O que se espera de um analista? A esta questão que Lacan se propos ele mesmo produziu, na ocasião, uma resposta contundente e, como não poderia deixar de ser, enigmática: O que se espera de um analista é uma análise. O que faz um analista, portanto, é uma análise!. Isso nos dois sentidos possíveis que o verbo fazer, neste caso, nos aponta: 1- se espera que um analista seja capaz de levar uma análise até seu ponto de impossibilidade e, 2- que um analista possa advir de uma análise.
Encontro, em Silet (1994-1995), a seguinte afirmação de JAMiller: “O que faz o analista: falar do silêncio”. Por isso, certamente, o matema de Lacan que nos diz do silêncio do analista assim escrito: S(A/). Este matema defino como a própria estrutura do falasser (parlêtre). O falasser tem, como enlaçamento lógico de sua estrutura, o silêncio e o analista deverá, quando falar, falar a partir do silêncio, ou, como nos diz JAM: “guardar o silêncio totalmente, ao falar”. Este é o segredo da interpretação que deverá preservar o lugar do que não se diz, ou melhor ainda, do que não se pode dizer. Esta talvez seja a mais preciosa das interpretações: o desacordo do analista em ocupar um lugar, que lhe demanda o analisante, que permita ao sujeito nutrir seu sintoma de sentido. Desta forma, o analista deverá se colocar mais ao lado daquilo que se cala do que ao lado do que fala, no analisante.
O S(A/) nos diz do que permanece do significante após a palavra ter sido eliminada. Esta é a consequência da intervenção de um analista que vai propiciar ao significante da falta no Outro assumir seu valor de letra, ou seja, o valor de significante escrito. A escritura, podemos dizer, é a única forma que o ser falante tem para subtrair-se aos artifícios do inconsciente. Enquanto preso à palavra, o sujeito não tem como sair das artimanhas que o inconsciente apresenta e que Freud definiu como sendo suas formações. Isto se explica pelo fato de que, uma letra, ao contrário do significante, tem uma identidade. Enquanto que um significante só se apresenta a partir da diferença e sempre chama um segundo significante. Conhecemos bem as definições do significante que Lacan vai buscar em Saussure: que o significante é profundamente diacrítico – somente se coloca a partir da diferença e da distinção. A letra se basta. Um bom exemplo encontramos no número matemático. O número é cifra e não tem efeitos secundários de significado. Um significante, por outro lado, está posto como aquele que pode representar um sujeito para um outro significante. Ao sujeito, enquanto sujeito do inconsciente, sujeito dividido, só resta permanecer nesta brecha do significante como sujeito a advir, num futuro anterior.
A letra, por outro lado, tem uma identidade. O que se pode traduzir no inconsciente por uma letra, o sintoma, tem dois valores: S1 e a. Estes dois valores nos dizem que o Outro é uma matriz de dupla entrada: a e o Um do significante.
Sabemos, a partir dos textos de Lacan dos anos setenta, que é possível articular uma certa contabilidade ao gozo. Isto se apresenta sob uma forma bem simples se pensarmos que o inconsciente está estruturado como uma linguagem e que, os significantes que constituem esta cadeia nada mais são do que uma forma que assume a transformação do gozo em algo contábil: a pulsão parcial e seu quantum de energia que Freud tratou de explicitar quando inventou a libido.
O sintoma, faz o caminho inverso do que tenta o inconsciente. O sintoma é uma função: Lacan nos diz que é uma função matemática, um f(x) que realiza a transferência da contabilidade ao gozo, do simbólico ao real. E o faz ao traduzir o que há do inconsciente em uma letra.
Neste ponto devemos retomar a questão do silêncio do S(A/) ao acrescentarmos que a palavra, na verdade, guarda o silêncio e mesmo, podemos dizer, que ela falha diante do gozo. Por isso uma fantasia não pode ser falada, não pode ser interpretada, mas construída. É o que nos diz Freud a propósito do paradigma da fantasia que se define nos termos mesmo de sua construção como: “uma criança é espancada”. O cerne desta construção só a alcançamos a duras penas pois, o que se constitui como pivô desta cena é o que não nos lembramos, é o que não tem reminiscência e que precisa ser reconstruído. Não se trata, obviamente, de uma construção qualquer, mas de uma construção que responde a uma necessidade lógica em relação a algo que não se pode dizer. “Há o silêncio no coração da fantasia” (JAM).
Este silêncio, podemos correlacioná-lo ao famoso silêncio da pulsão de morte que Freud tão bem descreveu em seu texto “O Eu e o Isso” designando-lhe, como lugar, um possível núcleo do Isso. Assim, quando nos vemos aprisionados por uma pulsão qualquer, experimentamos o constrangimento de não podermos responder com palavras a este silêncio amedrontador que nos coloca servo de um circuito que só temos consciência no momento em que ele se fecha ao final de sua curva, fazendo retornar sobre o sujeito, um sentido-gozado sob a forma do discurso do Outro.
Isso, que está no coração da fantasia e que habita o circuito pulsional nos diz de uma afinidade do silêncio com o gozo. Se, por um lado, esta afinidade se apresenta sob a forma da vergonha e da culpabilidade, tão comuns nos neuróticos, por outro lado ela nos diz deste ponto, sobre o qual insisto aqui: o silêncio diz respeito a uma falha mais essencial da palavra diante do gozo. O que talvez seja mais incisivo está expresso pelo que a mulher pode dizer de seu gozo: “Silet”, nos lembra Lacan.
Diante de tudo isto há um ponto que considero fundamental: se o analista se faz a partir do silêncio sobre o qual ele se assenta para sustentar uma análise até o seu final, ele precisa estar atento ao risco que existe da infiltração de gozo que este silêncio propicia. Uma das saídas possíveis para evitar este risco nos aponta na direção da importância da supervisão.
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