Vamos continuar pelas veredas dos discursos, tal como Lacan nos apresenta, seguindo os caminhos que nos levam mais além do Édipo.
No capítulo que nos servirá como referência aqui, o fio condutor está colocado já no início: “é por estar mascarada a verdade do discurso do mestre que a análise adquire sua importância”.
Lacan retoma aqui os discursos para discuti-los à luz da verdade. Ele começa pelo Discurso do Mestre para dizer que o lugar de ordem, o lugar de agente, está ocupado pelo S1 e que tem como característica ser dominado pela insistência em nada saber do sujeito que está colocado no lugar da verdade. O mestre nada quer saber da verdade. Ele quer apenas que isso caminhe. É a esta determinação que o sujeito reage, tomando como princípio acreditar que ele é unívoco. Sua divisão está, desde o princípio, escamoteada pelo trabalho que é imposto ao escravo de produzir um saber que dê conta da univocidade do sujeito, mascarando-lhe a divisão. No entanto, sabemos que o sujeito é dividido. Dividido, nos lembra Lacan, entre o “não penso” e o “não sou”.
Esta divisão é explicitada no Discurso da Histérica, quando o lugar da verdade é ocupado pelo objeto que divide o sujeito, apontando para: “ali onde penso não me reconheço, não sou – é o inconsciente. Ali onde sou, é mais do que evidente que me perco”.
O Discurso da Histérica também se presta a determinar a verdade como sendo possível apenas por um semi-dizer. A verdade se apresenta sempre como um enigma. Enigma que se apresenta sob a égide do objeto “a”, aquele que escapa à nomeação do Pai. Já o sujeito está nos dois lugares, ali onde se pensa e não é, e ali onde não se pensa e é.
Ao examinar o Discurso Universitário constatamos que a verdade, como “meio-dizer”, acaba por ganhar sentidos “singularmente opostos” em cada discurso.
O Discurso Universitário “mostra onde o discurso da ciência se alicerça”. Assim Lacan o introduz nesta lição de seu seminário. E, seus efeitos acabam por demonstrar as consequências da presença do “saber desnaturado de sua localização primitiva, ao nível do escravo por ter se tornado puro saber do senhor, regido por seu mandamento”.
Este movimento de um quarto de volta instala o mandamento do mestre no lugar da verdade que é da ciência: “vai, continua. Não pára. Continua a saber sempre mais”! O interessante é que este deslocamento do signo do mestre para o lugar da verdade acaba por apagar toda pergunta sobre a verdade: “o S1 do mandamento “Continua a saber” – pode velar, sobre o que este signo, por ocupar este lugar, contém de enigma, sobre o que é este signo que ocupa tal lugar”.
Outro lugar que é discutido neste capítulo, sempre em referência à verdade, é o lugar do Outro, daquele que trabalha: “no discurso do mestre é o escravo, no do universitário é o estudante”. Ambos têm a função de fazer a verdade brotar. O que o astudado (fórmula que propõe Lacan para dizer do objeto a no lugar do Outro que trabalha) tem que produzir é o sujeito da ciência, nem que seja com a sua própria pele. Provêm daí, provavelmente, o mal estar que sempre está presente entre os astudados, sempre às voltas com uma demanda de dar conta do o enorme número de textos produzidos nas universidades e, muitas vezes, compelidos eles mesmos a produzi-los. Por isso a alusão de Lacan ao fato de que a ciência tem nos homens seu húmus. Esta é a conseqüência de se ter no lugar da verdade, diz Lacan, “o puro e simples mandamento do mestre”: Continua a saber!
(continua…)
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