Proponho continuar pelas fórmulas que Lacan reúne num quadro e que são conhecidas como “fórmulas quânticas da sexuação” - que podem ser encontrada no Seminário XX à página 105 da Edição da Zahar Editores no início do capítulo que se intitula: Letra de Uma Carta de Amor.
Após descrever as fórmulas de quantificação lógica que se encontram nos dois espaços superiores, - estes espaços que nos dizem “das únicas definições possíveis da parte dita homem ou mulher por esse que se acha estar na posição de habitar a linguagem” – Lacan nos diz o que se passa “sob a barra transversal onde se cruza a divisão vertical disso que se chama impropriamente humanidade, na medida em que ela se reparte em identificações sexuais”.
É neste ponto, onde as “identificações sexuais” se repartem que penso encontrarmos subsídios para trabalharmos o sintoma que lhes descrevi e que se apresenta, na transferência, durante o tratamento das histéricas. Assim fazendo, chegaremos a uma estrutura que possa nos dizer das “primeiras relações objetais”.
Se observarmos o lado homem, no quadro acima, veremos que quem se posta aí, estará inteiramente submetido à função fálica, a partir mesmo da exceção que se impõe. É o sujeito barrado e o φ “que o sustenta como significante ... este significante do qual não há significado, e que quanto ao sentido, aí simboliza o fracasso. É o meio-sentido ... esse $ que só tem a ver enquanto parceiro, com o objeto ‘a’ inscrito do outro lado da barra. Só lhe é dado atingir seu parceiro sexual que é o Outro, por intermédio disto, de ele ser a causa de seu desejo ... ”
Do outro lado, à direita, vemos surgir aqueles que “assumem o estatuto da mulher”. Aqueles que, pelo fato de não existir a exceção que possa fazer a regra: ser toda submetida à função fálica, permanecem como “não-toda”, apontando para o que poderíamos chamar uma falha na metáfora paterna: “na substituição da mãe pelo pai, no Édipo feminino, não se forma um significado novo que daria, como conseqüência, uma identidade propriamente feminina”.
Assim, parte submetida ao falo, parte numa relação ao Outro exatamente aí onde é não-toda, a mulher tem “que optar entre três soluções: ou aceita sua falta de identidade e se presta à mascarada fálica à qual convida a lei do significante (o matena $———>a, apresentado no quadro da sexuação, talvez possa nos dizer disto); ou recusa o que considera como derrota e se obstina numa reivindicação de tipo histérico (é o matema La/ ———>S(A/)); ou ainda retorna à fase anterior e se entrincheira numa posição toda masculina, como a homossexual (La/—-> φ).”
Três opções. Três maneiras diferentes de lidar com o que escapa à função do significante fálico e a joga de encontro “a este lugar onde a verdade balbucia”. Talvez por isso Lacan tenha dito que as mulheres são as melhores analistas... ou as piores. Se lhes é possível, já que sabem como ninguém desta falta-a-ser, prestarem-se a sustentar este lugar do analista enquanto falta, vamos ter efetivada a primeira parte do dito lacaniano. Se não, vamos encontra-las fazendo de sua opção um sintoma onde tentam sustentar a possibilidade da relação sexual, negando esta parte de sombra inexplorável que permanece em consequência de, talvez, terem tido uma mãe que, se interpondo em curto-circuito na relação da menina ao objeto de seu desejo, interditou-lhes uma relação própria à ordem simbólica, condenando-lhes à imitação, à repetição e a recriminação sem fim. Ou seja, instalou-se nesta relação especular a violência de um Ideal do eu em que a demanda de manter inteira esta Outra tornou-se seu sintoma. Assim, é enquanto sintoma que a mascarada fálica se instala na transferência repetindo aí a tentativa de “dar conta” desta demanda, vestindo-se imaginariamente deste objeto causa de desejo, ao mesmo tempo em que empresta ao outro o significante amo (S1), do qual espera obter o saber sobre o mais-de-gozo com que se fantasia ($<>a —->A/)
Desta forma um circuito se inaugura, onde vemos se esgotar toda as tentativas de sustentar a ciranda que tem como centro exatamente isto que, traduzido como impotência ante a enorme demanda do Outro, faz circular o sintoma a partir mesmo do que escapa à cadeia simbólica na sua tentativa de estabelecer um sentido qualquer. Isto que escapa, e que Freud nos diz estar sinalizado pela angústia presente no ponto onde “não se deu conta das demandas feitas pelo seu ideal, o super-eu”, não é outra coisa senão o que verdadeiramente vai dar sentido ao sintomas: “o real, na medida em que se coloca em cruz para impedir que as coisas andem”.
E assim, enquanto circula esta ciranda que, certamente tem a quem endereçar-se, a histérica se coloca sob o regimento homeostático do princípio do prazer, deslocando para o outro o gozo que não tem como delimitar no próprio corpo. Aceitá-lo seria aceitar sua própria falta. É o outro, enquanto semblante do significante amo que pode sustentá-la neste lugar, deixando-lhe apenas a angústia onde um desejo deveria existir.
E o analista ?
Se ele, como nos diz Freud, não desmascara estas relações objetais primárias, não pode nunca ter certo o final de seu trabalho. Mas se, por ventura, deslocar-se prematuramente através de uma conduta puramente interpretativa, privando a histérica da identificação que o sintoma lhe confere, ou seja, privando-lhe de “conservar este pouquinho de gozo fálico que lhe possibilita a inscrição de um passado e que mantém sua esperança de um futuro melhor”, pode-se deparar com um final que se resume na dissolução imaginária.
Estando essencialmente ligada ao tempo e a seu manejo, a transferência é o campo onde a reação terapêutica negativa vai se resolver. É aí, neste campo, que vamos poder abordar este sujeito “que não pode ser outro que o sujeito da ciência” este que se encontra suspenso entre a verdade e o saber, com o qual mantém uma relação apenas pontual e evanescente. É aí, nesta divisão do sujeito por onde se estrutura o campo psicanalítico: o objeto ‘a’.
Assim, se há um saber em jogo na transferência, este é o do sujeito suposto saber, que deverá deixar lugar para um outro saber que advém da ética própria à psicanálise: não devemos ceder do nosso desejo, se é nosso objetivo manter viva a causa que impulsiona o analisando a entrar onde não sabia para lá, produzir um saber textual que o traga de volta desta transcendência seguindo as marca que deixou pelo caminho percorrido, ancorado na estrutura fundamental do seu desejo que se articula na cena da fantasia fundamental.
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