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terça-feira, 2 de dezembro de 2014

O âmago da experiência analítica: Uma nova aliança pulsional (I)

Em seu primeiro encontro com o Outro, consequência da incidência de um significante, o sujeito tem de se haver com um real que não se subjetiva. Ponto de opacidade, nos diz Lacan, ponto de silêncio que indica o lugar onde poderá se edificar a determinação significante capaz de escrever o fenômeno sintomático, na esperança de se dar conta da impossibilidade que se instala na contingência deste primeiro encontro.  O sintoma é o que vai representar, manifestar, significar a verdade deste encontro. Verdade que nos diz do real do gozo que é produzido pela inclusão do significante traumático no sujeito.
Desta forma, o sintoma poderá ser tomado em duas vertentes: por um lado temos o sintoma como metáfora, na medida em que faz valer um significante do traumatismo, um significante que vai funcionar como um índex da memória do que foi encontrado como traumático. O sintoma como metáfora é um sintoma significante que está conectado ao gozo, sem sê-lo. Por outro lado, se seguirmos o desenvolvimento da teorização de Lacan, vamos tratar o sintoma como função da letra, como signo desta distância insuplantável com o real. É fundamental distinguirmos, aqui, a letra do significante pois esta se relaciona diretamente ao gozo, enquanto o significante está referido ao sentido gozado (jouis-sens). Pode-se explicitar duas definições do sintoma, por um lado um “memorial de gozo”, e por outro um “cativador de gozo”. 
Seja qual for a vertente, temos no sintoma o sinal de que alguma coisa não anda pois há um real que se coloca como uma pedra no caminho do sujeito: o real da privação que se explicita no fato de que homens e mulheres, desde sempre, estão privados do elemento que poderia propiciar a escritura da relação sexual. 
Esta impossibilidade, que não cessa de se escrever, promove o sintoma como única possibilidade de se fazer laço, ao mesmo tempo que se permite a uma leitura, uma vez que ele participa de uma escritura, função da letra. Por isso J-A. Miller, em seu curso “O Outro que não existe...”  nos diz que “o sintoma é uma mentira sobre o real ... especialmente um mentira sobre o real que a relação sexual não existe. (...) É bem por isso que Lacan pode dizer que é o sintoma que nós colocamos no lugar deste Outro que não existe. E, especialmente, é o sintoma que nós colocamos no lugar do outro sexo (...) talvez o único Outro que existe, é o sintoma.”
Há, portanto, um vazio sobre o qual o sintoma se apoia e vai construir seu envelope formal. Vazio que se instala no ponto mesmo em que a presença de um gozo singular, escandaloso foi recusado e recalcado pelo sujeito (Lacan nos lembra, em RSI , “O neurótico é alguém que não chega a atingir o que é para ele a miragem onde ele encontrará satisfação, a saber, uma perversão. Uma neurose é uma perversão que falhou - c’est une perversion ratée) . Isto que é recalcado, Freud definiu como sendo a pulsão que se apresenta com seu caráter intratável, rebelde e refratário ao laço social. No entanto, este mecanismo falha e o sintoma vai surgir como uma forma de inscrever o que insiste como marcas da singularidade do sujeito e de suas fixações.
O sintoma, assim como a cena da fantasia fundamental, nada mais são do que envelopes da pulsão, modalidades de seu exercício, formas que o sujeito busca para apreender um objeto, no campo do Outro, que lhe sirva de parceiro .

Este objeto, que Lacan denominou “pequeno a”, se define a partir dos orifícios do corpo e marcam o ponto por onde o sentido não se deixa apreender nas malhas do discurso. É este objeto pequeno “a” que apresenta o vazio em torno do qual a pulsão faz seu circuito desenhando uma escritura que situa a repetição do sintoma

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