Resumo aqui alguns pontos que considero importantes para a direção do tratamento:
1 – É um conceito especificamente analítico que acontece quando algo falha. Trata-se de um processo de ejeção e de um retorno à análise.
Pode até mesmo se referir à análise quando ainda não está no curso de seu desenvolvimento. P.ex. quando temos um conjunto de comportamentos passionais que se resolvem pela entrada em análise. Comportamentos estes que podemos qualificar de prefácios que já fazem parte de um texto – o discurso do sujeito já é um discurso de analisante, mesmo que o sujeito não o saiba, mas o “acting-out” só é identificado no "só depois", no divã. Já, em contra partida, temos aqueles que nos dizem de uma saída prematura, cujo melhor exemplo nos é dado pela análise de Dora e o mea culpa de Freud.
2 – O “acting-out” está inserido no mesmo nó da transferência e ele não passa de um de seus aspectos, já que está na dependência do suposto saber que a sustenta. Nesta perspectiva Lacan nos apresenta uma oscilação interessante que pode ser assim descrita:
a – Transferência sem análise – quer dizer ausência ou falha do analista resultando no “acting-out”. O ex. maior na história da psicanálise é a relação de Freud a Fliess que termina no texto “Esboço de uma psicologia científica” que nada mais é do a inscrição deste “acting-out”.
b – Quando o “acting-out” se precipita na análise e se sustenta na referência ao analista. Neste caso temos a transferência.
3 – O “acting-out” acaba por dar acabamento às bordas da situação analítica fazendo com que o analista se questione sobre tudo aquilo que escorrega para além destes limites.
Ele não é um sintoma do analisante ou do analista: é um sintoma da conduta da própria análise, significando o que se passa aí como conseqüência dos sintomas dos dois parceiros: ele diz a verdade.
4 – O “acting-out” é uma resposta. É uma mostração endereçada, sem latência, mas não sem agressividade, a um outro que tem de participar. É uma resposta sem palavras que aí não aparecem para sustentar o efeito de significante surgindo apenas como um relato ou comentário, secundariamente. Ele surge como uma busca de uma interpretação de forma forçada endereçada ao outro (com um pequeno “a”). Este aspecto é mais uma diferença entre o “acting-out” com a interpretação que, se basta, se satisfaz por si mesma e não demanda interpretação, mesmo que saibamos que ela contém uma mensagem endereçada ao Outro com A maiúscula. (A interpretação que Freud jamais obteve de Fliess, pois este nunca foi analista.)
O “acting-out” é uma história sem palavras, uma cena produzida pelo inconsciente a partir de uma rememoração que se apresenta na realidade em lugar de ser exposta num sonho ou dita no terreno do jogo transferencial: trata-se de uma outra cena.
5 – É uma resposta dirigida a um outro que não está, ou não está mais, em posição de analista. Em outras palavras, a um fading do analista na sua posição de interpretante. Uma passagem, portanto, do discurso do analista a um outro em função do sintoma do analista levando o sujeito da transferência ao “acting-out”: o sujeito não está aí designado e ele mostra algo: ele crê saber a quem, mas ele não sabe de onde e nem o que: existe aí algo da ordem de um forçamento, da provocação para reabrir o que o analista fechou. Este episódio de falta de palavras em um processo que se supõe sustentar por elas é conseqüência do deslizamento do analista de sua posição levando a uma situação de transferência sem analista. Isso acontece sempre que o analista deixa seu lugar, ou seja, deixa de sustentar um espaço onde o objeto ‘a’ possa reinar como semblante. Podemos explicitar esta situação através de três pontos:
a – quando ele escorrega para a posição de mestre,
b – quando ele, acolhendo seu próprio sintoma, fala como analisante,
c – quando, abandonando a cena analítica pela realidade do mundo, ele passa ao ato.
Em resumo, abandonando seu lugar e o discurso que lhe compete, ele produz uma transferência selvagem e sua resposta sem palavras. Em outras palavras pode-se dizer que o “acting-out” se produz quando o suposto saber que sustenta a transferência deixa, por uma falha de seu discurso, surgir algo do real.
6 – O “acting-out” não é da ordem do significante, já que a falha de simbolização anunciada pela ausência de uma interpretação apaga o efeito significante. Por isso podemos dizer que o “acting-out” é da ordem do signo, ou seja, ele representa qualquer coisa para qualquer um. É isso que faz enigma, portanto, sentido. O importante é que, no “acting-out” o sujeito não fala do seu lugar, ele não se designa como “eu” (je): ele não sabe o que diz, o que implica que ele não pode por si mesmo, partindo de seu “acting-out”, reconhecer o sentido no qual está submerso.
Pode-se dizer que temos aqui uma referência a um significante desaparecido: neste limite do indizível, o “acting-out” coloca em cena o que foi rejeitado, segundo o mecanismo da Verwerfung: o simbólico do discurso impossível é posto em ato no campo do real. Por isso a urgência de restabelecer o Outro como interpretante para que possa se restabelecer a situação analítica. Assim diz o analisante nesta situação específica: “Você não compreendeu nada do que lhe disse, olhe o que se passa!” Dito de outra forma: para além da irritação desta incompreensão, existe uma passagem da passividade do deixar dizer à atividade da mostração. O analisante torna-se ativo: ele coloca em cena o discurso que o colocou em cena, ou seja, sua fantasia fundamental. Assim fazendo o analisante deixa de ser aquele que apenas acompanha o jogo da produção de seu inconsciente que aí está para ser dirigido (S1/$) ele se coloca em posição de mestre, fora do discurso. Ele representa o que não pode dizer.
7 – Partindo do princípio que o analisante toma uma posição ativa no real de um prazer que ameaça se repetir pode-se dizer que existe a mesma relação do “acting-out” ao princípio do prazer que se observa no jogo da criança e o carretel, este momento de assumir o simbólico para dominar o real. Trata-se, na linguagem freudiana do agieren: a colocação em cena comentada de duas palavras e a mostração de sua relação ao outro faltante. Ao constatar a perda da mãe e faltando quem lhe transmita uma interpretação deste fato, a criança estabelece uma cena onde a bobina rejeitada pode ser recuperada, ao mesmo tempo em que um espaço vai se construindo em torno de duas palavras: Fort e Da.
8 –Pode-se situar o “acting-out” entre o discurso e o sem-palavras, um ponto de meio-dizer, um ponto de verdade: aquele onde o recalque é dito, mas onde o recalcado é morto: a Verneinung.
Como no primeiro movimento da Verneinung, há no mecanismo do “acting-out”, recusa e rejeição. Rejeição do dizer angustiante do Outro, arrebatando, por uma clivagem entre o simbólico e o real, a necessidade de uma outra resposta diferente do linguajar comum.
9 - O “acting-out” é da ordem do evitar a angústia: a angústia diante algo do real que a falha do Outro deixou passar ao campo analítico.
Quando o analista – por falha de uma interpretação que ali deveria acontecer, por uma passagem ao ato que o indica em posição de mestre, pelo desvelamento de um sintoma que o designa como sujeito, por um dizer que descobre seu próprio desejo – sai do discurso analítico – quando está fora (out) deste discurso – o analisando não pode permanecer ali sozinho e o segue: out.
10 - A interpretação selvagem, como uma forma de desprezar o saber analítico no que diz respeito a seus efeitos, é uma forma do discurso do mestre. O analista, neste caso, não sustenta o lugar de suposto saber e se lança na mestria transformando a situação em transferência sem analista: “acting-out”. Em outras palavras, quando o analista deixa este semblante e se confronta ao real, o analisante vai pelo mesmo caminho: sideração e angústia, onde a histerização se torna necessária e impossível pois o real a interdita, o discurso se cala – é a angústia.
11 - O “acting-out” é o efeito do encontro com o objeto “a”: efeito de angústia que, mais além da linguagem, impõe a motricidade, mas dentro da cena, como já assinalamos acima.
12 – Diferentemente do “acting-out”, a passagem ao ato é o ultrapassamento da cena, cena imposta ou organizada pelo próprio sujeito: o ultrapassamento da cena em direção ao real; imediata. A passagem ao ato é tipicamente um salto no vazio. No caso da jovem homossexual Freud descreve estas duas situações que são: Quando a paciente está a passear com a mulher a quem ama, mostrando-se ao pai, temos um “acting-out”; quando ela pula o parapeito temos uma passagem ao ato.
Nenhum comentário:
Postar um comentário