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terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

O Trabalho e o Amor (II)

Quanto ao que tantas vezes se fala: liquidar a transferência, será que na verdade o que isto aponta é para liquidar o sujeito suposto saber?
Este sujeito suposto saber alguma coisa de você, mas que na verdade não sabe nada pode ser considerado liquidado no momento quando, ao final da análise ele começa exatamente, sobre você pelo menos, saber um pouco. “É pois no momento onde ele toma mais consistência, que o sujeito suposto saber deverá ser suposto vaporizar. ... se o termo liquidação tem um sentido, a liquidação permanente do que se trata é deste engano por onde a transferência tende a se exercer no sentido do fechamento do inconsciente.” Este mecanismo se refere à relação narcísica, por onde o sujeito se faz amável. “De sua referência àquele que deve lhe amar, ele tenta induzir o Outro numa relação de miragem onde ele o convence de ser amável.”
A identificação especular, imediata é apenas a sustentação da identificação que está em jogo aqui. Ela sustenta a perspectiva do sujeito no campo do Outro, de onde a identificação especular pode ser vista sob um aspecto satisfatório. “O ponto do Ideal do eu de onde o sujeito se verá, como se diz, visto pelo outro - isso que lhe permitirá se suportar numa situação dual, para ele satisfatória do ponto de vista do amor. Entanto que miragem especular, o amor tem a essência de engano.” É aqui que se instala o único significante necessário a introduzir uma perspectiva centrada sobre o ponto do Ideal: I. Este ponto, para que possa se tornar o ponto de visada tem necessariamente de se referir ao objeto ‘a’, desta forma, teremos neste ponto, onde se instala o sujeito suposto saber, um I(a).
É nesta convergência onde a análise é chamada pela sua face de engano na transferência que algo de paradoxal acontece: a descoberta do analista. Isto só é compreensível se nós o situamos na ordem da relação de alienação. No entanto o ponto de vista do analisante é algo para além disto que se apresenta como traço de onde ele poderá ser visto como amável. Portanto é como se o analisante dissesse a seu parceiro, ao analista: Eu te amo, mas, porque inexplicavelmente eu amo em ti qualquer coisa mais do que tu - o objeto ‘a’, eu te mutilo.” Podemos continuar com esta suposta fala do analisante que, apesar do acento oral, nada tem a ver com a amamentação, mas sim com a mutilação: Eu me dou a ti, mas este dom de minha pessoa - mistério! se transforma inexplicavelmente em um presente de merda.
Quando esta virada é obtida com a elucidação interpretativa, compreende-se a vertigem da página branca, desta barragem sintomática de todo acesso ao Outro.
Podemos instalar aqui o primeiro andar do Grafo: do ​s(A) ao A.
 
O que se passa quando um sujeito começa a falar ao analista: na verdade é a ele que é oferecido algo que vai, de início, necessariamente, se formar em demanda que define, quaisquer que sejam suas necessidades, organizar seu menu das pulsões. Pulsões que se apresentam em sua relação ao objeto parcial.
Quanto ao analista, não é suficiente que ele suporte a função de Tirésias, é preciso ainda, como o diz Apollinario, que ele tenha mamas. “Eu quero dizer que a operação e a manobra da transferência são reguladas de maneira a manter a distância entre o ponto de onde o sujeito se vê amável, - e este outro ponto onde o sujeito se vê causado como falta pelo objeto ‘a’, e onde o objeto ‘a’ vem tampar a brecha que constitui a divisão inaugural do sujeito.
O pequeno ‘a’ não ultrapassa jamais esta brecha. Reportem-se ao termo o mais característico a apreender a função própria do objeto ‘a’: o olhar. Este objeto se apresenta, justamente, no campo da miragem da função narcísica do desejo, como o objeto ilegal, se podemos dizer, que permanece atravessado na garganta do significante. É neste ponto de falta que o sujeito tem onde se reconhecer.
Se tomamos o oito interior como a figura topológica que melhor diz desta situação que acabamos de descrever, vamos verificar que uma linha atravessa a curva por um ponto a ser determinado. Esta linha travessa, é para nos isso que pode simbolizar a função da identificação.
Todo trabalho que conduz o sujeito, que se diz em análise, a orientar seu propósito no sentido da resistência da transferência, do engano do amor, bem como o da agressão promove algo do fechamento, demonstrado pela própria curva que gira em direção ao centro: a identificação como conceito de fim de análise.
Mas existe um para-além desta identificação, e este para-além é definido pela relação e a distância do objeto ‘a’ ao grande I idealista da identificação.
Assim como tambêm existe uma diferença essencial entre o objeto definido como narcísico, o i(a), e a função do a.
Para concluir digo que, se a transferência é isso que, da pulsão, afasta a demanda, o desejo do analista é o que aí faz retornar a demanda. E por esta via, ele isola o objeto ‘a’,  ele o coloca à maior distância possível do Ideal ao qual o analista é chamado a encarnar. É desta idealização que o analista deve cair para ser o suporte do objeto ‘a’ causa de desejo, separado do Ideal.
Portanto, é para-além da função do objeto ‘a’ que a curva se fecha, aí onde ela não é jamais dita no que concerne à saída da análise. A saber, "após a distinção do sujeito em relação ao objeto ‘a’, a experiência da fantasia fundamental se torna a pulsão."
Por tudo isto que acabo de dizer afirmo, com Lacan que o desejo do analista não é um desejo puro. É um desejo de obter a diferença absoluta, aquela que intervém quando, confrontado ao significante primordial, o sujeito vem pela primeira vez em posição de aí se assujeitar. Aí somente pode surgir a significação de um amor sem limite, porque ele esta fora dos limites da lei, onde somente ele pode viver.

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