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quarta-feira, 20 de maio de 2015

A REAÇÃO TERAPÊUTICA NEGATIVA UMA FORMULAÇÃO DA CLÍNICA (I)


“Entrei onde não sabia
e assim fiquei não sabendo
toda ciência transcendendo”
    (San Juan de La Cruz)


Várias são as dificuldades com as quais se depara quem trabalha com a psicanálise. Aliás, se não por estes, quais outros motivos nos fariam estar aqui hoje, escrevendo? Que outros, senão estes pontos, nos incitam ao convite feito por Freud, e retomado por Lacan, de reinventar a cada passo? Reinventar, claro, dentro dos limites de um campo onde se “constitui um discurso forjado por um dito e fundado sobre o impossível”: o campo freudiano.
Dentre estas muitas dificuldades que batem à nossa porta no dia-a-dia, escolhi trabalhar uma situação clínica bem específica: a reação terapêutica negativa.
Escutemos Freud, nos momentos de sua obra em que tratou de conceituar a reação terapêutica negativa. Em 1918, no texto que ficou conhecido como “o caso do homem dos lobos” aparece pela primeira vez a referência explicita a uma reação terapêutica negativa. “Durante o tratamento analítico ... (o paciente) tinha o hábito de produzir “reações negativas” transitórias; cada vez que alguma coisa tenha sido conclusivamente posta às claras ele tentava contradizer o efeito, por um certo espaço de tempo, agravando o sintoma que havia sido elucidado.”
Mas, no entanto, é no texto “O Eu e o Isso” e num outro, escrito um ano após, “O Problema Econômico do Masoquismo, que Freud vai tentar formular, definitivamente, o conceito de reação terapêutica negativa: “... cada solução parcial que deveria resultar, e em outras pessoas realmente resulta, numa melhora ou uma suspensão temporária dos sintomas, produz (nestes pacientes) uma exacerbação de sua doença momentaneamente; eles pioram durante o tratamento ao invés de melhorarem... a recuperação é vista como ameaçadora, como se ela fosse um perigo ... (esta reação) se revela como o mais poderoso de todos os obstáculos à recuperação. Mais poderoso do que os já conhecidos: inacessibilidade narcísica, atitude negativa em direção ao médico e o apego ao ganho secundário da doença”. 
Continuando sua conceituação, Freud associa a reação terapêutica negativa a fatores “morais”: “sentimentos de culpa que estariam encontrando sua satisfação na doença e que se recusa a abrir mão da punição de sofrimento”.
Mais alguns parágrafos e ele nos aponta a presença desta “reação” em um número de casos cínicos maior do que poderíamos supor, “talvez em todos os casos comparativamente severos de neuroses. De fato, continua Freud, pode ser precisamente este elemento na situação, a atitude do Ideal do Eu, que determina a severidade da doença neurótica”.
No texto, O Problema Econômico do Masoquismo, vemos delinear-se, definitivamente, a articulação desta “reação” com o super-eu, a partir da introdução do conceito de masoquismo primário: “porção da pulsão de morte que permanece dentro do organismo e que, com a ajuda da excitação sexual que o acompanha, ... torna-se libidinalmente ligado aí. É neste texto que Freud corrige o termo que ele mesmo havia criado: “sentimento de culpa inconsciente” para: “necessidade de punição”, e atribui ao “sofrimento produzido pelas neuroses, o fator que as faz valiosas às tendências masoquistas”. Sofrimento este que tem, entre outras causas, a angústia com a qual o eu reage “à percepção de que ele não deu conta das demandas feitas pelo seu ideal, o Super-eu”.
Pois bem, escolhido o conceito a ser trabalhado, resta-nos saber qual, dentre as muitas formas com que se apresenta este tipo de “resistência” ao trabalho analítico vamos tomar como motivo nesta nossa tentativa de formulação.  Escolhi uma forma que há muito vem me causando indagações. Refiro àquelas situações, tão freqüentes, nas quais nos deparamos com os “bons analisandos”. Aqueles que fazem “tudo o que podem” para que a análise dê os melhores resultados mas que, mesmo assim, seus sintomas pioram ou, no mínimo, não se modificam em nada: “nada adianta”. Aqueles que, tão logo o analista faça uma pontuação qualquer no relato de um sonho, vários outros são trazidos na sessão seguinte. Ou, num outro momento, é a escanção de um significante que é prontamente seguida de uma séria infinda de outros. Ou, ainda, um corte de sessão é logo acompanhado de um relato de situações semelhantes ao fato que precipitou o corte anterior, na expectativa de que um outro corte aconteça. Assim, a cada passo, onde algo deveria ocorrer no sentido de uma “melhora” ou, para dizer de um outro lugar, no sentido de uma mudança de posição do sujeito a partir do que seria um despertar, escutamo-los dizerem: “continuo na mesma”, ou então, “estou cada vez mais angustiado... É ... realmente ... nada adianta.”
 Em outra palavra podemos dizer que nossas intervenções parecem sempre não surpreender o sujeito naquele ponto onde elas poderiam produzir algum efeito: no vacilo, naquele instante “pontual e evanescente” em que ele, já quase sabendo, se apresenta no só-depois de sua construção como apenas um representante. Ao contrário, o que percebemos desenrolar-se nestas situações é a presença de um analisando sempre alerta, atento a tudo, e que está sempre tomando cada intervenção do analista com uma demanda. Demanda que, confundida com o desejo do Outro, opera como imperativo do super – eu: GOZE ! E para que isto possa acontecer, “nada” pode faltar. Para que isto possa acontecer é fundamental que o acesso do sujeito barrado – que o discurso sustentado por estes analisandos coloca no lugar de agente ao Outro seja estabelecido plenamente.
 $  ——->  S1
a        //       S2
A razão disto nos sabemos: agindo assim pode-se continuar sustentando uma certa crença: a relação sexual existe !! , mesmo que já esteja mais do que sabida a existência de uma certa falta que, enquanto furo no simbólico, está todo o tempo dizendo exatamente o contrário.

Dito isto, um caminho se apresenta para trabalharmos esta situação clínica que identifico como sendo uma reação terapêutica negativa: partindo do que podemos chamar, com Lacan, “o envelope formal do sintoma” tentaremos “desmascarar as primeiras relações objetais que se acham por traz” dele, como nos indica Freud.

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