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quinta-feira, 21 de junho de 2018

Seminário na EBP-MG - Momento de Concluir - 20 de Junho de 2018


Seminário na EBP-MG - Momento de Concluir
20 de Junho de 2018

É chegado o momento de concluir este nosso trabalho do semestre e trazemos com ele a esperança de que possa relançar o vetor do desejo na direção de um trabalho que pretende continuar vivo em função da causa que o sustenta.
Em seu primeiro encontro com o Outro, consequência da incidência de um significante, o sujeito tem de se haver com um real que não se subjetiva. Ponto de opacidade, nos diz Lacan, ponto de silêncio que indica o lugar onde poderá se edificar a determinação significante capaz de escrever o fenômeno sintomático, na esperança de se dar conta da impossibilidade que se instala na contingência deste primeiro encontro. O sintoma é o que vai representar, manifestar, significar a verdade deste encontro. Verdade que nos diz do real do gozo que é produzido pela inclusão do significante traumático no sujeito.
Desta forma, o sintoma poderá ser tomado em duas vertentes: por um lado temos o sintoma como metáfora, na medida em que faz valer um significante do traumatismo, um significante que vai funcionar como um índex da memória do que foi encontrado como traumático. O sintoma como metáfora é um sintoma significante que está conectado ao gozo, sem sê-lo. Por outro lado, se seguirmos o desenvolvimento da teorização de Lacan, vamos tratar o sintoma como função da letra, como signo desta distância insuplantável com o real. É fundamental distinguirmos, aqui, a letra do significante pois esta se relaciona diretamente ao gozo, enquanto o significante está referido ao sentido gozado (jouis-sens). Temos, então,  duas definições do sintoma: por um lado um “memorial de gozo”, e por outro um “cativador de gozo”. 
Seja qual for a vertente, temos no sintoma o sinal de que alguma coisa não anda pois há um real que se coloca como uma pedra no caminho do sujeito: o real da privação que se explicita no fato de que homens e mulheres, desde sempre, estão privados do elemento que poderia propiciar a escritura da relação sexual. 
Esta impossibilidade, que não cessa de não se escrever, promove o sintoma como única possibilidade de se fazer laço, ao mesmo tempo que se permite uma leitura, uma vez que ele participa de uma escritura, função da letra. Por isso J-A. Miller, em seu curso “O Outro que não existe...” nos diz que “o sintoma é uma mentira sobre o real ... especialmente um mentira sobre o real que a relação sexual não existe. (...) É bem por isso que Lacan pode dizer que é o sintoma que nós colocamos no lugar deste Outro que não existe. E, especialmente, é o sintoma que nós colocamos no lugar do outro sexo (...) talvez o único Outro que existe, é o sintoma.”
Há, portanto, um vazio sobre o qual o sintoma se apoia e vai construir seu envelope formal. Vazio que se instala no ponto mesmo em que a presença de um gozo singular, escandaloso foi recusado e recalcado pelo sujeito (Lacan nos lembra, em RSI, “O neurótico é alguém que não chega a atingir o que é para ele a miragem onde ele encontrará satisfação, a saber, uma perversão. Uma neurose é uma perversão que falhou - c’est une perversion ratée). Isto que é recalcado, Freud definiu como sendo a pulsão que se apresenta com seu caráter intratável, rebelde e refratário ao laço social. No entanto, este mecanismo falha e o sintoma vai surgir como uma forma de inscrever o que insiste como marcas da singularidade do sujeito e de suas fixações.
O sintoma, assim como a cena da fantasia fundamental, nada mais são do que envelopes da pulsão, modalidades de seu exercício, formas que o sujeito busca para apreender um objeto, no campo do Outro, que lhe sirva de parceiro.
Este objeto, que Lacan denominou “pequeno a”, se define a partir dos orifícios do corpo e marcam o ponto por onde o sentido não se deixa apreender nas malhas do discurso. É este objeto pequeno “a” que apresenta o vazio em torno do qual a pulsão faz seu circuito desenhando uma escritura que situa a repetição do sintoma. 
Uma cena que envolveu o ato de escrever e um olhar definiram um ponto de fixação de gozo, determinando um caminho e estabelecendo uma forma sintomática.
A busca da satisfação passava pelo conquista de ideais determinados pela demanda do Outro que, na impossibilidade de serem atendidas, deixavam permanecer um resto que se repetia no olhar de uma mulher. A marca da falta, presente neste olhar, era buscada como único sinal da existência de um Outro que pudesse ser inscrito na possibilidade da relação sexual. Sintoma que se fez valer, criando uma série cujo ponto de conclusão era postergado infinitamente. 
Lacan nos diz que “O Outro é uma matriz com duas entradas”. O objeto pequeno “a” constitui uma destas entradas. E a outra é o Um do significante. Dissolver a presença deste Outro era fundamental para que o sujeito pudesse se livrar das diretrizes que determinavam a fixação do circuito pulsional. 
 O sintoma, por comportar um efeito de sentido, sofre a ação da interpretação. O seu valor de gozo, no entanto, é antinômico ao sentido, só se deixando apreender pelo equívoco, de onde se deduz a função da letra. A redução do sintoma à letra é uma forma de renovar o estatuto do simbólico, resumindo a pulsão à função de furo.
Por isso, a interpretação do analista pôde apontar o vazio e, assim, esclarecer o circuito que delimitava o objeto e que estava velado pela interpretação que o inconsciente havia feito do encontro traumático com o Outro sexo.
Este objeto, desde o congelamento do sentido na cena da fantasia fundamental, passou ser incrustado em todos aqueles que apresentassem um traço que pudesse repetir a cena fundamental, nos dizendo de um ponto de fixação pulsional. Ora, a pulsão é a força real da fantasia ao mesmo tempo que denuncia o limite do sintoma à ação do simbólico. O resto que escapa, foge, retorna sob a forma de mal estar e relança o vetor pulsional sempre na direção determinada pelo imperativo do super-eu. Desfazer este circuito, devolvendo ao objeto sua característica de ser qualquer um, mobilizando o seu valor de gozo é um dos objetivos de uma análise.
Neste seu objetivo, a estratégia da qual se utiliza a psicanálise consiste em oferecer, àquele que a busca como solução, a possibilidade de que esta cena se repita na transferência, ao instalar, no ponto de não saber, um sujeito suposto saber da significação de seu sofrimento. Esta estratégia, se utiliza do fato de que o “inconsciente existe e sua existência se sustenta, exatamente no fato da inexistência da relação sexual e que a sexualidade só se representa no inconsciente pela pulsão”. Utilizando-se do objeto pequeno ‘a’, enquanto agalma, pode-se ter entrada ao Outro, fazendo possível a construção desta cena fundamental, a partir mesmo da determinação de uma constante através da qual o sujeito se relaciona ao real do gozo. Balizada por esta construção, uma interpretação operou separando S1 do S2 e criou um intervalo onde reinava a opacidade própria do gozo do sintoma. Este foi o momento em que aconteceu a produção de um significante que indexou a falta, um nome que estabeleceu novos rumos, fazendo desaparecer os pontos de suspensão sintomáticas e fazendo intervir a letra como borda ao real.  
 O amor, resposta ao real da não relação sexual, sustentou o trabalho da transferência nesta relação ao Outro do saber, e se esvaziou pela ação da interpretação que desfez o mistério da diferença sexual.  Este foi o momento em que o “analisante fez do objeto ‘a’ o representante da representação de seu analista”, abrindo uma nova relação ao saber e ao consentimento com seu modo próprio de gozo. 
Esta passagem estabeleceu uma subversão do sintoma que, a partir de então, passou a se sustentar na alienação, não mais a um Outro do saber, um Outro sem barra, como define Lacan, mas sim ao Outro barrado, marcado pelo silêncio da pulsão. Podemos dizer que aconteceu uma extração do objeto “a”, como causa de desejo, a partir do gozo que sustentava o sintoma. Como consequência o sujeito, por querer o que deseja, assumiu uma responsabilidade onde antes se esperava uma garantia. Responsabilidade que se verifica como a única posição política possível. Responsabilidade definida, por J-A. Miller da seguinte forma: “Se tudo fosse calculado, então não teríamos mais responsabilidade. Há uma responsabilidade, justamente, porque há um furo e que é necessário cobri-lo pelo ato, decidindo-se em função de seu julgamento íntimo”. 
Onde havia o trabalho de transferência, portanto, aconteceu a transferência de trabalho, dizendo de uma nova aliança com a pulsão. Esta nova aliança só pôde acontecer pela revitalização da marca do Nome próprio propiciando um “saber aí fazer com o sintoma”. “Saber aí fazer com o sintoma” se constitui numa das fórmulas possíveis da liberdade. “O ‘aí’ marca a suspensão de um ser que vai nomear o saber ou o fazer. É um ser que nomeia o ‘aí’ como o que vai para além de seu nome próprio, um nome para além da imagem de seu nome próprio. (...) É exatamente do nome próprio que nos fala Lacan a partir da fórmula “saber aí fazer com seu sintoma”.
Produzido um nome, retificado o circuito pulsional, foi possível dizer ao analista que o endereçamento do sujeito não mais se dirigia a ele, estabelecendo os parâmetros de uma nova parceria. 
Além destes vários aspectos teóricos que foram utilizados para dar conta do trajeto de uma análise, podemos trazer alguns outros extraídos do trabalho que fiz enquanto exercia minha função de AE na EBP.
Entre eles, destaco a função do traço na constituição do sintoma que levou um sujeito à análise, bem como o seu destino no final. A partir desta redefinição, o trajeto de uma análise bem poderia ser resumido da seguinte forma: “Do sintoma da identificação à identificação ao sintoma”. 
Assim pensando, pode-se redimensionar a função de traço que se decanta a partir da queda das identificações - exemplo representado pela imagem do Limão que, até então, sustentava o sujeito na sua relação com o desejo do Outro –, num significante que veio a se definir como Lima e que permaneceu como ponto de articulação lógica, propiciando uma nova leitura do lugar do sujeito na sua relação com o Outro. Na verdade, se Limão era um significante que se apresentou como resposta ao Desejo da Mãe, Lima foi extraído como Nome Próprio, cunhado na ranhura que inscreve o Nome do Pai. Herança que foi conquistada, fazendo-se sua. Uma questão então permanece, a partir desta evolução: O nome próprio seria um significante ou ele se apresenta ali, onde não pode ser pronunciado, apenas como a presença de uma letra? Uma letra que pode ser transmitida do momento do passe, digamos, clínico, e que vai indicar ao Cartel do Passe que um analista pôde advir no final de uma análise. Assim, partindo do sintoma da identificação o sujeito desconstruiu a palavra até obter dela seu valor de letra, o valor de significante enquanto escrito: S(A/) “O S, o verdadeiro significante de A - o que do significante permanece, uma vez que se eliminou a palavra”. Esta é a escritura que permite ao ser falante subtrair-se aos artifícios do inconsciente, ao mesmo tempo em que deixa claro o que do inconsciente pode se traduzir por uma letra: “que o desciframento se resuma ao que constitui a cifra, ao que faz com que o sintoma seja, antes de tudo, algo que não cessa de escrever-se do real...” Assim posto, uma nova identificação pode acontecer, uma identificação que não é ao inconsciente. Identificar-se ao inconsciente está fora de cogitação pois, como nos diz Lacan, “o inconsciente permanece, o inconsciente permanece Outro”. A identificação da qual se trata, quando falamos em final de análise, é à letra do sintoma, àquela que, uma vez rompido o circuito preestabelecido pelo sentido congelado da fantasia fundamental, poderá tornar-se um traço que desvela a “alíngua” como corpo do simbólico e enlaça o corpo do imaginário ao corpo do real fazendo consistir os três termos Real, Simbólico e Imaginário. Esse é o caminho que culmina na transformação da experiência da fantasia fundamental em pulsão, ao restabelecer o vazio do lugar do objeto pulsional. 
O que se pode elaborar desta passagem – da experiência da fantasia fundamental à pulsão – mostrou que quando o sujeito extrai um pouco de prazer com o que está mais além do prazer, isto é, consegue um pouco de prazer com o gozo, trata-se aí da sua fantasia pois o vazio, em torno do qual a pulsão deveria fazer a volta, permanece preenchido pelo objeto que o sujeito interpretou como sendo do desejo do Outro. Mas, quando o sujeito vai satisfazer a algo que o confronta com o mais além do princípio do prazer, dizemos que é um assunto que se passa entre a satisfação e o gozo, colocando em questão a pulsão. Em outras palavras, se colocamos o sujeito do lado da fantasia, ele será satisfeito por algo, se o colocamos do lado da pulsão, teremos um sujeito que satisfaz a algo. Isto é para dizer que, de modo algum o sintoma será o mesmo se o abordamos pela dimensão do prazer e do gozo, ou do gozo e da satisfação.  
Assim, à luz do que pude introduzir acima, podemos pensar a Sessão Analítica como um lugar do possível que, orientado pela lógica própria a cada percurso, abre a possibilidade do acontecimento imprevisto colocando, em ato, a realidade sexual do inconsciente para que, desta forma, o sujeito tenha condições de tratar o real pelo simbólico. 
Neste ponto em que estamos examinando a Sessão Analítica será importante retomar a perspectiva do sintoma como sendo uma tentativa de restabelecer o laço entre o sujeito e Outro. Neste sentido, podemos dizer que ele é uma solução para evitar o encontro com a castração. O sujeito, pode-se dizer, nasce como efeito de um menos, um menos de gozo que advém da extração que o significante opera no campo do Outro. Esta operação traz, como consequência, um certo mal-estar, um certo incomodo que vai gerar um movimento de busca incessante, ali mesmo onde algo se perdeu. É a partir deste ‘menos’, portanto, que se instala o que Lacan denominou, de Automaton - a repetição da impossibilidade na cadeia significante. Esta repetição, ou seja isso que “não cessa de se escrever”, é uma necessidade que vem dizer da impossibilidade que o próprio recalque originário (Urverdrängung) aponta. Contudo, todo este movimento só se sustenta por que há pontos de encontros que, pelo fato mesmo de serem sempre faltosos, acenam com a possibilidade de uma certa realização.
 Assim, entre o que “não cessa de não se escrever” (o impossível) e o que “não cessa de se escrever” (necessário) vamos nos deparar com um sujeito que, como nos diz Freud, tem que se haver com um dispêndio de energia adicional para lutar contra o desprazer (Unlust) ou sofrimento (Leiden) que esta situação pode criar. Sendo isso o que todo ser falante tem como fundamento de sua estrutura, existe, ainda conforme Freud, uma pré-condição para a formação de sintomas em todos nós. O sintoma, portanto, poderá ser definido como “o resultado de um conflito, e que surge em virtude de um novo método de satisfazer a libido (libidobefriedigung). As duas forças que entraram em luta (que poderíamos aqui representar pelos dois movimentos: “não cessa de não se escrever” e “não cessa de se escrever”) encontram-se novamente no sintoma e se reconciliam, por assim dizer, através do acordo representado pelo sintoma formado”. Em outras palavras posso dizer-lhes que este “acordo” seria uma negociação feita de tal forma que o sujeito diria assim: “pago um preço para não saber que existe algo que ‘não cessa de não escrever’, e este preço é uma satisfação substitutiva que, ao mesmo tempo em que provoca um certo desprazer (Unlust), é onde posso obter minha satisfação”.
Temos, então, alguns dados que são muito importançtes para o desenvolvimento de nosso tema: o sintoma é uma tentava de criar uma harmonia ali, onde um menos se instalou provocando uma desarmonia.
Em outras palavras, um possível trajeto na formação do sintoma: a partir de um ‘menos’ que se instala como consequência da extração do objeto “a” pela operação significante, vai surgir uma intenção de significação que produz uma resposta que, exatamente por ser da ordem do impossível, vai relançar a busca de significação. Esta busca de significação é explicada por J.A.Miller como sendo a “transformação da queixa que emerge do fundo do desprazer em mensagem (…) fazendo existir o sujeito de uma maneira nova no campo do Outro, e sob forma constituída”. No entanto, quando se formata uma queixa, ou como nos diz M. Silvestre: quando fazemos coincidir uma queixa e um sofrimento, vamos perceber que ela se desnatura, pois há o que se pode dizer e o que não se pode dizer pela própria impossibilidade do significante em dizer tudo. Esta dificuldade é o que faz com que a lógica própria ao Outro, ao estabelecer esta relação entre queixa e sofrimento, vá congelar e fixar a queixa numa certa cena. Em outras palavras, do que se trata aqui é de um certo percurso pulsional que estabelece uma certa correlação entre o sujeito e “um dos objetos que havia anteriormente abandonado”, porque “a libido é induzida a tomar o caminho da regressão pela fixação que deixou atrás de si nesses pontos do seu desenvolvimento”, nos pontos em que queixa e sofrimento, gozo e mensagem, castração e envelope formal, se fizeram coincidir.
Talvez possamos afirmar, neste ponto, que “o sintoma analítico, enquanto que formatado no campo do Outro, constituído como o que se instaura da cadeia significante, tem estrutura de ficção”. Isto o demonstra muito bem o sintoma histérico, na medida em que, na histeria, vamos ver o sintoma como ser de verdade do sujeito pois ele é deslocado desde baixo e colocado em evidência. Em outras palavras, ela faz “o objeto ‘a’ como real vir ao lugar da verdade”.
Acrescento, neste ponto que é ao instalar-se como “ser de verdade” que o sintoma promove a construção de uma suposição de saber no campo do Outro. Partindo da premissa estrutural de que não há relação entre o sujeito e o Outro, o sujeito está, desde sempre, afastado de sua verdade. O laço possível, entre o sujeito e o Outro, se faz pelo sintoma. E se faz, com a criação de um “ser de saber” ali, onde a verdade lhe está vetada.
Estrutura de ficção, queixa, sofrimento, não importa como a ele nos referimos, a verdade é que o sintoma é o que vai dizer de algo que não vai bem e o “clamor da humanidade” é pelo apaziguamento do mal-estar que isso provoca. 
Um passo a mais pode ser dado para desvelarmos um pouco da importância que o sintoma tem para cada sujeito. Por todas estas características que acabo de trabalhar, podemos perceber que o sintoma é o que cada um tem de mais particular, e também o de mais real. Por isso o sujeito neurótico se apega tanto a ele, como uma possibilidade que se lhe apresenta como única, de fazer frente ao que lhe está prescrito pelo Outro. É fundamental, portanto que, ao escutarmos o relato da infelicidade de alguém, tenhamos em conta que esta infelicidade sendo o que há de mais particular, é o que sustenta este sujeito enquanto um ponto de identidade. Talvez por isso é que, ao diferenciarmos o lugar do analista, do lugar do terapeuta, estamos dizendo que nosso compromisso não é com o movimento humanitário que, com seu clamor, espera poder uniformizar o que há de mais singular. Nosso compromisso é, exatamente, com o singular de cada um. Pôr-se a serviço desta verdade supõe um desejo que poderemos qualificar de inumano. Talvez por isso é que Lacan, em sua Nota Italiana, nos diz que o analista é o rebotalho da humanidade, na medida em que quer saber disso que todos querem esquecer. Em outras palavras, Lacan vai afirmar que o mal-estar na civilização consiste em gozar da renuncia ao gozo. Sim, porque ao estabelecer uma solução de compromisso entre duas forças opostas que estão em conflito o sujeito renuncia à possibilidade de um gozo possível. Gozo este que é possível somente na medida que o Outro é esvaziado de gozo, ou seja, na medida em que o sujeito deixa de acreditar que o Outro quer dele sua castração, que o Outro quer retirar-lhe o que ele tem de mais precioso: seu pequeno nada
O sintoma é gozo e mensagem a ser decifrada e está submetida ao que costumamos chamar de horror da castração. É neste menos, a castração, que vamos encontrar o singular do sujeito. Este menos, sinalizado pela presença do traço unário (Einziger Zug) é o que vai fazer o mais singular de cada um. É isto que Lacan denominou “estilo” e o que pode ser transmitido. Podemos dizer, com Lacan que o estilo é o objeto ‘a’ enquanto que marcado pelo traço unário, marcado pela incidência do “dizer verdadeiro” que deixou uma “ranhura” indelével. É esta ranhura do dizer verdadeiro que o sintoma tenta preencher, a partir mesmo da cena da fantasia fundamental que os significantes primários do sujeito construíram, ordenados a partir deste mesmo traço (Zug). No centro, o vazio deixado pela extração do objeto ‘a’, promovendo o “pouco de realidade” que dá consistência à relação do sujeito com o Outro.  O final de análise passa por este traço unário. 
Vamos nos ater, no entanto, ao que um sujeito faz para evitar este encontro com a castração. Uma das estratégias utilizadas é a instalação de um princípio de consistência que é exterior ao sistema que o sustenta, ilustrado, no início, pela imagem do Limão que havia sido construída como resposta ao Desejo da Mãe. Ou seja, há uma busca de garantia que venha de um Outro, não importa qual. Quando esta garantia, construída na ficção do sintoma, deixa de cumprir sua função, o sujeito vem buscá-la na análise. Neste caso, o que se espera é que um princípio de consistência venha restituir a harmonia perdida. Esta busca de recurso no Outro dá ensejo à produção de uma significação que Lacan deu o nome de Sujeito Suposto Saber. Com isto, busca a certeza em uma afirmação que possa dizer do verdadeiro e do falso para tal ou qual proposição. Na verdade, o que se busca a partir do Sujeito Suposto Saber é a constituição de um ponto de estofo que possa manifestar uma consistência do discurso estabelecido. Só que este ponto de estofo estabelece um lugar de onde o sujeito vai receber seu próprio discurso de forma invertida, ou seja, o sujeito vai receber de volta uma significação, com a qual poderá ordenar o trajeto de sua existência: sou assim. Todo este processo só pode acontecer por que o ponto de estofo nos diz onde o desejo do Outro se coloca como ‘x’. Trata-se de um significante que busca dizer do que está para sempre recalcado (Urverdrängung), ou seja, questiona o Outro no ponto em que nada pode ser dito, a saber, o desejo. Desta forma, o problema da consistência virá à tona.
O que chamei a pouco de “desejo inumano”, para designar o desejo do analista, é o que vai operar neste momento da análise, instalando ali, onde se espera uma consistência, a própria verificação da inconsistência do Outro. 
Retomarei aqui algumas passagens do percurso que pôde se concluir, esperando poder destacar alguns aspectos que concernem ao manejo da sessão analítica.
A instalação do Sujeito Suposto Saber veio colocar um ponto de basta na circulação da angústia que se apresentava como sinal da desestabilização do sintoma. O traço que o sustentou até o final, permitindo que um trabalho pudesse ser realizado, passava pela possibilidade de aprender a escrever. Traço este que foi emprestado ao analista a partir mesmo do saber que sustentava a relação entre o significante da transferência e o significante qualquer no Outro. Sabe-se que esta é a solução que o sujeito, preso nas malhas do sentido que lhe propicia sua cena da fantasia fundamental, busca para continuar sem nada saber do que causa seu desejo.
Por isso mesmo emprestou-se ao analista um traço que pudesse restabelecer uma certa parceria que mantivesse distante a ameaça do desamparo. Este traço, que se constitui no que Lacan definiu como significante qualquer, não é qualquer um. Trata-se de um traço que se encontra o mais próximo possível do vazio onde reina o objeto da fantasia fundamental. 
Com função primordial na sustentação deste terreno onde a batalha poderá ser vencida, o analista se colocou num certo lugar que permitiu a constituição de um semblante, possibilitando ao inconsciente, efeito do significante e estruturado como uma linguagem, ser retomado como pulsação temporal. Quando o analista, por uma razão ou outra não se coloca nesta posição, ele estará impedindo o “acontecimento imprevisto”. Ele, na verdade vai estar impedindo a abertura deste instante onde o saber e a verdade se tocam em um ponto contingencial, sem dúvida, mas que possibilita a efetuação de uma pulsação da falha de onde um traço de luz pode jorrar. Poder suportar este lugar e sustentá-lo a partir de um desejo, que Lacan definiu como inédito, é abrir-se ao novo. 
A sessão de cinquenta minutos comportava um standard que podia até apaziguar o sujeito em questão porque ela comportava um “eu já o sabia”. O “imprevisto”, ao contrário, vai deixar o “eu já o sabia” de lado e colocar no horizonte de cada sessão a surpresa, o novo.. 
     Este percurso descrito até aqui aponta para a passagem de um saber sobre o inconsciente para consentir com a experiência do inconsciente
     Este consentimento, obtido a partir da operação do ato analítico, é o que permite que se continue o caminho na construção da fantasia fundamental. Construção esta que abre a possibilidade de escolhas, na medida em que o enigma subjetivo, que se mantem sob a máscara da demanda do Outro vai, passo a passo, se fechando. 
Afinal, "obter um sujeito idêntico a si próprio, que não desliza mais na diferença significante" e que possa ter um saldo de gozo possível ao fim de seu trajeto pulsional é o que se espera de análise.


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