto em sua Proposição..., Lacan, chama a nossa atenção para a objeção que a transferência, por sua estrutura mesma, faz à intersubjetividade. Ponto importante do início de sua teorização, a intersubjetividade cai por terra a partir mesmo do fato de que "nenhum sujeito é suposto por outro sujeito", pois "um sujeito não supõe nada, ele é suposto (...) pelo significante que o representa para um outro significante." 
Daí a fórmula:
                           
                      S ———————————> Sq    
                              s(S1, S2,.... Sn) 

onde "S é o significante da transferência, quer dizer de um sujeito, com sua implicação de um significante que diremos qualquer, quer dizer, que não supõe senão a particularidade". Lacan, mais adiante, nos diz que se ele é passível de ser nomeado por um nome próprio, não quer dizer que ele se distingue pelo saber. Se há um saber que faz toda a diferença, é que, diante da reciprocidade demandada na relação amorosa que se estabelece na transferência este, que se nomeia neste lugar, sabe que há uma dissimetria fundamental: ele não tem o que lhe é pedido. O saber que lhe é atribuído, na verdade está instalado sob a barra, sob o primeiro significante e representado pelo "s” que representa o sujeito que aí resulta implicando, ao parênteses, o saber, suposto presente, dos significantes no inconsciente, significação que toma o lugar do referente ainda latente nesta relação terceira que o une ao par significante-significado." 

A relação analítica, portanto, só se sustenta em função da introdução deste elemento terceiro que é o significante qualquer, consequência do discurso que se instaura: sujeito suposto saber. Saber que o analista não encarna, pois ele nada sabe deste saber suposto, "o Sq da primeira linha nada tem a ver com o S da segunda". Aceitar este traço deixar-se envolver nesta suposição só faz reduzir sua ação à produção de uma identificação que vai reforçar a inércia própria do eixo imaginário. Na verdade, o que se coloca neste momento, é que há um saber a ser construído a partir "do não-saber que se ordena como o quadro do saber, (...) indicando aqui sua relação ao desejo que lhe deu consistência." 
Vamos retomar a clínica para dizer que um sujeito procura análise no momento em que "o sintoma se  apresenta como impossível a assumir" porque o rompimento de seu envelope formal vai colocar a céu aberto o que escapa à representação, à ação do pensamento (gedanken) e que permanece como um resto que Freud, no seu "Projeto ..." denominou de "a coisa" (das Ding). 
Buscar um analista torna-se, então, uma das saídas possíveis. Busca-se, no analista, um saber, como já lhes disse acima, que possa restituir a eficácia do envelope rompido. Na verdade, o analista é o único parceiro que tem a oportunidade de responder à esta demanda. A verdade é que todos procuram um analista, mesmo quando não se dirigem a um. Eles buscam um Outro que responda. Daí as paixões que se desenvolvem em torno da figura paterna, no sujeito histérico, que passa a vida inteira esperando que o pai diga alguma coisa de peso, e no sujeito obsessivo, de outra maneira, que, finalmente, possa falar com ele. Todo este movimento tem como causa a esperança de que seja devolvida, ao sujeito, a sua certeza de ser na singularidade própria de seu sintoma. É Albert Camus, numa passagem que só os escritores criativos produzem, quem diz muito bem do que se trata: "Ele não era nada senão esse coração angustiado, ávido de viver, revoltado contra a ordem mortal do mundo que o tinha acompanhado durante quarenta anos, esse coração que batia sempre com a mesma força contra o muro que o separava de toda e qualquer vida, querendo ir mais longe, ir além e, sobretudo saber*, saber antes de morrer, saber finalmente para ser*, uma só vez, um só segundo, mas para sempre." 
É, portanto, pela via do saber que começa uma análise e neste começo está a transferência: o amor ao saber. 
Responder deste lugar de saber, no entanto, poderá produzir alguns efeitos, mas nunca uma análise. Por isso é importante distinguirmos, com Gerard Miller, "a entrada em análise de seu começo (...) se quisermos dar conta desses alongamentos que se estiram sob o nome de uma análise, sem jamais iniciarem".
Para que uma análise possa acontecer é fundamental a intervenção de um analista. 
Novamente uma distinção se faz necessária. Quando Lacan, em sua conferência intitulada "A terceira" nos diz que "chama sintoma ao que vem do real", ele explicita que este, o sintoma, só se acalma se lhe nutrem de sentido, de tal maneira que só há duas saídas: ou o sintoma prolifera ou se reinventa. Ora, proliferar o sintoma não é bem o objetivo de uma análise, nem muito menos é seu objetivo extinguí-lo. O fundamental é que não nos esqueçamos de que na base do sintoma está uma impossibilidade que, sendo de estrutura, se define por: "não há relação sexual". É a partir mesmo desta impossibilidade que o sentido insiste no 'automaton' da cadeia significante.
Não nutrir o sintoma para que este prolifere, ou como usualmente escutamos: não responder às demandas do analisante propiciando a ele a oportunidade de escutar por detrás dos ditos, é função do analista. Uma interpretação não é, pois, aberta a todos os sentidos (como quiseram estabelecer alguns, entre eles Leclaire e Laplanche) mas ao real que constitui o núcleo do sintoma e aí se coloca como um “x” impedindo que as coisas andem. Ao visar este núcleo, este para-além da significação, a interpretação ou o dizer silencioso do analista - e aqui me refiro ao silêncio da falta de palavras [S(A/)], "porque o que é dito numa interpretação não é o sujeito do analista" - é que vão promover uma volta a mais a partir mesmo do um-a-menos de sua resposta.
  
Esta volta a mais só será possível se o analista não ceder de seu desejo, permitindo que os efeitos do reinado do objeto 'a', enquanto semblante, levem o sujeito à experiência de desamparo (Hilflösigkeit), condição primordial ao surgimento do desejo. É o que pretendo mostrar ao desenhar sobre a topologia do Grafo do Desejo, um Oito Interior. (Vide figuras acima)
Esta volta a mais podemos dizê-la correlativa de um tempo para compreender na medida que, frente à frente com a demanda do Outro, e não mais submetido a um "querer" do analista, o analisante poderá dizer, como o fez outro dia uma cliente: "Saí daqui preocupada com a última sessão. Parece que eu estava sempre querendo falar coisas que lhe interessassem." Este é um sinal claro da presença de uma transferência e, mais ainda, de um certo saber que aponta para um mais-além da demanda, dizendo que uma análise poderá acontecer. 
No entanto, muitas vezes este percurso é paralisado, é interrompido, ou pode até ir um pouco além deste ponto, quando o saber que o sujeito adquiriu durante este tempo de compreender apresenta-se como "suficiente". Para manter-se não sabendo o analisante faz a opção pelo luto do analista para, assim, poder sustentar seus ideais e a crença num Outro. Esta é a esperança de poder evitar saber o que há para saber da "perda forçada" que a entrada na linguagem impõe ao sujeito.
Podemos denominar este momento de uma saída terapêutica aí, onde uma análise poderia ter começado.
Em sua "Nota aos Italianos" Lacan já dizia desta possibilidade ao afirmar que a humanidade não deseja saber e que "não há analista, senão quando um desejo lhe vem"..
Quando, portanto, este certo desejo lhe vem, este analista pode sustentar uma "subversão topológica" e um passo a mais pode ser dado, o que temos é um começo, ou uma "segunda entrada em análise". Este termo, introduzido por Gerard Miller é relembrado por J. A. Miller em seu artigo sobre "As saídas de Análise": "poderíamos nos perguntar se não há sempre, em certo sentido, uma segunda entrada em análise. O sujeito entra em análise antes de efetivamente saber o que é uma análise; por isso é necessário que o analista intervenha para confirmar sua opção".
A confirmação desta opção, acredito, não se faz pela via do saber, mas sim por um consentimento com a experiência do inconsciente. Quando me refiro a consentimento, tenho em mente o que Lacan nos diz em seu Seminário VII - A Ética da Psicanálise: quando, uma vez cumprido o ato do assassinato do pai da horda primitiva, "se instaura um consentimento inaugural que é um tempo essencial na instituição da lei, quanto à qual a arte de Freud será vinculá-la ao assassinato do pai, de identificá-la à ambivalência que então funda as relações do filho com o pai, isto é, ao retorno do amor após efetuado o ato."
Destaco o "retorno do amor" para dizer que aqui também, nesta passagem, o amor de transferência se enlaça neste ponto onde o sujeito vê, para além do narcisismo, o Outro como a própria presença da morte, espreitando. É o momento em que, já não mais podendo ter a garantia da sobrevivência deste Outro de suas virtudes, o sujeito encontra no amor o signo que vai sustentar o giro de quarto de volta  do discurso. Uma segunda entrada em análise poderá acontecer.
Neste ponto convém destacarmos uma diferença entre o que podemos chamar de efeitos da psicoterapia e o que se espera numa análise, a partir mesmo dos efeitos de uma interpretação: as psicoterapias buscam restaurar as significações, ou seja, restaurar a sutura da fantasia. A passagem referida acima, dizendo da "subversão topológica" visa justamente o efeito de separação entre o sujeito e o objeto da fantasia, produzindo um novo sujeito (ein neues subjekt) "no sentido de um efeito novo de separação, na fronteira entre o sujeito e o objeto".


Este percurso descrito até aqui aponta para a passagem de um saber sobre o inconsciente para consentir com a experiência do inconsciente
Este consentimento, obtido a partir da operação do ato analítico, quando o analista não aceita a negociação proposta pelo analisante, é o que permite que se continue o caminho na construção da fantasia fundamental. Construção esta que abre a possibilidade de escolhas, na medida em que o enigma subjetivo, que se mantem sob a máscara da demanda do Outro vai, passo a passo, se fechando. 
Afinal, "obter um sujeito idêntico a si próprio, que não desliza mais na diferença significante" e que possa ter um saldo de gozo possível ao fim de seu trajeto pulsional é o que se espera de análise.




terça-feira, 2 de maio de 2017

Sobre o Sem-sentido e o “Sentido Gozado” (Jouis-sense)

“O que se goza fica esquecido por detrás do dito.” Esta pode ser considerada uma tradução do que se encontra em uma forma mais enigmática no texto L`Etourdit (Scilicet n. 4, pag. 5) – “o que se diz permanece esquecido por detrás do dito, no que se compreende” (Qu`on dise reste oublié derrière ce que se dit dans ce qui s`entend). Esta tradução pode esclarecer uma dificuldade que se apresenta quando articulamos o sentido com o sentido-gozado. Para responder a esta dificuldade, vamos fazer, primeiro, uma transformação em uma pergunta que está sempre presente no nosso dia-a-dia: o que quer dizer? que se transforma, neste momento em: o que quer gozar?
Sabemos que o sentido se escreve a partir do Outro (A), o que nos leva a escrever que o sentido é um “efeito de”. O sentido, portanto, não existe por conta própria. Sua produção implica um Outro: 
                               A s(A)
No entanto, quando estamos tratando da psicanálise, para além deste sentido que se apresenta como efeito do Outro nós implicamos, também, o sentido-gozado. Lembremos que este sentido-gozado foi identificado como parte da própria estrutura da fantasia fundamental:                                             

                                 ($<>a)
s(A)

Podemos ler isto que acabamos de escrever, tomando o Grafo do Desejo como referência, da seguinte forma: “não existe prática analítica sem que o efeito de sentido esteja parasitado pelo efeito de sentido-gozado.” (JAM – Los signos del goce – pag. 315). Esta afirmação implica uma posição ética do analista que se traduz nos seguintes termos: mais além da teoria que sustenta sua prática, o analista sempre se orienta pelo que pode perceber como efeito de sentido-gozado e que se apresenta, simplesmente, como antinômico ao efeito de sentido que se compreende. Em outras palavras, a atenção flutuante do analista deverá ser capaz de captar o que se apresenta como sem sentido dentro de todo o sentido que a palavra nos oferece à compreensão. Desta forma, podemos dizer que o sem sentido é um dos nomes do sentido-gozado. Assim, todas as vezes em que manipulamos o significante produzimos  um sem sentido no sentido à compreender, ao mesmo tempo que o transformamos em sentido para gozar. Este sentido para gozar é o que vai nos tocar, de alguma forma, como por exemplo, no chiste. Se tomarmos o momento do passe como uma referência, verificamos que ele se define pela transformação de um significante que, se destacando do conjunto pleno de sentido, vai produzir um sem sentido e retornar ao sujeito, deslocando-o da posição que, até então, sustentava. Pode-se fazer alusão, aqui, ao sintagma lacaniano que se encontra como título de uma de suas lições de um de seu seminário “L`insu que sait de l`une-bevue s`aille a mourre”: Vers a signifiant nouveau.

Quando um sujeito entra em análise, ele o faz pela via da transferência e, consequentemente, da instalação do Sujeito Suposto Saber - pivô disto que Freud chamou de sintoma analítico. Este Sujeito Suposto Saber só faz nomear, explicitar este efeito de sentido que vem do Outro. Em contra partida, o sem sentido é o que permanece separado do Outro ficando silencioso neste processo de proliferação do sentido a partir do sujeito suposto saber. Este sem sentido, que habita o núcleo da fantasia, é o responsável pela paralisia do sujeito diante de uma frase. No exemplo que Freud constrói, esta frase é: “bate-se numa criança”. O sujeito se detêm diante dela, na ânsia de restabelecer um elo perdido entre o sem sentido que ela aponta e o Outro do discurso. Esta frase, podemos dizer, vale por um significante unário, um S1, que leva o sujeito a inquietar-se, a buscar um outro significante que possa fazer as vezes de S2, estabelecendo um sentido qualquer. Mas, é fundamental se ter em mente que existe, neste ponto,  um paradoxo pois, este S1 além de não pedir uma outra palavra ou outra frase, S2, ele se recusa a isso.

Este ponto exige um pequeno comentário: apenas na psicose  tem-se um sentido-gozado que se relaciona ao Outro. Isto pode ser escrito, com JAM, na seguinte fórmula: js(A), indicando que o Outro está aí para gozar. Está afirmação se justifica a partir da proposição de Lacan que define o paranóico como aquele que identifica o gozo no lugar do Outro. Este Outro, da psicose, não é nunca um Sujeito Suposto Saber, mas sim um Sujeito Julgado Gozar.
Retomando nosso fio condutor reafirmo que um Sujeito Suposto Saber designa a presença de um significante, ou seja, indica um efeito de sentido, enquanto que o sentido-gozado não é suposto, mas experimentado. Quando acontece experimentá-lo, apenas se julga que está aí e se diz: é isso!
É necessário distinguir, do sentido-gozado, o que lhe permite acesso na teoria analítica: a fantasia que está, de alguma forma, articulada ao Outro.
Partindo do andar inferior do grafo: As(A), podemos seguir Lacan e buscar a posição do Outro no efeito de sentido, quando se trata da fantasia:
A/ ($<>a)
A     s(A)
Nestes dois esquemas pode-se perceber uma diferença fundamental que se apresenta em relação ao Outro. Enquanto na relação de sentido temos um Outro sem barra – o que indica a alienação - o Outro que corresponde à fantasia é um Outro modificado, um Outro barrado – que aponta para a separação. Nesta perspectiva a fantasia se coloca como o que responde, no sujeito, à angústia produzida pela presença do desejo do Outro. A barra sobre este Outro nos diz que ele é desejante. A fantasia pode, inclusive, ser considerada como o desejo do Outro ou, mais especificamente, como a interpretação que se fez do desejo do Outro:  de um Outro que não é o da linguagem, mas do desejo. 
Uma outra modificação se impõe na medida em que trabalhamos com a perspectiva de que a fantasia, tal como está escrita no grafo do desejo é uma formação imaginária – por isso está escrita em itálico - (Subversão do Sujeito... Edição JZ, pagina 830-831) e que agora se veste de gozo que é da ordem do real:

                        ($<>a)
                                             a

Duas vertentes podem ser destacadas da fórmula da fantasia a partir de como o objeto a aí se coloca: uma diz respeito ao objeto a na sua função de dividir, a outra, inversamente, na sua função de complementar.
Uma linha de trabalho pode levar pelos caminhos onde a problemática do tamponamento está presente. Se existe uma falta no Outro, e inclusive a falta do Outro, a fantasia estaria aí para fazer-se de tampão. Desde este ponto de vista, a idéia de um atravessamento da fantasia iria implicar no ultrapassamento disso que tampona a falta no Outro, para, consequentemente, acomodar-se a ela. 
Ora, a própria escritura da fórmula da fantasia, por Lacan, implica esta vertente do tamponamento, desta vez de um sujeito que, como falta a ser, se vê compelido a buscar uma figura imaginária, o objeto a, para complementá-lo. Até mesmo quando Lacan trata do objeto a como real, a problemática do tamponamento persiste. No entanto, passo a passo, uma outra vertente vai se impondo que é inversa à precedente: o objeto não tampona, mas divide, barra. Esta divisão é que serve de ponto de partida ao discurso do analista, no qual o objeto a aparece como divisor e não como tampão.
Se levamos em conta a estrutura de extimidade do objeto a poderemos escrever:                                           
                                           a A/

Esta nova perspectiva nos abre caminho para esclarecer que: quando se trata do objeto a como divisor, quando o que está em jogo não é a encenação da fantasia, mas o gozo que o habita, não se pode afirmar que a é sentido-gozado, efeito de sentido, porque o escrevemos como causa. E quando assinala-se ao objeto a função de causa da divisão do sujeito que, a partir daí resultará sensível aos efeitos de sentido, a não é efeito. De modo que não o convertemos no efeito de sentido, mas sim na referência dos efeitos de sentido e, mais ainda, na referência dos efeitos de sentido-gozado.

terça-feira, 18 de abril de 2017

Eficácia da Psicanálise - O que faz um psicanalista?

O que se espera de um analista? A esta questão que Lacan se propos ele mesmo produziu, na ocasião, uma resposta  contundente e, como não poderia deixar de ser, enigmática: O que se espera de um analista é uma análise. O que faz um analista, portanto, é uma análise!. Isso nos dois sentidos possíveis que o verbo fazer, neste caso, nos aponta: 1- se espera que um analista seja capaz de levar uma análise até seu ponto de impossibilidade e, 2- que um analista possa advir de uma análise.
Encontro, em Silet (1994-1995), a seguinte afirmação de JAMiller: “O que faz o analista: falar do silêncio”. Por isso, certamente, o matema de Lacan que nos diz do silêncio do analista assim escrito: S(A/). Este matema defino  como a própria estrutura do falasser (parlêtre). O falasser tem, como enlaçamento lógico de sua estrutura, o silêncio e o analista deverá, quando falar, falar a partir do silêncio, ou, como nos diz JAM: “guardar o silêncio totalmente, ao falar”. Este é o segredo da interpretação que deverá preservar o lugar do que não se diz, ou melhor ainda, do que não se pode dizer. Esta talvez seja a mais preciosa das interpretações: o desacordo do analista em ocupar um lugar, que lhe demanda o analisante, que permita ao sujeito nutrir seu sintoma de sentido. Desta forma, o analista deverá se colocar mais ao lado daquilo que se cala do que ao lado do que fala, no analisante. 
O S(A/) nos diz do que permanece do significante após a palavra ter sido eliminada. Esta é a consequência da intervenção de um analista que vai propiciar ao significante da falta no Outro assumir seu valor de letra, ou seja, o valor de significante escrito. A escritura, podemos dizer, é a única forma que o ser falante tem para subtrair-se aos artifícios do inconsciente. Enquanto preso à palavra, o sujeito não tem como sair das artimanhas que o inconsciente apresenta e que Freud definiu como sendo suas formações. Isto se explica pelo fato de que, uma letra, ao contrário do significante, tem uma identidade. Enquanto que um significante só se apresenta a partir da diferença e sempre chama um segundo significante. Conhecemos bem as definições do significante que Lacan vai buscar em Saussure: que o significante é profundamente diacrítico – somente se coloca a partir da diferença e da distinção. A letra se basta. Um bom exemplo encontramos no número matemático. O número é cifra e não tem efeitos secundários de significado. Um significante, por outro lado, está posto como aquele que pode representar um sujeito para um outro significante. Ao sujeito, enquanto sujeito do inconsciente, sujeito dividido, só resta permanecer nesta brecha do significante como sujeito a advir, num futuro anterior.
A letra, por outro lado, tem uma identidade. O que se pode traduzir no inconsciente por uma letra, o sintoma, tem dois valores: S1 e a. Estes dois valores nos dizem que o Outro é uma matriz de dupla entrada: a e o Um do significante. 
Sabemos, a partir dos textos de Lacan dos anos setenta, que é possível articular uma certa contabilidade ao gozo. Isto se apresenta sob uma forma bem simples se pensarmos que o inconsciente está estruturado como uma linguagem e que, os significantes que constituem esta cadeia nada mais são do que uma forma que assume a transformação do gozo em algo contábil: a pulsão parcial e seu quantum de energia que Freud tratou de explicitar quando inventou a libido.  
O sintoma, faz o caminho inverso do que tenta o inconsciente. O sintoma é uma função: Lacan nos diz que é uma função matemática, um f(x) que realiza a transferência da contabilidade ao gozo, do simbólico ao real. E o faz ao traduzir o que há do inconsciente em uma letra.

Neste ponto devemos retomar a questão do silêncio do S(A/) ao acrescentarmos que a palavra, na verdade, guarda o silêncio e mesmo, podemos dizer, que ela falha diante do gozo. Por isso uma fantasia não pode ser falada, não pode ser interpretada, mas construída. É o que nos diz Freud a propósito do paradigma da fantasia que se define nos termos mesmo de sua construção como: “uma criança é espancada”. O cerne desta construção só a alcançamos a duras penas pois, o que se constitui como pivô desta cena é o que não nos lembramos, é o que não tem reminiscência e que precisa ser reconstruído. Não se trata, obviamente, de uma construção qualquer, mas de uma construção que responde a uma necessidade lógica em relação a algo que não se pode dizer. “Há o silêncio no coração da fantasia” (JAM).
Este silêncio, podemos correlacioná-lo ao famoso silêncio da pulsão de morte que Freud tão bem descreveu em seu texto “O Eu e o Isso” designando-lhe, como lugar, um possível núcleo do Isso. Assim, quando nos vemos aprisionados por uma pulsão qualquer, experimentamos o constrangimento de não podermos responder com palavras a este silêncio amedrontador que nos coloca servo de um circuito que só temos consciência no momento em que ele se fecha ao final de sua curva, fazendo retornar sobre o sujeito, um sentido-gozado sob a forma do discurso do Outro. 
Isso, que está no coração da fantasia e que habita o circuito pulsional nos diz de uma afinidade do silêncio com o gozo. Se, por um lado, esta afinidade se apresenta sob a forma da vergonha e da culpabilidade, tão comuns nos neuróticos, por outro lado ela nos diz deste ponto, sobre o qual insisto aqui: o silêncio diz respeito a uma falha mais essencial da palavra diante do gozo. O que talvez seja mais incisivo está expresso pelo que a mulher pode dizer de seu gozo: “Silet”, nos lembra Lacan.
Diante de tudo isto há um ponto que considero fundamental: se o analista se faz a partir do silêncio sobre o qual ele se assenta para sustentar uma análise até o seu final, ele precisa estar atento ao risco que existe da infiltração de gozo que este silêncio propicia. Uma das saídas possíveis para evitar este risco nos aponta na direção da importância da supervisão. 

terça-feira, 4 de abril de 2017

Sobre a Pulsão

A Pulsão, assim como o conceito de Desejo do Analista, cunhado por Lacan , é um conceito limítrofe. Ele se apresenta no ponto de junção e disjunção, de união e de fronteira. A pulsão, entre o somático e o psíquico. O desejo do analista, entre o desejo e a demanda.  
A pulsão é um conceito inventado por Freud para dar conta de sua clínica e fazer frente às suas próprias demandas de prover sua teoria de um lastro científico. Por isso é que na primeira página do seu trabalho sobre “A pulsão e suas vicissitudes” ele discute, longamente sobre o cientificismo deste conceito, para concluir que a pulsão é um conceito bá­sico, apesar de ainda obscuro.
A noção de pulsão em Freud é absolutamente nova e a maneira como ele a constrói, a partir da experiência do inconsciente, impede que o pensamento psicológico ve­nha lançar mão ao recurso do instinto, disto que podemos chamar de uma moral da natu­reza, como forma de não pensar as consequências da brecha aonde o inconsciente se constitui. Esta é a forma encontrada para quebrar com o que poderia haver de resquícios de um uso, deste vocábulo, anterior à psicanálise como aconteceu e acontece com o conceito de inconsciente.
  Vamos dizer que a pulsão não é a pressão, nem mesmo pode­mos dizer que é natural esta sequência que se apresenta pelos termos: fonte (Quelle), objeto (Objekt) e alvo (Ziel). Ao contrário, produto da incidência da linguagem, a pulsão ex-siste, só se apresentando enquanto um circuito, um circuito que não é outro senão a via que a demanda traça no campo do Outro. Circuito este que deixa como questão saber como o su­jeito encontrará aí seu lugar, pois assim como o próprio conceito abriu sua via no real e se estabeleceu como um “Grundbegriff”, demarcando este real, a cada volta a pulsão produz como consequência um novo sujeito, que como tal permanece como um sujeito a vir, já que vai desaparecer sob o significante que o representa para outro significante. 
Vamos acompanhar, com Lacan cada um dos termos que constituem esta ficção que é a pulsão.
Comecemos pela pressão, que pode ser identificada, desde o princípio a uma pura e simples tendência à descarga, como produto de um estímulo, de um suplemento de energia: Qn, nos diz Freud no Projeto. No entanto, é preciso diferenciá-la quanto a sua origem, de onde ela vem. Esta excitação, “Reiz”, para empregar um termo de Freud, é interna. Nisto ela se diferencia fundamentalmente de todo estímulo externo. Podemos exemplificar com as chamadas necessidades, o “Not”, muito bem demonstrado pela fome ou sede. No entanto, é fundamental distinguí-la do que poderia ser uma manifestação a nível do or­ganismo como um todo. Esta excitação é uma manifestação do campo freudiano como tal, campo este que está descrito como “Real-Ich” no texto do Projeto, nos lembra Lacan, “Real-Ich” que é concebido como suportado, não pelo organismo inteiro, mas pelo sistema nervoso. Existe, nesta concepção do “Real-Ich”, uma característica de sujeito planificado, objetivado. Esta energia, esta “Triebreiz” é o que vai investir certos elementos do campo em questão, investi-los pulsionalmente. Este in­vestimento, ao contrário do que ocorre com as funções biológicas, que sempre tem um ritmo e se sustentam em uma força momentânea (“Momentane Stoss-kraft”) possui como carac­terística ser uma força constante (“Konstante Kraft”)
Para tratarmos do outro termo, alvo, vamos lembrar, com Lacan que a satisfação (Befriedigung) da pulsão consiste em atingi-lo. No entanto, convêm dizer que o próprio Freud vai nos afirmar que uma das quatro vicissitudes da pulsão é a sublimação, que esta,  exatamente, é inibida quanto a seu alvo. Nem por isso ela deixa de nos dizer da satisfação da pulsão. (O exemplo do beijo e da fala é dado por Lacan.) Esta afirmação nos leva ao fato de que “o uso da função da pulsão não tem, para nós, outro alcance que não o de colocar em questão isso que é da satisfação”.
A clínica nos coloca frente a frente com essas situações todos os dias. Cito Lacan: “os pacientes não se satisfazem, como se diz, disso que eles são. E, portanto, nós sabemos que tudo isso que eles são, tudo isso que eles vivem, seus sintomas mesmo, pro­vêem da satisfação. Eles  satisfazem qualquer coisa que vai, sem dúvidas, ao encontro disso que poderia lhes satisfazer ou, talvez melhor, eles satisfazem a qualquer coisa”. Em outras palavras, podemos dizer que eles se dividem entre estar satisfeitos por algo e satisfazer a algo. Toda a nossa questão é procurarmos saber o que é que é isso que é aí satis­feito. 
Vamos tentar esclarecer esta questão do prazer/desprazer e satisfação. O primeiro ponto sera a distinção entre o prazer e a satisfação: a clínica se explica pela diferença entre o que dá prazer e o que satisfaz.
É fundamental não confundir o que satisfaz a alguém, com o que lhe dá prazer. Na neurose, o que parece estranho, fora do sentido, para o sujeito é que seu sintoma produz desprazer, mas eles têm a idéia de que há uma razão para isso: “Deus escreve certo por linhas tortas”, p. ex..
No entanto, quando o sujeito extrai um pouco de prazer com o que está mais além do prazer, isto é, consegue um pouco de prazer com o gozo, trata-se aí de sua fantasia. Mas, quando o sujeito vai satisfazer a algo que o confronta com o mais além do princípio do prazer, dizemos que é um assunto que se passa entre a satisfação e o gozo, e que o que está em questão é a pulsão. Em outras palavras, se colocamos o sujeito do lado da fantasia, ele será satisfeito por algo, se o colocamos do lado da pulsão, teremos um sujeito que satisfaz a algo. Isto é para dizer que, de modo algum o sintoma será o mesmo se o abordamos pela dimensão do prazer e do gozo, ou do gozo e da satisfação. 
Podemos abordar o sintoma de duas maneiras, conforme nos aproximamos dele pela via da fantasia ou da pulsão.
Pela via da fantasia, aqui localizado entre os pontos de gozo e prazer, vemos que o sintoma vai se instalar neste ponto para fazer valer uma certa proteção, ignorar, aquilo que é a causa do desejo. No entanto, estando assim colocado, ele também é capaz de tirar proveito da operação da fantasia que consiste em transformar gozo em prazer, de forma tal que os benefícios secundários vêem para propiciar prazer no desprazer. É o que escapa, apesar do recalque, que retorna como mais-de-gozar, e não como causa. 
Por outro lado, se examinamos o sintoma pelo viés da pulsão, o que vamos constatar é que o sintoma satisfaz a um gozo, exatamente pela interpretação que o neurótico faz da demanda do Outro, como sendo equivalente ao seu desejo. No entanto, colocadas as coisas deste lado, do lado do tesouro de significantes, a possibilidade de transformarmos a queixa em bem-dizer vai se apresentar de uma forma que pode ser descrita desta forma: Até onde se satisfazia gozar, deverá agora tentar examinar a que gozo satisfaz esta divisão sobre a qual você tem o dever de bem-dizer. Ali onde você tinha benefícios secundários, terá agora um gozo permitido. Em outras palavras, o benefício secundário - que é da categoria do gozo clandestino - se transforma num bem dizer - gozo permitido.
Retomemos o nosso percurso: estando satisfeitos o que levaria sujeitos neuróticos a procurar uma análise? Podemos dizer que é na tentativa de se satisfazerem que o desprazer advém e que por isso, eles se dão muito mal. “Até um certo ponto, é esse muito mal a única justificativa de nossa in­tervenção”, como analistas. 
Quanto ao alvo, alcançar a satisfação, não podemos dizer que ele não seja alcançado, mesmo produzindo um desprazer. “O que temos diante nós em aná­lise, é um sistema onde tudo se arranja, e que atinge seu próprio tipo de satisfação.” E, exatamente por sabermos que é possível utilizar-se de outras vias, é que nos autorizamos a ofertar nosso trabalho. E estas outras vias só são possíveis, no que se refere ao nível da pulsão, quando o estado de satisfação pode, aí, ser retificado.
Quanto ao objeto, para podermos tratar dele será necessário lembrar aqui a categoria do impossível. Este impossível é o real, que aparece em Freud como o “obstáculo ao princípio de prazer. O real é o choque, é o fato de que isso não se arranja logo, como quer a mão que se estende em direção aos objetos exteriores. O real, continua Lacan , se distingue pela sua separação do campo do princípio do prazer, por sua desexualiazação, pelo fato de que sua economia admite qualquer coisa de novo, que é justamente o impossível.” Ora, o princípio do prazer pode ser caracterizado exatamente pelo fato de que o impossível, aí estando presente, não é jamais reconhecido como tal. A satisfação pela via da alucinação é uma ilustração de como o princípio do prazer não reconhece o impossí­vel. Esta possibilidade de tratar o impossível é que nos leva a concluir que não é pela apreensão do seu objeto que a pulsão se satisfaz. A distinção entre “Not” e “Bedürfnis”, ou seja, entre necessidade e exigência pulsional aponta para o fato de que nenhum objeto da necessidade pode satisfa­zer a pulsão. A pulsão se satisfaz de seu percurso, de tal maneira que, no que diz respeito à pulsão oral, não é bem da nutrição que ela vai se satisfazer, mas sim ao “escolher o cardápio”. É como ela  recorta o campo do Outro e traz de volta significantes: “isso que vai à boca retorna à boca”. “É isso que nos diz Freud, nos lembra Lacan: O objeto na pulsão, sabemos que não tem, falando propriamente, nenhuma impor­tância. Ele é totalmente indiferente”.
O objeto da pulsão oral, por exemplo, nunca é lembrado como sendo o ali­mento, mas sim o seio. Seio este que, no que diz respeito à sua função na satisfação da pul­são seria formulada desta forma: ele aí se coloca para que “a pulsão aí faça a volta” (Lacan nos chama a atenção para a ambigüidade que tem este “faire le tour” na língua francesa: dar a volta ou escamo­tear).
Uma palavra mais sobre o objeto da pulsão: é dito que eles são objetos par­ciais, mas não porque “eles sejam parte de um objeto total que será o corpo, mas, sim, em função de que eles só representam parcialmente a função que os produz”.
Vejamos agora o que podemos dizer sobre a fonte. A delimitação mesma da “zona erógena”, que a pulsão isola do metabolismo da função, ou seja a diferencia do estômago, esôfago, etc, é feita de um corte que a entrada do significante promove no corpo e vai encontrar subsídio na sua própria estrutura anatômica de ser uma margem ou uma borda. É a brecha do inconsciente que se apresenta no corpo, para dar-lhe testemunho e manter o nível mínimo de tensão, manter uma força constante (Konstante Kraft). 
Para concluir vamos dizer que a partir do que vimos com este desmonte é que a pulsão só se sustenta enquanto uma mon­tagem, uma montagem que se apresenta como não tendo nem pé nem cabeça, bem ao estilo surrealista, nos lembra Lacan. Mas, na verdade esta montagem - longe de ser uma monta­gem imaginária  como podem sugerir as imagens do circuito pulsional que Lacan utiliza - é uma montagem gramatical, onde as inversões tais como exibicionismo - voyeurismo, ou masoquismo - sadismo, são inversões gramaticais, “inversões do sujeito e do objeto, como se o objeto e o sujeito gramaticais fossem funções reais”.

A ética da Psicanálise, portanto, se refere a uma identificação, no cerne da relação ética ao desejo com o limite mesmo que a verdade impõe à toda tentativa de se totalizar o campo de determinação da estrutura. A conexão ética do bem dizer ao que não pode ser totalmente dito, passa portanto, necessariamente, pelo trabalho da pulsão que, sendo parcial sustenta o saber inconsciente através da articulação dos significantes em uma gramática capaz de nos dizer do lugar do sujeito diante do Outro, na medida mesmo em que este lugar está, fundamentalmente, determinado pela relação que este sujeito estabelece com o objeto ao qual se liga, na tentativa de não desaparecer nos intervalos da cadeia significante. É por isso que podemos dizer que a ética que nos concerne pode ser localizada nesta brecha, matemizada como S(A/), onde a falta de garantias se abre à dimensão da responsabilidade. “Não há clínica sem ética”, nos diz JAMiller. Não há clínica Psicanalítica se não levarmos em conta que o desejo que move a ética da psicanálise é co-extensivo dessa falha que define o inconsciente como falta-a-ser. É nesse topos que vamos ver operar o desejo inédito que surge no momento em que um analisante se torna analista. 
Assim como “A Mulher”, o analista que advém desta operação vai ocupar um lugar onde a estrutura não dá conta de conter: a extimidade do objeto “a” que vai, ali,  apresentar-se, na medida que o analista se coloca numa posição tal que possa fazer reinar este objeto como causa de desejo. 

sábado, 18 de março de 2017

Sobre o final de análise

(Para comemorar os 50 anos da Proposição de 9 de outubro de 1967 de Jacques Lacan)

Toda a Proposição de 09 de outubro de 1967 podemos dizer, gira em torno de um “Tornar-se responsável do progresso da Escola, tornar-se psicanalista de sua experiência mesma(1), que continua vivo instituindo o novo no funcionamento(2).
O dispositivo do Passe construído - prudentemente, como nos diz o próprio Lacan - com a “intenção de isolar o que existe do discurso analítico”(3), segue levando à frente o seu objetivo de poder emprestar alguma luz ao princípio que está inscrito nos textos originais da Escola: “o analista só se autoriza de si mesmo”(4). Em outras palavras, é o dispositivo do Passe que “permite a quem pensa poder ser analista, comunicar o que o fez decidir-se e engajar-se num discurso do qual não é, certamente, fácil, ser o suporte”(5).
Mas de que experiência se trata? J. A. Miller nos diz que não é uma experimentação qualquer. “É a experiência entendida como subjetiva”(6), onde o “sujeito se dispõe a experimentar uma, talvez várias transformações, ou ao menos (...) certos estados inéditos para ele”(7). É uma experiência, podemos dizer, que implica num consentimento. Um consentimento com a experiência do inconsciente(8). Uma experiência que só se faz conhecer no “só depois” da significação, ponto onde se pode enlaçar, “no horizonte mesmo da psicanálise em extensão, o círculo interior que traçamos como hiância da psicanálise em intensão”.(9)

Proponho começarmos pelo “envelope formal do sintoma, que é o verdadeiro traço clínico...”(10) para examinarmos a incidência de uma interpretação que possibilitou a entrada em análise e, em seguida, trabalharmos a estrutura do sintoma enquanto “geometria do real”(11) para, assim, esclarecermos a interpretação que propiciou a criação de um ponto de báscula no quadro de uma cena onde a travessia do fantasma aconteceu.
O conceito, “envelope formal”, vamos encontrá-lo quando Lacan menciona a genialidade clínica de Clérambault, numa época em que desenvolvia sua teorização a partir da barra que mantinha separado significante e significado. Esta proposta girava em torno da possibilidade do simbólico recobrir todo o campo do imaginário. Nesta perspectiva, o sintoma seria o que vem atrapalhar a bela ordem articulando-se ao que “representa o retorno da verdade como tal na falha do saber”(12).
Minha proposta é instalar o “envelope formal do sintoma”, no andar inferior do Grafo do Desejo. Assim, a “verdade como falha do saber”, vai mobilizar o sujeito na busca de um “suposto saber” que possa restabelecer a estabilidade perdida instalando, na transferência, o sintoma analítico. Este momento de alienação ao Outro vai requerer uma intervenção do analista para que uma entrada em análise possa acontecer.
Se for bem sucedida, esta intervenção vai propiciar ao sujeito um encontro com as demandas do Outro que designam o ponto de fixação do circuito pulsional.
No segundo andar do Grafo, proponho trabalhar o sintoma como “geometria do real”(13). Ora, é o simbolicamente imaginário que vai constituir a verdadeira geometria e não o que surge dos espíritos puros. A geometria do real, nos diz Lacan, é a que tem um corpo, é a que nos referimos quando falamos de estrutura [S(A/)].
Nesta “geometria do real”, o sintoma é o que faz laço com o inconsciente, colocando-se como o quarto elo do nó para, assim, manter ligados o Imaginário, enquanto corpo, ao Simbólico da fala, enquanto o que produz efeitos sobre este mesmo corpo. O Real é o furo que o simbólico promove e contorna.
Esta última formalização, Lacan só pôde construí-la ao deslocar a ênfase que estava colocada sobre a barra do algoritmo S/s o que implicava uma esperança do simbólico recobrir todo o imaginário, para a relação do Simbólico com o Real onde o que está em jogo é um corte que deixa um resto.
Proponho-lhes localizar o final de análise neste ponto onde, depois de um percurso em que uma cena da fantasia fundamental pode ser construída vai acontecer uma interpretação que poderá desmontar o enlaçamento do sofrimento que trouxe o sujeito à análise, ou seja: a fantasia e o sintoma, deixando o sujeito frente a frente com o seu desejo.


Notas:
(1)Lacan, J., “Proposition  du 9 october 1967...”, in Scilicet nº 1, Ed. du Seuil, Paris, 1968, pag. 14.
  NOTA: Esta frase foi motivo de amplo debate entre Guy Clastres e J.A. Miller, publicado em Revue d’École de la Cause Freudienne, nº 18, pag. 209.
(2) Ibidem.
(3)Lacan, J., “Sur l’experience de la passe”, in ORNICAR? 12/13, Ed. du Seuil, Paris, pag. 117.
(4)Lacan, J., “Proposition...” op. cit. pag. 14.
(5)Lacan, J., “Sur l’experience de la passe”. Op. cit. pag. 118.
(6)Miller, J.A., ”Donc, je suis ça”, in Revue de Psychanalyse nº 27, pag. 10.
(7) Ibidem.
(8)Lima, C.R., “A segunda entrada em análise...”, in Opção Lacaniana nº 15, pags. 66-68
(9) Ibidem.
(10)Lacan, J., “De nos antécédents”, in Écrits, Seuil, Paris, 1966,pag. 66.
(11)Lacan, J., “Conferences et Entretiens”, in Scilicet 6-7, Seuil, Paris, 1976, pag. 40.
(12)Idem, - “Du sujet enfim en questions”, in Écrits, Op. cit. pag. 234.
(13)“Symboliquement imaginaire - c’est la geometrie ... la geometrie véritable n’est pas celle que l’on croit, celle que relève des purs esprits, mais celle qu’a un corps. C’est ce que nous voulons dire quand nour parlons de structure.”
- Imaginairement Symbolique - ça s’appelle la vérité.
- Symboliquement rèel - c’est l’angoisse (ce qui du rèel se connote à l’interieur du symbolique)
- Rèellement symbolique - c’est le symbolique inclus dans le réel - le mensonge.
 Lacan, J., “Vers un signifiant noveau”, in ORNICAR? nº17/18, pag. 9.

sábado, 4 de fevereiro de 2017

Sobre a Intolerância

“A intolerância sempre existiu, mas aumentou muito. Estamos vivendo reedição às avessas das famosas Cruzadas. Os cristãos saíram da Europa para atacar os muçulmanos e, hoje, o movimento é contrário. Acredito que as razões mudaram, apesar de os efeitos serem semelhantes. Estamos sofrendo mudança na nossa cultura, desde meados do século passado de forma acelerada. Há coisas boas e outras não. A ciência se desenvolveu de forma radical e trouxe consequências. Temos acesso às informações de forma instantânea. Um dos grandes progressos foi a pílula anticoncepcional, que trouxe como consequência a liberação da mulher do vínculo do casamento. Ela não precisaria ter um homem que a sustentasse e escolheria quando, onde e com quem engravidar. Logo em seguida, a ciência ofereceu à mulher a possibilidade de dispensar o parceiro para engravidar. Isso desfez, de alguma maneira, algo que existia desde a Renascença, até meados do século passado, que era a unidade do casamento porque era nessa célula que reinava o que a psicanálise chama de em nome do pai: a lei. A pessoa nascia em um ambiente em que as coisas estavam determinadas: homem se casa com mulher, cresce, trabalha, produz dinheiro. Na medida que a mulher foi se deslocando, criou-se uma possibilidade de novas investidas da própria ciência. Zygmunt Bauman, sociólogo polonês morto recentemente, coloca no livro A modernidade líquida, de maneira bem clara, como nossos limites foram se dissolvendo e dá exemplo da mudança da sociedade hardware para software, em que as empresas estão cada vez mais líquidas. Antes, éramos um grupo, hoje, estamos no reinado do 1 e esse 1, para se proteger, está cada vez mais avesso às diferenças. Não as suportando mais, ele tenta agredi-la ou se agrega aos que têm aversão a determinado estímulo. A liberdade de escolha para os homossexuais é agressão para os homofóbicos. Essa liquefação diz que está cada vez mais exigindo de cada um a responsabilização de seus atos. Há insuportabilidade da diferença em função de toda essa evolução que vem, o que chamamos de declínio da função paterna, em que a lei perde os seus limites. Quanto menos você sabe dos seus limites, mais frágil se coloca para suportar a diferença e, paradoxalmente, a falta de limites é que propicia mais liberdade. Hoje, não se tem mais respeito ao outro, e isso é consequência séria da falta de limites, por causa da sociedade software. Se não está bom, não tolero essa frustração, eu mudo. As diferenças estão insuportáveis. Não suportamos no outro o que não conseguimos consentir na gente.”

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Demanda de Análise e Pulsão

            Faço a opção de começar pela clínica e, desta forma, do particular para uma formalização passível de transmissão.
Maria começa sua primeira entrevista dizendo: “Sabe, estou lhe procurando porque não suporto mais a minha angústia”.
A angústia, nos ensina Freud, é um sinal. Um sinal de que algo não está funcionando bem. É um sinal de que as garantias que sustentavam o sujeito no mundo perderam esta capacidade.
Ao ser questionada sobre possíveis acontecimentos que poderiam estar relacionados com o surgimento desta angústia, Maria respondeu: “Está tudo absolutamente normal como sempre foi... com exceção de que vou me casar em breve. Mas, quanto a isto já está tudo resolvido. Nem quero tocar neste assunto. Aí não tem problema algum. Mas a minha angústia... está insuportável. Até aqui eu não contei para ninguém. Eu sempre aguentei tudo sozinha. Só agora é que comentei com uma amiga e ela me passou o seu nome...”
Michel Silvestre, em seu texto “Amanhã, A Psicanálise”, nos lembra que há uma diferença entre a queixa e o sofrimento. Maria, por exemplo, sofria mentalmente sem, no entanto, fazer qualquer queixa até que o casamento próximo trouxe consigo a questão do sexual e com ela um ponto de incerteza aí onde ela acreditava saber tudo.
O sintoma, sendo a primeira mensagem cifrada, pleno de sentido, traz em si o ciframento do gozo, que se apresenta como um ponto sem sentido.
Enquanto ciframento, o sintoma implica um endereçamento onde ele se decifra. Assim, de acordo com M. Silvestre, o que temos é: “de um lado, um sofrimento que o sujeito pode suportar com heroísmo estóico e sem dizer palavra. De outro, os portadores de sintomas que banham seu ambiente com eles, sem sofrerem eles mesmos absolutamente nada. Na medida em que os dois se conectam na mesma pessoa, isto pode produzir uma demanda de análise”.
Pode produzir, não quer dizer que produza, pois neste ponto em que o sintoma de Maria claudicou e um-a-mais de sofrimento foi acrescentado ela formulou uma queixa endereçada a alguém que ela supõe saber como restituir-lhe a satisfação perdida. Sim, porque havia uma satisfação no seu sofrimento. “Eu venho aqui, me disse Maria, para que você me ensine como é que vou fazer com a minha angústia”.
Lacan, em seu Seminário XI, nos diz que a única coisa que justifica a nossa intervenção como analista é este “mal-a-mais” que acontece quando o sintoma claudica e, se há uma retificação a ser feita na relação do sujeito com a satisfação, esta deverá ser a nível da pulsão.
No caso de Maria, que é uma profissional séria, que sempre foi a 1º aluna em todos os cursos que fez e que sempre resolveu todas as suas angústias através do saber que encontrava nos mestres e nos livros, o casamento próximo faz desvelar algo, que é ao mesmo tempo novo, estranho, mas também muito familiar.
A este ponto estranho-familiar que vem dizer da inconsistência do Outro que até então era tudo-saber, Lacan vai chamar de “objeto a”. É exatamente o aparecimento na cena, deste objeto que se apresenta aí onde o significante falta S(A/), que vemos surgir a angústia como sinal.
A angústia, portanto, não é um sintoma. Um sintoma é o que se produz, como significação do Outro, na tentativa de prover este objeto “a” de um envelope formal.
E Maria tenta “saber”, como forma de vestir este vazio com os significantes que o Outro possa produzir em reposta às suas queixas.
Mas o “saber” de Maria falhou. O sintoma constituído que lhe sustentava o mundo claudicou e, por isso, acrescentou-se um sofrimento a mais que propiciou a formulação de uma demanda: “eu não dou mais conta e procuro você porque acredito que você sabe...”
Maria tenta, neste momento, refazer a fratura que sofreu o envelope formal de seu sintoma, instalando no lugar um sujeito que ela supõe saber. É a tentativa de refazer, pela via do amor, as identificações que até então mantiveram ao abrigo este último reduto significante do sujeito, a pulsão, antes que ele caia no sem respostas, este lugar que foi matemizado por Lacan com o S (A/). Ao restabelecer, no amor de transferência, esta fratura instalando aí o analista como sintoma, o sujeito restabelece a crença de que o desejo do Outro é equivalente a sua Demanda. Talvez por isso é que Lacan afirma no texto  “A Subversão do Sujeito…” que o neurótico confunde o objeto de desejo do Outro com a demanda, fazendo um curto-circuito da fantasia à Pulsão.
Este é o momento em que uma escolha se impõe àquele a quem é dirigida esta demanda. A escolha é forçada, sem dúvidas, mas a possibilidade está colocada, e se apresenta em função da radicalidade da distinção entre a queixa e o sofrimento: “tratar a queixa, ou colocar em causa o sofrimento”.
Caso se faça a opção por tratar a queixa, oferecendo respostas ou até mesmo modelos de conduta, a suposição de saber estará sendo investida e, assim, cada traço oferecido servirá apensas para recobrir a causa, na esperança da constituição de um eu fortalecido que venha “dar conta” do sofrimento.
O recurso da topologia do Grafo do Desejo e das superfícies vai nos auxiliar nesta discussão:
Posso representar a situação descrita acima, no Grafo do Desejo, pelo andar inferior








Onde a busca da significação de um Outro para restabelecer a satisfação perdida produzirá imagens que, sendo propícias à identificação, vai fortalecer um “eu” (moi) que vai poder suportar as significações já pré-estabelecidas.




A Banda Circular, com suas 2 bordas, superposta ao circuito descrito no Grafo do Deseno, vai nos dizer da presença de dois sujeitos em cena. Dois sujeitos barrados e desejantes de sentido, na esperança de que possa ser excluída a questão que traz o “sem sentido” que habita o seio de toda significação. Ao mesmo tempo, aponta para a impossibilidade de se intervir pois, o que vemos são dois caminhos que são percorridos sem que haja qualquer mudança de posição, ou seja, a cada volta retorna-se ao mesmo lugar.
A outra possibilidade, a única para que uma análise possa acontecer, é a de se sustentar este lugar de endereçamento da demanda como vazio. Esta é a decisão que implica numa certa “renúncia de gozo”. Isto só se dá no momento que fazemos operar  o Desejo do Analista. Este desejo pode ser definido assim: dizer não à demanda para que se possa saber um pouco mais do desejo em questão, lembrando que o sujeito em questão numa análise é o analisante. Em outras palavras, para que se possa saber um pouco mais do que são as primeiras relações do sujeito com seus objetos.
É verdade que para operacionalizar este desejo é fundamental que o analista tenha caminhado, em sua análise pessoal até o ponto em que encontra a falta do significante no Outro. Até que se possa saber de uma certa opacidade subjetiva que permanece incrustada no Outro como restos da passagem da necessidade pelos desfiladeiros do significante. Saber  este único a operar como verdade.
Utilizando então a topologia do Grafo do Desejo, localizo esta passagem como sendo a do andar inferior para o andar superior:

 






A demanda endereçada ao lugar Outro se depara com este ponto de opacidade subjetiva que vai dizer da “presença primitiva do desejo do Outro como opaca, como obscura”. Isto deixa o sujeito sem recursos, desamparado (Hiflos). “Se está aí o fundamento disto que em análise foi explorado, experimentado, situado como a experiência traumática, é também onde se situa o horizonte do ser para o sujeito. É neste intervalo, nesta brecha de entre dois significantes que se coloca a experiência do desejo...”! (Lacan, S. VI)
A entrada em jogo do desejo do analista, fazendo passar do andar inferior para o andar superior, modifica totalmente a estrutura que, no andar inferior está representada pela Banda Circular. No entanto, neste ponto de opacidade subjetiva no Outro, uma meia torção vai ocorrer, transformando a Banda Circular em uma Banda de Moebius, confirmando, com sua borda única e seu lado único, que na análise só há um sujeito em questão: o analisante.





Esta é a retificação que coloca a questão da existência do sujeito a partir do esvaziamento dos significantes da demanda do Outro. Em outras palavras, é quando o envelope formal do sintoma não mais faz frente ao desamparo (Hiflosigkeit) que o sujeito encontra a dor de existir.
Para que esta experiência possa ser levada a cabo é fundamental um silêncio. Um silêncio que é muito mais que um simples calar-se. É o silêncio da falta de palavras que coloca o sujeito num lugar de onde ele não tem outra saída senão entrar e construir algo.
Verificamos no matema da transferência:

                           S ——————————>    Sq
                           _____________________
                           S ( S1 S2 S3 .................Sn )


 que quando um sujeito busca um significante que poderia representá-lo ele, na verdade, vai se deparar com uma falta o que o leva a buscar um objeto que acredita apaziguar seu desejo. Ele vai, então, tentar se articular com esse objeto de alguma maneira. E ele o faz a partir dos restos perceptivos que o constituíram num primeiro momento. São as percepções de sua primeira experiência de satisfação e que nunca sofreram tradução de traços de percepção para traços de memória. Alguns destes traços ficam como restos e são estes restos que colocam para o sujeito a pergunta: Que queres? É a partir destes restos que o sujeito vai construir sua fantasia fundamental.
Lacan, em seu Seminário XI, nos diz: “Não nos interessa explicar porque sua filha é muda, do que se trata é fazê-la falar !” Ora, a fantasia é muda. Construída a partir de dois elementos estranhos entre si:  $ (Simbólico) e “a” (Real), e se manifesta no Imaginário, pois esta fantasia nada mais é do que a colocação em cena dos significantes do sujeito.
É, pois, fundamental, que se faça falar o sintoma.
Para isto é preciso que o analista se cale como fez Freud diante de suas histéricas. Pois ao “calar-se” coloca aí uma pergunta a mais e cria a possibilidade para que, ao fim do tratamento, a experiência da fantasia fundamental se torne a Pulsão.

BIBLIOGRAFIA:


  • Lacan, J. – Écrits. Édition du Seuiol, Paris, 1996;
  • Lacan, J. – L’Etourdit in Scilicet nº 4, Éditions du Seuil, Paris, 1973;
  • Lacan, J. – Le Séminaire VI – Le désir et son Interpretation. Inédito,
  • Lacan, J. – Lê Séminaire XI – Les Quatre Concepts Fondamentaux de lª Psychanalyse. Éditions du Seuil, Paris, 1973;
  • Leguil, F. – A Entrada em Análise e sua Articulação com a Saída. Fórum Iniciativa Escola, Bahia, 1993;
  • Silvestre, M. – Demain, La Psychanalyse. Narvarin Éditeur, Paris, 1987.