Célio Garcia, um Psicanalista
Conheci Célio Garcia no final dos anos 1970, mais exatamente em 1977, quando comecei a fazer o que era conhecido como Formação Psicanalítica no Circulo Psicanálise de Minas Gerais. Até então não havia escutado uma palavra sequer sobre Lacan, pois vinha de um convívio com a IPA de São Paulo.
O encontro com Celio, em um dos semestre da “Formação" foi também um encontro com o ensino de Lacan e, então criou-se um amor a primeira vista. Como consequência uma transferência se estabeleceu com esse que, com seu jeito simples e firme, me apresentou um novo saber estabelecendo um lugar que foi muito importante para a minha vida pessoal e profissional. Digo firme porque àquela época e naquele espaço de transmissão o ensino de Lacan era chamado de “lacanagem" por muitos, o que deixava quem se interessasse por ele fora do “círculo”.
Mas, mesmo assim, a transmissão que Celio fazia me levou aos textos, e consequentemente, direto ao ensino de Lacan o que produziu uma virada no meu trajeto abraçando e buscando criar um espaço onde pudéssemos levar em frente o ensino de Lacan. Foi quando pudemos participar do Grupo de Estudos Freud Lacan - GEFLA - até que foi criada Escola Brasileira de Psicanálise do Campo Freudiano.
Entre esse primeiro encontro e a minha decisão de escolher Celio Garcia como meu analista 10 anos se passaram onde dois analistas sustentaram o lugar de Sujeito Suposto Saber sem muito poderem fazer para mobilizar o sujeito em questão.
Como os sintomas insistiam foi necessário uma terceira experiência e, então, fui acolhido pelo Dr. Célio. É verdade que eu já tinha estado com ele, nos encontros de estudos que promovia em sua casa. Ali, muito me impressionou a disponibilidade de Célio para escutar, dar espaço a que todos falassem sem destituir o que era produzido. Essa forma de estar com as pessoas foi fundamental. Ele nunca se recusava a fornecer do seu saber para quem quer que seja, ao lado de uma dedicação impressionante às questões sociais. Ao lado destes fatos a transferência que se instalou propiciando uma demanda de análise veio sustentada por uma questão da fantasia do sujeito: ele sabia escrever. Isso foi muito trabalhado quando dos relatos da experiência de final de analise.
Mas, de toda a vivência impar que pude ter com minha convivência no divã de Celio Garcia, destaco os momentos de espera em sua sala de visitas, ao lado de uma biblioteca que despertava e sustentava meu desejo de saber. E assim foram 10 anos de analise com dois momentos muito importantes que relato aqui. Sim, porque sem esses momentos uma análise não se concluiria.
Relatei acima que me encantou como Célio estava sempre disposto às demandas e sempre solicito em atendendo-las. Pois bem, isso sustentou o imaginário da transferência e as produziu inclusive uma saída precipitada da análise em um momento que o sujeito se arvorou em tudo saber. Mas na retomada, poucos meses depois o sujeito se depara com um corte que produziu uma primeira virada em seu percurso. Um corte que somente quem pode se sustentar neste lugar de um analista diante das demandas de seu analisante. Chegando de volta e, talvez, contando com a “disponibilidade” do sujeito Célio foi solicitada uma negociação com algumas “exigências" tipo horário, preço da sessão, recibos. A resposta veio imediata: “aqui não tem negociação”. Esse ato analítico desenhou todo um novo trajeto que veio a se concluir alguns anos depois com um final que teve uma outra intervenção memorável que colocou o sujeito em cena para que tomasse posse de suas escolhas e pudesse transformar o resto que sempre permanece ao final, em causa de desejo: estando às voltas com o imbróglio de seu nome próprio e as demandas do Outro que reeditavam infinitamente as demandas maternas: seja um Rennó, um sonho traz o Lima à cena e a intervenção veio prontamente: Mas Rennó é o nome da mãe e Lima o nome do pai. Este ato que reintroduzir o pai na cena foi fundamental para desfazer o enlaçamento do Real, Simbólico e Imaginário que sustentavam esse sujeito na cena do mundo para poder estabelecer um novo enlaçamento a partir de um Nome Próprio que pode sustentar um Sinthoma e propiciar um saber aí fazer.
Por tudo isso e outras mais, hoje sou grato a Célio Garcia por ter me escutado como UM PSICANALISTA.