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segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Quanto ao manejo da transferência...

 Quanto ao manejo da transferência, minha liberdade, ao contrário, vê-se alienada pelo desdobramento que nela sofre minha pessoa, e ninguém ignora que é aí que se deve buscar o segredo da análise.”(1) (Escritos, pag. 594)


Celso Rennó Lima


A estratégia está ligada à transferência e aqui o analista não é senhor. Talvez tenha sido isso o que durante tanto tempo motivou os analistas a tentaram fazer semblante de tela branca, ou até mesmo de indiferença, com a intenção de transmitir uma imagem de domínio. O analista, no que concerne à transferência, está ali como alienado, por este motivo não é um sujeito indeterminado, não é o sujeito puro da teoria dos jogos. Teoria esta da qual Lacan lançou mão para dar conta de suas formulações no início dos anos cinquenta. (Cumpre ressaltar que esta época foi  marcada pelas teorizações de Von Neumann e que temos no texto "A carta Roubada", que abre a coletânea dos “Escritos", comentários importantes deste momento.)

Retomando a frase que escolhemos para comentar, ou seja, a da alienação que sofre a pessoa do analista pelo desdobramento que acontece na transferência, constata-se que Lacan critica a ideia de uma prática analítica como uma situação a dois e, principalmente, onde um Eu fraco se vê compelido por um Eu forte a uma reeducação emocional. Percebem-se, neste movimento, as razões para a tendência à padronização da pessoa do analista, julgando que quanto mais o analista fosse anônimo, invariável, mais ele poderia se prestar à superfície de reflexão, deixando-se enganar pela "metáfora do espelho" e, "sobretudo, à exaltação fácil de seu gesto de atirar os sentimentos - imputado à contra-transferência - no prato de uma balança em que a situação se equilibraria por seu peso que atesta, para nós, uma consciência pesada que se correlaciona com a renúncia em conceber a verdadeira natureza da transferência”. (2)

Tudo isto acontecia por se confundir a posição do analista com um objeto passivo da fantasia do analisante, congelando sua posição como pai morto, pai ideal, que teria o domínio de seus desejos sendo, portanto, completo e perfeito e podendo guiar o analisante pelo Aqueronte sem se deixar molestar por ele. A consequência disto consistia em dirigir o analisante a uma identificação ao analista, eternizando os laços transferências.

O lugar do analista é denominado por Lacan, a partir do Seminário "A Identificação”, como sendo aquele onde habita um Sujeito Suposto Saber exatamente por que o analisante supõe que nada sabe e que seu sintoma tem algo a ser interpretado. Isso indica que o sintoma, tomado na transferência, está sob a égide de uma nova significação da qual o analista é o suporte. O sintoma, na vertente da transferência, inclui o analista na sua constituição, assinalando a ele um lugar no inconsciente: o analista é uma formação do inconsciente, nos diz Lacan. Isso nos permite compreender como o analista pode operar sobre o sintoma, partindo do fato de que ele não é exterior ao objeto sobre o qual vai intervir. O analista, portanto, não pode fazer como um médico que coloca o objeto de sua observação e experiência a certa distância. Talvez por isso pode-se dizer que sempre algo de sua ação lhe escapa. Lacan nunca cansou de afirmar, na contra corrente do que dissemos acima sobre o ideal do analista perfeito, que é muito importante que ele preserve a dimensão imaginária de sua necessária imperfeição, de jeito algum como invariável, sendo ele próprio sujeito às investidas do desejo. Claro que isso só é válido se seu desejo de sujeito não estiver aí implicado fazendo com que uma vacilação calculada da "neutralidade" possa valer como interpretação. Lacan, já neste texto, apresenta o analista como fazendo parte da fantasia do analisante. 

É desta forma que ele vai, desde o início, participar do jogo do significante nas formações que o analisante apresenta. Ele surge como uma variável que deve ser levada em conta a partir da estrutura da fantasia. Por isso o analista deve saber, e aí está a dessimetria fundamental em relação à díade amorosa, ele deve saber aonde vai, pois não pode ficar entorpecido pela fantasia do analisante que estabelece as bases da chamada neurose de transferência. Por isso o terceiro termo: a política da psicanálise.


  1. Lacan, J. A direção do Tratamento e os princípios de seu poder, in “Escritos”, Jorge Zahar Editor Ltda, Rio de Janeiro, 1966, Pag. 594
  2. Idem, pag. 595.

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