Total de visualizações de página

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Da transferência à interpretação” (I)

E “no princípio da psicanálise está a transferência!” Com esta afirmação Lacan retoma o tema da transferência em um texto, “Proposição de 9 de outubro sobre o psicanalista da Escola”, que trata da formação do analista e, principalmente, do final de análise, além de trabalhar como este final de análise vai se articular com a vida institucional.
No começo está a transferência, continua Lacan, “graças àquele que chamaremos, no despontar desta formulação, o psicanalisante”.
O que interessa então, a Lacan, é que a transferência está no começo da psicanálise e, passando pela interpretação, vai-se retornar sobre este princípio resignificando o que estava no início.
Já no texto “A direção do tratamento...”, Lacan vai apontar, não explicitar, uma diferença fundamental da transferência no princípio e no final de uma análise e articula-la com a interpretação. Há uma passagem onde Lacan vai explicitar a importância da transferência e os desvios que ela sofreu ao longo do tempo e propor  a reinvenção da psicanálise, remetendo-nos ao seu ponto de partida: “C.Q.N.R.P.D (Ce que nous ramène au problem de départ = O que nos leva ao problema do início) ou seja, devemos retomar a questão da transferência perguntando: “Quem é o analista? Aquele que interpreta tirando proveito da transferência? Aquele que a analisa como resistência? Ou aquele que impõe sua idéia da realidade?” Enfim, questionar a transferência desde sua matriz imaginária, sendo que o “O” (“Ce”) é a interpretação.
 
Minha proposta para hoje será começarmos a discutir a questão da estratégia da transferência e sua articulação com a direção do tratamento.
 
Quando Lacan, em 1953, com o texto “Função e Campo da Fala e da Linguagem” resgata para a psicanálise o poder da palavra, redesenhando a função do simbólico diante do enlouquecimento imaginário dos autores pós-freudianos, deu-se o início de um  longo caminho: repensar a interpretação analítica, tanto no que diz respeito à sua forma, sua eficácia, como, também, à função do analista.
Num primeiro momento, que podemos definir com J.A.Miller de fase “hegeliana”, se opunham palavra plena e palavra vazia. O que sustentava a interpretação, nesta época, era a possibilidade de um encontro com uma “verdade feita de completude”. A partir desta idéia acreditava-se que as lacunas da história de um sujeito pudessem ser preenchidas e este sujeito seria, então, “incluído no seio da razão universal”.
A palavra plena era colocada como aquela que “constitui o sujeito na sua verdade” em oposição à palavra vazia, onde o sujeito “se perde no discurso da convicção, em razão das miragens narcísicas que dominam a relação ao outro de seu eu”. Neste contexto ficou estabelecido que era na medida em que o analista fazia calar nele o discurso intermediário para se abrir à cadeia das palavras verdadeiras, que ele poderia, aí, colocar sua "interpretação reveladora”.
Este é tempo em que o Esquema L fazia bem mostrar do que se trata.
Neste esquema temos um eixo imaginário sendo cortado por um eixo simbólico. Sobre o eixo imaginário vai se sustentar o que Lacan chamou de palavra vazia, onde predomina a relação narcísica que se faz presente numa luta de puro prestígio e sustenta uma relação mortífera, aonde o jogo de imagens vem dizer da impossibilidade da comunicação onde o mal-entendido esteja afastado. O eixo simbólico será o corte que uma intervenção da palavra plena vai produzir trazendo ao sujeito uma possibilidade de se localizar em relação a um Outro de boa fé, lugar da lei, do código, lugar onde se coloca a questão sobre sua existência. Neste lugar sua palavra pode ser traduzida em mensagem e retornar sobre si mesmo desenhando uma possibilidade de saída do impasse narcísico.
(Vejam o Esquema L no texto "O Seminário sobre a 'Carta Roubada', in Écritos, pág.58)
A própria clínica, no entanto, vai contestar esta construção “hegeliana” exigindo uma nova elaboração. Será no texto “A instância da letra...”, que a primeira concepção de “interpretação reconciliadora” vai ser substituída pela “concepção de um sujeito definido não pela fala, mas pelo escrito: "entre metonímia e metáfora se constitui um sujeito estritamente determinado pela sua relação à escritura... e reduzido a um vazio, a um corte fundamental”. Este passo foi importantíssimo para que se abrisse um espaço às elaborações futuras da interpretação, na medida que, “como técnica do escrito ... reenvia a operações que são compatíveis com o silêncio”.


Nenhum comentário:

Postar um comentário