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segunda-feira, 13 de outubro de 2014

O Objeto de Freud a Lacan ( 3ª Parte)

No seminário II, Lacan vai relacionar o final de análise com o reconhecimento, pois se baseia no esquema L. Mas já se vê delinear-se a importância da teoria do objeto para Lacan, quando ele tenta formalizar este final de análise. 
O termo reconhecimento, por outro lado, se contrapõe ao termo desconhecimento, que nos diz do que é próprio e fundamental do Eu imaginário. 
Desde cedo, Lacan vai rechaçar qualquer formulação em direção a uma teoria do conhecimento e coloca a experiência analítica como marcada pela díade desconhecimento-reconhecimento. Isto vai se estruturar, exatamente, pela presença do inconsciente que, como o próprio Lacan vai dizer mais tarde, é um “saber sem sujeito”.
Agora, cumpre ressaltar que este predomínio do reconhecimento como objeto simbólico coincide com o predomínio do significante do Ideal, que aponta para um Outro sem barra (A) e que vai ser escrito I(A) no grafo do desejo. Se este I(A) se confunde com o i(a) vai acontecer uma presença acachapante e fazer desaparecer o sujeito enquanto tal. Daí ser importante resgatar a função de causa que o semblante de ‘a’ faz ressurgir no giro de volta que instala o discurso do analista.
No seminário II Lacan vai demarcar o inominável como objeto de angústia ao trabalhar o sonho de Irma. Este Real, sem possibilidade de mediação, prepara o lugar do objeto ‘a’ como real, causa de desejo. No entanto, se neste período de seus trabalhos, Lacan apresentava a noção de causa como aquilo que tem como função mediar o Simbólico e o Real, esta noção de Real sem mediação que surge neste comentário, vai aí se opor.
Já, no final do Seminário II, Lacan vai relacionar o inominável com o incomensurável e articulá-lo com a função de causa em sua articulação com o desejo.
“A falta de mediação deste real se deve a que este escapa ao reconhecimento, que é impossível de ser reabsorvido por ele.” Ponto de separação que o desejo introduz no sujeito na medida em que a perda de seu objeto o torna inacessível. O objeto perdido cria, pois, uma dimensão que não se esgota nem no reconhecimento como objeto simbólico, nem o objeto imaginário inclui essa dimensão precocemente definida por Lacan como Real. Esta dimensão permanecerá em suspenso até os desenvolvimentos dos Seminários IX e X.
Vamos concluir este texto introduzindo uma pequena discussão sobre três conceitos que Lacan celebrizou: Necessidade, Demanda e Desejo.
Estas três formulações estão estruturalmente entrelaçadas aos efeitos da presença do significante.
Estes efeitos surgem, em primeiro lugar, em função dos desvios que sofrem as necessidades como consequência do fato de que o homem fala, “no sentido em que suas necessidades estão sujeitas à demanda, retornando a ele alienadas”.
É isto que ocorre como consequência “de sua confrontação como o significante enquanto tal e do fato de que sua mensagem é emitida desde o lugar do Outro. O que se encontra assim alienado nas necessidades, constitui uma ‘Urverdrängung’ por não poder, por hipótese, articular-se à demanda”  .
Esta Urverdrängung que é a anulação da particularidade da necessidade e que produz este ponto de “opacidade subjetiva” no Outro, é o lugar de onde emerge o objeto perdido do desejo em suas duas formas como significação: 

Objeto metonímico (no 2º andar do Grafo do Desejo)
Objeto metafórico (no 1º andar do Grafo do Desejo)

Se existe recalque o que devemos procurar não é o retorno do objeto, mas sim, da exigência da necessidade. Este retorno toma, por sua vez, duas formas: num primeiro termo, retorna como o caráter incondicional da demanda de amor, e em segundo, por ação dessa “potência de pura perda”, como uma inversão do incondicionado, em condição absoluta do desejo. Por isso podemos dizer, com Lacan, que “o desejo se esboça na margem onde a demanda se desgarra da necessidade” .
No entanto, uma mudança que vai ocorrer em Lacan em relação a estes três termos: esta tríade (demanda, desejo e necessidade) vai ser substituída por outra: demanda, desejo e gozo.
O que se vê é Lacan introduzir no lugar da necessidade biológica, neste lugar mítico de origem, lugar da essência perdida e do Real como exterior à experiência analítica, o lugar do gozo, este Real interno à experiência analítica, produto, ele mesmo, da ordem significante.
A demanda, por sua vez, é uma das grandes inovações da teoria lacaniana. Termo ausente em Freud, Lacan vai apoiar-se em indícios que encontrou no “Projeto...” e na reformulação das teorias da Relação de Objeto.
No início, Lacan deixa claro que a pulsão está presente na demanda, na medida em que logo após a sua aparição no Seminário IV vai instalar-se no Grafo do Desejo sob a forma do matema da pulsão ($<>D).
Esta fórmula pulsional leva em conta a determinação significante (significante da demanda) sobre a estrutura mesma da pulsão. 
Desta forma poderemos escrever a pulsão como uma substituição, uma nova forma de exigência, uma necessidade lógica.
Esta necessidade lógica é consequência da Urverdrängung, na cadeia significante que aponta, como sua condição, o fato de que “pela passagem mesma da necessidade pela cadeia significante, a necessidade apresenta já uma carência de satisfação universal”. 
Na demanda de amor a satisfação se transforma em mera prova, signo de presença. 
Na condição absoluta do desejo, no entanto, o Outro da demanda desaparece e o sim ou não já não interessam.
Neste ponto entra em cena o conceito de separação que tem como instrumento o objeto transicional - aqui se prepara o lugar do objeto como Real, lugar onde reside também o poder da condição do desejo, pois a Urverdrängung da necessidade pela demanda é uma operação alienante a partir mesmo de sua perda intrínseca.

O texto “A subversão do sujeito...” é um divisor de águas no que diz respeito à questão do objeto em Lacan. Aqui começa a se esboçar o objeto como Real e, ao final, a teoria do gozo já se faz presente.
É também neste texto que começa a ficar claro este segundo momento que se segue à alienação significante na demanda e que se articula com a separação - operação que, como já comentei, se faz utilizando como instrumento o objeto: “este que não é mais que emblema, nos diz Lacan, o representante da representação em sua condição absoluta e que está em seu lugar no inconsciente onde causa o desejo segundo a estrutura da fantasia” .
Para concluir, temos  este que não é mais que emblema, pois é assim que Lacan qualifica o objeto transicional. Isto quer dizer: o objeto, em seu caráter significante, oscila com a definição do mesmo como imaginário, porém ainda não definido como real. Este emblema remete ao Ideal do Eu, ao circuito da onipotência materna da demanda de amor - ainda não como causa, nem como real, mas sim como instrumento.

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

O OBJETO DE FREUD À LACAN (2ª Parte)

Em Lacan vamos ver, num primeiro momento, o predomínio do tema do imaginário quanto ao conceito de objeto, mas já estas primeiras referências estão entremeadas de indicações a uma outra dimensão, esta inseparável do objeto perdido do desejo freudiano. Estou me referindo à articulação entre o objeto e a ordem simbólica: a/-phi.
Lacan nunca se cansou de insistir na diferença entre este objeto e, de um lado o objeto do conhecimento e, de outro, o objeto do instinto - ambos formulados como harmônicos e que complementariam o sujeito.
Desta forma, já no texto “A carta roubada”, ficavam claras as características de não complementaridade sujeito-objeto, sua falta de harmonia fundamental e o caráter estrutural de sua perda condicionada pela captura na linguagem: “É no ponto zero do desejo, onde o objeto humano cai sob o efeito da captura que, anulando sua propriedade natural, o submete, desde este momento, às condições do símbolo” . 
                       s(A) -------> (A)
O Ponto zero, o nascimento do desejo é co-extensivo à perda da naturalidade instintiva do objeto, o que transmuta suas qualidades: Ele perde seu ser de objeto. “Esta perda é pois a condição que o objeto deve cumprir para tornar-se objeto de desejo” .
Esta é a característica da articulação primeira entre o objeto e o símbolo, em Lacan.
Neste ponto, Lacan faz um avanço em relação a Freud, apesar de se poder detectar na obra de Freud indicações da falta de fixidez como traço diferencial do objeto da pulsão em relação ao objeto instintivo.
Desde “Função e Campo ...” são claras as referências hegelianas de Lacan que, ao definir o desejo como desejo do Outro diferencia o objeto imaginário do estádio do espelho e o objeto de desejo próprio do desejo humano: este desejo do Outro deverá ser interpretado em função de que o objetIvo primeiro do ser humano é ser reconhecido pelo outro. “Este reconhecimento é um objeto simbólico por excelência, um nada” .
Cumpre ressaltar aqui que o conceito de símbolo, para Lacan, toma sua referência no pacto pacificador do imaginário da luta especular Senhor-escravo, e não nas teorias da aprendizagem. Do símbolo à linguagem há um passo importante: o símbolo se torna “uma presença feita ausência ... marca de um nada ... o conceito, salvando a duração do que passa, engendra a coisa”. 
Desde então, toma corpo um conceito que permaneceu presente, de várias maneiras, em toda a obra lacaniana: o conceito de separação. Nesta época, ele tem como efeito a perda, a falta-a-ser como tal.
É a transformação em um “sentido-essência” que se constitui como sendo “esta coisa mesma, menos sua existência” que se produz pela subtração do ser ao Ser, e que é o tempo mesmo.
A questão do tempo e a questão da historicidade do sujeito merecem uma nova leitura em psicanálise. Ela se coloca como inseparável da teoria da pulsão de morte e do conceito de repetição, este apontando para a experiência da transferência no que diz respeito à sua temporalidade histórica e, aquela, exprimindo o limite da função histórica do sujeito. 
É para tratar deste tema que Lacan introduz, em seu seminário, o exemplo do fort-da, para nos dizer:
1 - da solidariedade entre a humanização do desejo e o par presença-ausência
2 - da transformação do desejo em desejo do Outro.

Aqui, Lacan inaugura um novo matiz, permanecendo com Freud na sua conceituação de objeto perdido “cuja mira é a intrínseca relação entre a perda de naturalidade, o hic et nunc, e a instalação de uma falha, e uma perda de ser, determinada pelo poder de separação que introduz uma brecha própria à operação mesma do discurso ...”. É a ação de “destruição do objeto que, ao negá-lo entanto que ser dado, o cria”.
Assim, o passo da coisa ao objeto é, como disse Lacan parafraseando Heidegger: “o assassinato da coisa” e é inseparável da possibilidade de se tornar eterno, do desejo inconsciente em Freud.
Esta brecha provocada pela morte da coisa abre espaço para que, na dialética que se estabelece, o sujeito mesmo deixe de ser, para tornar-se, através do reconhecimento do Outro. O reconhecimento, como objeto único, vai substituir a pluralidade dos objetos imaginários do transitivismo especular e se instalar no eixo S-A, enquanto os outros ficam no eixo a-a’ do esquema L.
Ser reconhecido para a ser a satisfação própria do desejo inconsciente que insiste na cadeia significante e, por isso, o objeto do desejo, Strictus Sensus, é o reconhecimento. 

Objeto do reconhecimento - simbólico.  =  Objeto imaginário - libidinal

A sexualidade somente opera aqui, incidentalmente no simbólico, necessitando, para tanto, a mediação do reconhecimento: reconhecimento que implica, de um lado uma identificação mútua - reconhecer-se após uma longa separação, a exemplo do reencontro com o objeto freudiano -, por outro, é aceitar alguém. Esta última afirmação é mais hegeliana e parte do princípio que o sujeito recebe sua própria mensagem do Outro, invertida.