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terça-feira, 12 de novembro de 2013

O matema da transferência e o Sujeito Suposto Saber na Segunda Clínica

No Seminário XI Lacan vai trabalhar de maneira consistente o conceito de Sujeito Suposto Saber e o Desejo do Analista traçando, com precisão, o ponto em que se articulam. Este tema está indissociável da formação do analista. No início do capítulo que XVIII, está explicitado que o ensino de Lacan visa a formação de analista. Talvez seja uma resposta direta à proibição que ele acabava de sofrer por parte de seus colegas que dirigiam a IPA, de tomar candidatos em análise e de fazer a transmissão de seu ensino. A verdade é que nesta lição dedicada ao Sujeito Suposto Saber vamos poder discernir algumas passagens que são como fragmentos de técnica analítica. Para não me alongar muito vou destacar apenas a recomendação a uma análise pessoal como única forma de não cair na ordem da cerimônia, assim como o fato de que diante da falta de garantias apresenta-se o que o analista obtém do analisando que é, como exprime Lacan, “de um preço inestimável – a confiança enquanto tal, e os resultados que isto comporta pelas vias de uma certa técnica. Ora, ele não se apresenta como um Deus, ele não é Deus para seu paciente. O que significa, então, esta confiança: Em torno do que ela gira?”
“Sem dúvidas, para aquele que aí faz confiança, que recebe a recompensa, a questão pode ser elidida. Ela não o pode ser para o psicanalista. A formação do psicanalista exige que ele saiba, no processo no qual que ele conduz seu paciente, em torno do que o movimento gira. Ele deve saber, a ele deve ser transmitido, e em uma experiência, isso onde ele retorna. Esse ponto pivô é o que eu designo, diz Lacan, sob o nome de desejo do psicanalista.”
Saber e desejo estão aqui articulados e, mais ainda, fazem com que a transferência, sendo um fenômeno essencialmente ligado ao desejo, como dissemos na introdução, estabeleça uma possibilidade ali mesmo onde Eros se afirma: neste Sujeito Suposto Saber que condensa a função da transferência enlaça amor e saber em torno do vazio do desejo. “O eixo, o ponto comum (portanto) é o desejo do analista, que eu designo aqui como uma função essencial", nos diz Lacan. "Esse desejo (...) é precisamente um ponto que só é articulável pela relação do desejo ao desejo.”
Esta presença do desejo do analista como articulador da transferência se estrutura em torno do fato que “o desejo do homem é o desejo do Outro”. Esta afirmação acompanha Lacan desde os primórdios de seu ensino e, ao ser retomada no final do Seminário XI nos aponta aonde é que se engancha esse ponto de passagem da primeira para segunda clínica, quando se trata do Sujeito Suposto Saber: “Na relação do desejo ao desejo, algo é conservado da alienação, mas não com os mesmos elementos – não com esse S1 e esse S2 da primeira dupla significante, de onde deduzi a fórmula da alienação do sujeito (...) – mas de uma parte, com que é constituído a partir do recalque originário, da queda, do Untedrückung, do significante binário – e de outra parte, com o que aparece primeiro como falta no que é significado pela dupla dos significantes, no intervalo que os liga, isto é, o desejo do Outro.”
Podemos, agora sim, entrar na construção e manejo do matema da transferência, onde poderá se explicitar a função do Sujeito Suposto Saber.
Partindo do princípio de que o Sujeito Suposto Saber é o pivô da transferência, Lacan vai dizer que um sujeito só é suposto pelo significante que o representa para outro significante. Daí o matema que se constrói, penso eu, a partir mesmo do que trabalhamos quando tomamos a célula básica do Grafo:
 
               S                              Sq
               s (S1, S2,S3,.... Sn)
 
Assim Lacan justifica os elementos deste matema: “Reconhece-se na primeira linha o significante S da transferência, quer dizer de um sujeito, com sua implicação de um significante que diremos qualquer um, quer dizer que não supõe que a particularidade, no sentido de Aristóteles, que por esse fato supõe ainda outras coisas. Se ele é nomeado por um nome próprio, não é porque ele se distingue pelo saber, como veremos. Sob a barra, mas reduzida ao palmo do primeiro significante: o s representa o sujeito que daí resulta implicando no parênteses o saber suposto presente, dos significantes no inconsciente, significação que tem o lugar do referente ainda latente nessa relação terceira que a acrescenta ao par significante-significado”
Por isso, mais adiante neste mesmo texto, Lacan vai afirmar que a transferência “só se desenvolve ao preço do constituinte ternário que é o significante introduzido no discurso que aí se instaura, aquele que tem um nome: o sujeito suposto saber, formação, ela, não de artifício, mas de veia, destacada do psicanalisante.”
Esta posição nos diz que o que “importa aqui é o psicanalista na sua relação ao sujeito suposto saber” de forma direta, continua Lacan, para afirmar, em seguida, que “está claro que do saber suposto”, o analista “nada sabe”. “O Sq da primeira linha nada tem a ver com os S em cadeia da segunda e só pode aí se encontrar como achado. Apontamos esse fato para aí reduzir a estranheza da insistência que coloca Freud em nos recomendar abordar cada caso novo como se nós nada tivéssemos adquirido de seus primeiros deciframentos.”
Concluindo, com um certo curto-circuito que abre o tema da próxima postagem - o Desejo do Analista -, verifica-se que o Sujeito Suposto Saber se apresenta como pivô da transferência sendo, inclusive, condição da entrada em análise, e o final da análise apresenta-se uma desuposição de saber como resultado do tratamento. Esta desuposição, sob a forma do dês-ser do analista, se traduz na afirmação de Lacan, ainda no texto da Proposição, de que ao final de uma análise o analista que sustentou o Sq vai sofrer uma metamorfose, sendo “o parceiro que se esvai por não ser mais que um saber vão de um ser que se subtrai”, em outras palavras, “o analisante faz do objeto ‘a’ o representante da representação de seu analista.”
Assim se toca “a futilidade do termo liquidação da transferência por esse furo onde somente se resolve a transferência. (Vendo-se) aí, contra a aparência, a denegação do desejo do analista.”

Um comentário:

  1. Obrigada pela postagem, estava com dificuldade em entender os matemas de Lacan, agora ficou mais claro.

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