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segunda-feira, 6 de outubro de 2014

O OBJETO DE FREUD À LACAN (2ª Parte)

Em Lacan vamos ver, num primeiro momento, o predomínio do tema do imaginário quanto ao conceito de objeto, mas já estas primeiras referências estão entremeadas de indicações a uma outra dimensão, esta inseparável do objeto perdido do desejo freudiano. Estou me referindo à articulação entre o objeto e a ordem simbólica: a/-phi.
Lacan nunca se cansou de insistir na diferença entre este objeto e, de um lado o objeto do conhecimento e, de outro, o objeto do instinto - ambos formulados como harmônicos e que complementariam o sujeito.
Desta forma, já no texto “A carta roubada”, ficavam claras as características de não complementaridade sujeito-objeto, sua falta de harmonia fundamental e o caráter estrutural de sua perda condicionada pela captura na linguagem: “É no ponto zero do desejo, onde o objeto humano cai sob o efeito da captura que, anulando sua propriedade natural, o submete, desde este momento, às condições do símbolo” . 
                       s(A) -------> (A)
O Ponto zero, o nascimento do desejo é co-extensivo à perda da naturalidade instintiva do objeto, o que transmuta suas qualidades: Ele perde seu ser de objeto. “Esta perda é pois a condição que o objeto deve cumprir para tornar-se objeto de desejo” .
Esta é a característica da articulação primeira entre o objeto e o símbolo, em Lacan.
Neste ponto, Lacan faz um avanço em relação a Freud, apesar de se poder detectar na obra de Freud indicações da falta de fixidez como traço diferencial do objeto da pulsão em relação ao objeto instintivo.
Desde “Função e Campo ...” são claras as referências hegelianas de Lacan que, ao definir o desejo como desejo do Outro diferencia o objeto imaginário do estádio do espelho e o objeto de desejo próprio do desejo humano: este desejo do Outro deverá ser interpretado em função de que o objetIvo primeiro do ser humano é ser reconhecido pelo outro. “Este reconhecimento é um objeto simbólico por excelência, um nada” .
Cumpre ressaltar aqui que o conceito de símbolo, para Lacan, toma sua referência no pacto pacificador do imaginário da luta especular Senhor-escravo, e não nas teorias da aprendizagem. Do símbolo à linguagem há um passo importante: o símbolo se torna “uma presença feita ausência ... marca de um nada ... o conceito, salvando a duração do que passa, engendra a coisa”. 
Desde então, toma corpo um conceito que permaneceu presente, de várias maneiras, em toda a obra lacaniana: o conceito de separação. Nesta época, ele tem como efeito a perda, a falta-a-ser como tal.
É a transformação em um “sentido-essência” que se constitui como sendo “esta coisa mesma, menos sua existência” que se produz pela subtração do ser ao Ser, e que é o tempo mesmo.
A questão do tempo e a questão da historicidade do sujeito merecem uma nova leitura em psicanálise. Ela se coloca como inseparável da teoria da pulsão de morte e do conceito de repetição, este apontando para a experiência da transferência no que diz respeito à sua temporalidade histórica e, aquela, exprimindo o limite da função histórica do sujeito. 
É para tratar deste tema que Lacan introduz, em seu seminário, o exemplo do fort-da, para nos dizer:
1 - da solidariedade entre a humanização do desejo e o par presença-ausência
2 - da transformação do desejo em desejo do Outro.

Aqui, Lacan inaugura um novo matiz, permanecendo com Freud na sua conceituação de objeto perdido “cuja mira é a intrínseca relação entre a perda de naturalidade, o hic et nunc, e a instalação de uma falha, e uma perda de ser, determinada pelo poder de separação que introduz uma brecha própria à operação mesma do discurso ...”. É a ação de “destruição do objeto que, ao negá-lo entanto que ser dado, o cria”.
Assim, o passo da coisa ao objeto é, como disse Lacan parafraseando Heidegger: “o assassinato da coisa” e é inseparável da possibilidade de se tornar eterno, do desejo inconsciente em Freud.
Esta brecha provocada pela morte da coisa abre espaço para que, na dialética que se estabelece, o sujeito mesmo deixe de ser, para tornar-se, através do reconhecimento do Outro. O reconhecimento, como objeto único, vai substituir a pluralidade dos objetos imaginários do transitivismo especular e se instalar no eixo S-A, enquanto os outros ficam no eixo a-a’ do esquema L.
Ser reconhecido para a ser a satisfação própria do desejo inconsciente que insiste na cadeia significante e, por isso, o objeto do desejo, Strictus Sensus, é o reconhecimento. 

Objeto do reconhecimento - simbólico.  =  Objeto imaginário - libidinal

A sexualidade somente opera aqui, incidentalmente no simbólico, necessitando, para tanto, a mediação do reconhecimento: reconhecimento que implica, de um lado uma identificação mútua - reconhecer-se após uma longa separação, a exemplo do reencontro com o objeto freudiano -, por outro, é aceitar alguém. Esta última afirmação é mais hegeliana e parte do princípio que o sujeito recebe sua própria mensagem do Outro, invertida.

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