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quinta-feira, 27 de março de 2014

Dos discursos e uma ética

Começar a escrever um texto, qualquer que seja ele, é sempre difícil. Colocar a primeira idéia é, muitas vezes até fácil, mais a seqüência..., a articulação... , isto sim complica bastante. Normalmente nos vemos às voltas com várias outras idéias que se apresentam como “boas idéias” mas logo em seguida se perdem quando, na seqüência, as articulações se mostram absolutamente ilógicas. Isto tudo não é sem conseqüências. Uns, talvez a maioria, desistem, deixando à sua frente uma folha de papel em branco; outros vão aos textos e, sustentando a hipóteses de que “há um Outro do Outro”, simplesmente transcrevem o já escrito na esperança de que assim estariam garantidos; outros, no entanto, buscam novas soluções: recorrem ao Outro, sim, enquanto tesouro de significantes para ali efetuarem uma escolha que, supõem, possa emprestar-lhes algum saber. Desta forma, produzem um texto que, exatamente por possuir um vetor qualquer, afasta a possibilidade imediata de uma sideração e suas conseqüências, que sabemos bem quais sejam.
Este processo, é verdade, se repete a cada instante para cada um na medida em que, mesmo sendo fato de estrutura aponta sempre ao particular. Dito de outra forma, encontramos no texto lacaniano a fórmula: “o significante, à diferença do signo, é o que “representa”, sendo o termo “representa” supostamente acentuado pela palavra “representante” e não pela palavras “representação” dado que representa um sujeito para outro significante. Como nada indica que o outro significante esteja inteirado do assunto, é claro que não se trata de representação, mas sim de representante”.
É aí, talvez, que se pode ler toda a potência do ato de fala, na medida em que o sujeito em questão não é nunca um dado a priori mas, ao contrário, efeito de um corte que se faz verdade. No principio era o verbo, ou o ato, como queiram, já que a palavra é um ato e como tal supõe um sujeito. Será diferente quando a escolha recair sobre uma eterna alienação onde a ex-sistência não vem se cumprir na sua função de suporte de uma cadeia significante.
O Matema que melhor diz disto é aquele do discurso do Mestre: S1/$ - S2/a
À ele, outros três seguirão. Estrutura fundamental onde a relação significante aponta para um sujeito que, sendo efeito, permanece sempre um sujeito-a-vir-a-ser, subordinado ao significante e colocando-se em conjunção-disjunção a um objeto que, sendo o produto da operação, torna-se resto para dizer, na sua impossibilidade estrutural, da uma insatisfação constitutiva do desejo..
Sustentar-se no semblante de mestria com o objetivo de manter sob a barra, eternamente, os elementos que podem explicitar aquilo que há de essencial no ser-falante – sua falta-a-ser – é uma missão impossível, pois a própria demanda que instaura o sujeito, enquanto desejante, coloca como resposta um apelo amoroso que não visa outra coisa senão, a essência do ser. Esta, sem dúvidas, representada pelo nada do conjunto vazio.
Partindo daí, um giro de quarto-de-volta pode acontecer explicitando a falta-a-ser, na medida em que um sujeito se faz semblante ao instaurar-se como demanda de Um que possa produzir o saber necessário para apaziguar o mal-estar provocado pelo simples fato de ex-sistir.
Momento crucial de um trabalho que se pretende analítico quando, desde o “mal-a-mais” que traz em seu bojo uma questão sobre a essência da verdade de quem padece, instala bem dentro de seu sintoma, a verdade que acredita ser o analista (a partir mesmo da suposição de saber que lhe é imputada).
Fundamental a sustentação deste lugar pois, antes de ser um ponto de onde se faz operar um sujeito suposto a este saber, é necessário saber em qual lugar é preciso estar para sustentar o saber próprio do analista, tendo em vista uma direção: ao final um saber suposto sobre o sujeito em questão deverá ser construído.
Posição ética, que nos coloca a questionar sua possibilidade quando se trata de uma instituição.
Falar e deixar falar, função básica de um trabalho que tem no estatuto do desejo sua ética que, por sua vez, só o é enquanto se faz práxis num campo, o da linguagem: campo que diz da tentativa de domínio daquilo que sempre escapa por entre os dedos todas as vezes que se quer aprisiona-lo – lalangue – onde o sentido brota do não sentido para deixar claro que não há nada na ordem da escrita, que possa dar conta da possibilidade da relação sexual.
Instituir um saber apriori, tomando-o a alguém que efetivamente tinha um “savoir-faire”, para tentar evitar os atropelos e tropeços do que surge sempre como novo em sua dimensão Real, é função da instituição que, assim, se coloca em oposição a um trabalho analítico, sem lhe apresentar flagrante avesso. Impasse cruel para com aqueles que ali levam uma demanda indiscutível, venha ela de onde vier, pois não há outro lugar que não seja um Outro.
Fazer operar aí, um Outro saber é tarefa árdua que requer de cada um trajeto próprio onde este saber se constrói para, uma vez instalado no lugar da verdade, deixar operar o que vem a ser semblante de causa de desejo.
Só assim vamos fazer valer o termo “representa”, utilizado por Lacan para nos dizer do que é um significante. Caso contrário, uma “representação” através de um saber aprioirístico, assentado sobre uma mestria que se faz de rogada, coloca-se como um semblante de um discurso normativo que vai produzir, no seu encontro com o que há de Real no outro, uma série consistente (no sentido de Cantor) onde a diferença fica excluída como mal-vinda neste uni-verso incontestável.
E a produção neste contexto, fica reduzida a um só texto que, multiplicado infinitamente, vai entulhar as prateleiras ou então, vai se deixar jogar no lixo para que o mal cheiro de seu apodrecimento possa vir denunciar uma certa estrutura, na esperança de se abrirem brechas nos ouvidos ensurdecidos, possibilitando a construção de um texto, este sim, absolutamente particular, onde um sujeito poderá se fazer enquanto desejante:    
a/S2 - $/S1 (Discurso do Analista)
                                                                       

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