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terça-feira, 7 de junho de 2016

O "Campo Lacaniano" (II)

Para levar adiante nossa elaboração e assim definir o Campo Lacaniano, retomo aqui a revisão que Lacan faz de sua teoria do falo e do objeto quando trabalha os conceitos fundamentais freudianos. Ele vai "se referir diretamente à experiência de gozo como sendo o verdadeiro enigma. No momento em que o sentido se ausenta do mundo, o sujeito é deixado vazio de significação, invadido por esta presença que é a experiência de gozo. Enigma fundamental  para o ser falante, ele nada tem a ver com a liberação das alegrias do sexo". Este deslocamento do sentido e sua fuga para a experiência do gozo, só foi possível à medida que Lacan foi, passo a passo, deixando de lado a formalização onde o Simbólico se apresenta recobrindo todo o Imaginário, a partir mesmo da barra do algoritmo S/s, para estabelecer que na relação do Simbólico com o Real o que está em jogo é um corte que deixa um resto.
Ora, esta solução encontrada por Lacan e que estrutura, basicamente, a relação do sujeito e do objeto vai nos dizer que o que existe fundamentalmente é uma falta, "que é efeito do significante e que à falta devido ao efeito mortificante do significante responde este elemento de vida, este elemento de gozo vivo que é o objeto pequeno a (...) que tem a necessidade, em Freud, do conceito de pulsão".
Esta articulação entre objeto 'a' e pulsão é fundamental para darmos mais um passo que vai desembocar no conceito de falo, uma vez que é exatamente do lado deste conceito que está o complemento de vida a que faz alusão J-A. Miller na citação acima. Conceito que, desde a antiguidade, até nossos dias, se apresenta como a grande imagem do fluxo vital. "Por isso Lacan pode dizer aqui, nos lembra Miller, que o vivo do ser do sujeito encontra seu significante no falo". O paradoxo do falo se constitui exatamente no fato de ele ser, por um lado o que está pressuposto significar a vida, mas, sendo um significante, haver nele algo da morte.
O falo é o significante que marca a conjunção do logos e do desejo, da morte e da vida,da refenda do sujeito a partir da diferença que resulta da subtração do "incondicionado da demanda" à "condição absoluta do desejo”. Este fato vai estabelecer um "campo feito para que aí se produza o enigma que a relação provoca no sujeito ao lhe “significar" de maneira dupla: retorno da demanda que ele suscita, em demanda sobre o sujeito do desejo....". 
No seminário "As Formações do Inconsciente" no capítulo intitulado “O desejo e o gozo”, nos deparamos com o que podemos chamar de vestimentas fálicas, as roupagens com que se apresentam os sujeitos diante do real do sexo. Sabemos que o que vai caracterizar a posição perversa como recusa da mediação simbólica, ou até mesmo diante da falha no simbólico [S(A/)], é uma extrema valorização da imagem: "trata-se de uma projeção disso que não se cumpriu na ordem simbólica, sobre o eixo imaginário". 
A questão do falo sempre foi, pôde-se dizer, enigmática. Lacan, em seu Seminário VI, p. ex. atribuía a função de enigma "ao desejo como um x que desliza metonimicamente", enquanto o falo, sendo o significante do desejo, é o que não pode ser atingido, porque "o falo ... é uma sombra (...) escorregando sempre entre os dedos".
Já no Seminário RSI Lacan retoma esta temática do falo para nos dizer, mais uma vez, do seu caráter essencialmente cômico. Após dizer que no horizonte de um menos e de um mais é onde se insere o gozo, ele assinala neste ponto ideal, que é o falo, a essência do cômico no ser falante: "desde que se fale algo que tenha uma relação ao falo, é o cômico - que nada tem a ver com o chiste. O falo é cômico como todos os cômicos - triste".  Esta citação de Lacan se articula, a meu ver, com o que ele mesmo disse 20 anos antes: "A comédia, podemos dize-la como sendo a representação do fim da refeição comunitária a partir da qual a tragédia mesma foi evocada".
O enigma não faz referência à condição do falo enquanto um significante puro e simples, mas sim à letra, suporte material do significante, suporte, portanto, da interpretação e do que mantém a borda do buraco do Simbólico. É este buraco que vai produzir a fuga do sentido ao furar o texto. Este furo, este buraco do Simbólico que Lacan adjetiva de inviolável  tem, entre suas várias virtudes, a de fazer enigma mantendo o interesse pela escritura e conferindo um poder à quem sabe decifra-lo. 

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