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quarta-feira, 5 de março de 2014

Sobre a experiência do Inconsciente (II)

Por tudo o que escrevi na última Postagem,  verifica-se Lacan questionando o sentido e seus limites na experiência analítica ao dizer que sempre que se manipula o sentido só se chega ao sem sentido. Para esclarecer esta afirmação ele vai trabalhar do sentido comum ao cómico. “O sentido comum se caracteriza por ignorar o sem sentido e se mantém como sugestão. Quer dizer que a base do sentido comum é o signficante amo, que ignora que ele mesmo é um sem sentido – o ignora no bom sentido, claro. É algo que se ignora quando se faz – com as melhores intenções do mundo, com compaixão – do significante amo o sentido comum.” É exatamente isso que mascara o sem sentido que vai ser desvelado no final da análise. Por isto se fala que o neurótico passa sua vida tentando salvar o Pai é essa uma das formalizações possíveis. O neurótico, e aqui as histéricas, estão a cavaleiro, procuram nada saber do cómico em jogo no sem sentido do significante mestre que o sentido comum procura manter a todo custo. 

Este significante que mantém o sujeito assujeitado a um sentido preestabelecido pelo circuito congelado de sua fantasia estabelece um sintoma fundamental. 

Este significante que o discurso do mestre aponta no algoritmo S1/$ é o que vai se colocar em condições de construir um chiste assim como o “familionário” - que Freud descreve no início de seu livro sobre a Psicopatologia da Vida Cotidiana - constitui-se em um novo significante. 

A forma deste significante se apresentar justifica-se pelo fato de que o cómico especula com o sentido ao mesmo tempo que tem um saber sobre o sem sentido. “Existe assim o insensato sobre o que pode jogar o cómico ali onde o sentido sugestiona.”


O sentido tem uma propriedade fundamental se ser o que nos fascina, na palavra. É interessante notar a homofonia desta palavra nos dizendo que algo se “faz sina” no sentido, traçando o destino do sujeito. O termo fascinação nos indica o que de imaginário permanece na função da palavra. 

Sabe-se por experiência da própria análise que a palavra faz vacilar o ser do sujeito e pode introduzi-lo na falta a ser, por outro lado sabe-se que nesse caminho permanece algo da fascinação do sentido, relançando o vetor do grafo para os velhos caminhos do sintoma. Neste ponto Lacan vai opor sentido e signo em seus escritos de 70.

Para esclarecer esta oposição pode-se tomar o que se diz sob o termo de mensagem cifrada, tão frequente nos escritos de Lacan quando ele se refere ao sintoma. Esta expressão, mensagem cifrada, traz em si mesma uma ambiguidade que vai permitir caminhar um pouco mais. 

Ao mesmo tempo que aponta, através do termo mensagem, à comunicação, uma mensagem cifrada pode nos levar ao equivoco de se pensar que falta um Código que poderia decifrá-la. 

No entanto esta expressão só poderá ser esclarecida se se  tomar por referência a libido, este mito freudiano, que Lacan vai substituir por seu conceito de gozo.

A perspectiva lacaniana sobre a experiência analítica se sustenta na formulação sobre o gozo que é descrito como verdade estrutural do mito freudiano que se estrutura nos desfiladeiros lógicos que Freud seguiu para decifrar os fenômenos inconscientes. Partindo deste princípio, o termo mensagem ficaria corroído pelo seu adjetivo cifra. A cifra consome a mensagem. O termo cifra está aí introduzido na vertente mesma do signo, reduzindo o gozo ao cifrado. “O gozo está no cifrado mesmo: é assim que se isola um efeito que não é do sentido.”

Esta formulação deixa entrever nas propostas mesmo de metáfora e metonímia, estes dois tipos de articulações significantes, onde o efeito de sentido que emerge na metáfora fica retido na metonímia. 

A proposta de que o gozo está na cifra implica que a articulação do significante produz um efeito distinto do sentido. Este outro efeito Lacan chamou de sentido-gozado (jouis-sens). É este efeito que escapou a observação dos linguistas e que só pode ser percebido se se leva em conta que o inconsciente está aí interessado. E uma das formas de se levar em conta o inconsciente é, sem dúvida, o sintoma que, em outras palavras, é como este efeito de sentido gozado introduzido nos estudos da linguagem.

O sintoma, que obriga a complementar o efeito de sentido com o de gozo, já foi abordado de várias formas ao longo da experiência analítica, como uma das formas da resistência se manifestar.

O significante introduz a diferença consigo mesmo porque para ele não há princípio de identidade. É a partir mesmo deste princípio que a cadeia signficante desliza. Em outras palavras pode-se afirmar que para o significante é impensável dizer que a=a. Esta distinção se mantém até ao infinito. Esta diferença cria o espaço onde se desenha o sujeito que, na sua singularidade é pura diferença. Destacar, no final de uma análise, a partir do desejo do analista, a pura diferença é, em outras palavras, fazer surgir o sujeito ali onde a identificação ao ideal da "não diferença" insiste em se apresentar. 

Com a letra, no entanto, é possível verificar o princípio da identidade onde a=a.
 
Quando se trata de um signficante pode-se pensar em S1 – S2, o que nos leva ao Outro enquanto lugar. Mas para a letra, uma só basta e não se concebe colocá-la em cadeia.
 
O sentido, portanto, coloca-se com respeito ao Outro, enquanto que o sentido gozado (Jouis-sens) não pode ser relacionado com o Outro. O sentido como sentido do Outro implica, além do mais, o desejo como desejo do Outro que, digamos de passagem, conduz à problemática mesmo do desejo do analista, quer dizer, aquilo que, como efeito de sentido, deve ser obtido do enunciado do analista.
 

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