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sexta-feira, 6 de novembro de 2015

“A Nomeação” Sobre o nó Borromeu ou Por uma clínica das suplências (II)

Da forclusão generalizada e das suplências

Foi no seu texto sobre “A questão preliminar a todo tratamento possível da psicose” que Lacan pensou numa suplência possível no “vazio repentino percebido na Verwefung inaugural”. No entanto, foi só no fim de seu ensino que ele deu a esta função toda a sua extensão.
A mudança do estatuto do Outro, no curso de seu trabalho foi o responsável por esta valorização da função de suplência pois, na sua elaboração, ele deixou de partir deste Outro para dar ênfase ao UM, quer dizer, a uma axiomática do gozo.
Nos primeiros tempos, nos tempos do “Esquema L”, bem como da “Questão Preliminar”, era da dialética do sujeito e do Outro que se tratava, como hipótese central. O Outro, então, era completo e consistente: o Outro verdadeiro e absoluto que poderia anular o sujeito e que comportava sua própria garantia. Podemos dizer que o Outro do significante era completado pelo Outro da lei, havia um Outro do Outro que fazia a lei ao Outro. Seu significante era o Nome-do-Pai: “Quer dizer (o) significante que, no Outro, enquanto lugar do significante, é o significante do Outro enquanto lugar da lei”. Em outras palavras, o Outro conteria seu próprio significante: o Outro do Outro existe.
Foi a partir do Seminário sobre a Ética que Lacan fez valer, no processo de simbolização, a absorção da Coisa no Outro. A linguagem apaga o gozo e o reabsorve, deixando um resto que é o objeto a, mais-de-gozar, irredutível a um significante.
Foi desta forma que o Outro constituiu-se em um conceito organizado em torno de um nó, um vacúolo de gozo, um ponto de extimidade. Tem-se, portanto um Outro marcado por uma falta central: (S(A/). Este ponto de extimidade representado por um significante diferente dos outros, na medida que é o significante sem os quais os outros nada representarão, mas concebido como extimo, ele mesmo, em relação aos outros.
Por isso que Outro será marcado pela inconsistência, pois somente um elemento heterogêneo poderia vir no lugar desta falta. Foi só depois desta constatação que Lacan pode escrever, em “subversão do Sujeito...” que “o Outro não existe” e que “não há Outro do Outro”.  Valorizando assim o que, verdadeiramente, funda a alteridade do Outro: o objeto a como resto não simbolizado da Coisa.
Ao fazer esta passagem, Lacan vai de uma axiomática do desejo para uma axiomática do gozo, fazendo pensar a fala não mais como veículo de comunicação, mas como veículo de gozo.
Foi neste contexto que Lacan, no Seminário “Encore” forjou o conceito da Lalangue, um simbólico disjunto do Outro e referido ao UM. Colocar assim, o acento sobre o “há do UM”, é colocar o gozo e Lalangue como prévios à linguagem como estrutura, prévios a um Outro que se apresenta, desde então problemático.
Após estas suas últimas formulações é que Lacan pode tirar as consequências da divisão do Outro (A) e da função do S(A/). Foi quando pode-se depreender a função do Nome-do-pai como um tampão desse A/. Função esta que, mesmo sendo operatória, vai deixar-se ver como um mito freudiano e desvelar-se como não única, pluralizando-se, como suplências à falência estrutural do Outro.
Em outras palavras, ao Outro falta-lhe seu próprio significante, ele é foracluido, e isto é fato de estrutura que se generaliza, portanto, como qualquer coisa “a menos” fazendo com que o Nome-do-pai apareça como algo “a mais”, como um complemento.
É neste ponto que podemos fazer entrar em cena a topologia do Nó Borromeu como um esforço para pensar a estrutura: o simbólico, fora de uma referência ao Outro, transformando-o como condição de possibilidade para se pensar a experiência analítica.
O objetivo principal de Lacan, como já vimos, foi de colocar “uma medida comum”, assim buscou abrigar o UM, o gozo, a partir dos três registros Real, Simbólico e Imaginário. Eles são registros fundamentalmente heterogêneos que suportam o ser falante, na medida em que um gozo aí se encontra encerrado.
Ao se enlaçarem, estes três registros perdem sua diferença e o nó borromeano se torna uma quarta entidade, nova: é a medida comum, mínima, de qualquer maneira a solução ideal, talvez mítica.
Em Freud, como observa Lacan, estes três registros são deixados independentes, à deriva. Isto o levou a conceber o que chamou de “realidade psíquica”, que nada mais é que o complexo de Édipo, ou seja o que veio fazer o enlaçamento dos outros três termos, dos três anéis livres: R, S. I.
O complexo de Édipo cumpre, nesta figuração de nó a quatro, o que o enlaçamento borromeano realiza implicitamente no nó de três.
Em outras palavras, podemos dizer que este quarto anel vem disfarçar o ponto de não enlaçamento que designa a foraclusão.
No Nó borromeu no entanto, mesmo estando implícito este quatro termo como vimos a pouco, é necessário um quarto anel, explicito, suplementar, que faça suplência no ponto de foraclusão, para restituir uma estrutura de enlaçamento borromeano.
Este quarto anel, refere-se à “função radical do Nome-do-Pai que é de dar um nome às coisas com todas as consequências que isso comporta, até gozar, notadamente” (Lacan, RSI). Dar um nome: é aí que “o falatório se enlaça a qualquer coisa de real”.
No nó a três tem-se uma solução perfeita, “os Nomes-do-Pai são isso, o Simbólico, o Imaginário e o Real; esses são os nomes primeiros, na medida que eles nomeiam qualquer coisa”. Isto quer dizer que qualquer um dos três, não somente é um nome, mas também enlaça os dois outros, e como terceiro traz igualmente a eficiência do enlaçamento como quarto nó implícito. 
Quando Lacan vai estruturar o nó a quatro, ele o faz complementando, fazendo suplência a um dos três na sua função primeira que é de dar nome, nomear. Dito de outra forma, dar um nome, nomear, é onde reside a suplência, isso que vai responder a S (A/), à falha do Outro.
É por isso que Lacan vai poder propor as “três formas do Nome-do-Pai”, aqueles que nomeiam o Imaginário, o Simbólico e o Real. Como se constata, “não é necessário que o simbólico tenha o privilégio dos Nomes-do-Pai, não é obrigado que a nomeação seja conjunta ao buraco do simbólico” (Lacan, RSI).
Assim Lacan acrescenta à nomeação do simbólico como sintoma, as nomeações do Imaginário como inibição e a nomeação do Real como angústia.
Pode-se, então, depreender que Lacan vai valorizar o sinthoma como quarto nó, como suplência à função do pai, como um dos Nomes-do-Pai necessários a disfarçar a falha estrutural do Outro, e realizar o enlaçamento do R, S e I.
Este quarto nó, como Lacan diz no Seminário sobre Joyce, traz um tipo de renovação do estatuto do simbólico.

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