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terça-feira, 5 de novembro de 2013

O Sujeito Suposto Saber na Primeira Clínica

Lacan define a transferência como consequência imediata da estrutura própria à situação analítica, ou seja, como consequência direta do Discurso Analítico. Mais do que isso a transferência, no que ela implica o conceito de Sujeito Suposto Saber, pertence à própria estrutura do discurso analítico, estando para-além dos fenômenos que tentam preencher a dissimetria essencial estabelecida entre analisante e analista. Estes fenômenos podem ser resumidos em três: repetição, resistência e sugestão.
Vamos tentar fazer, neste momento, uma leitura do lugar do analista, tal como foi sustentado teoricamente por Lacan na Primeira Clínica quando o Outro (lugar do significante) desempenhou um papel fundamental.
O ponto de partida de uma psicanálise estabelece que o analista se coloque em uma posição de ouvinte de um discurso que ele mesmo incentiva, ao convidar o analisante a dizer tudo o que se passa por sua mente, sem omitir nada. Regra fundamental, que consiste em promover o que Freud denominou de Associação Livre de Idéias. Sabemos bem que “livre” as associações não o são, pois o próprio determinismo psíquico, ainda nos referindo à terminologia freudiana, encarrega-se de fazer suas escolhas, sempre levando em consideração as regras gramaticais e a sintaxe às quais a cadeia significante está submetida. Isto coloca o analista em uma posição digamos, passiva, deixando a atividade a cargo do analisante, que é quem fala. Esta posição já nos diz dos termos desta relação, pois é de nosso conhecimento que cabe ao ouvinte, com sua resposta, sua interpretação, decidir o sentido do que é dito e, mais ainda, a identidade de quem fala. Por esta afirmação podemos verificar que saber da dissimetria da relação esclarece e retifica os equívocos dos autores pós-freudianos que insistiam numa relação dual e dentro desta, na díade transferêncial - a contra-transferência. A posição de intérprete do analista coloca-o em lugar do “amo da verdade”, o que só faz aumentar a responsabilidade essencial de sua função, pois duplica o poder discricional da palavra.
Está claro que neste momento temos em mente um esquema que Lacan utilizou com muita freqüência na chamada primeira fase de seu ensino e que lhe serviu de base na construção de seu Grafo do Desejo. Refiro-me ao que se costuma chamar de célula básica da comunicação, onde um vetor se vê cortado em dois pontos por um outro vetor definindo-lhe o significado.
Neste esquema localizamos o analista ocupando o lugar de Grande Outro – A -, o que vai nos servir para esclarecer esta função de saber que é atribuída ao analista. Retomaremos este esquema mais à frente para tratar da função “semblante” de “a” como causa de desejo.
Do lugar de A, o analista é convocado primeiramente como aquele a quem o paciente se entrega na associação livre, pois atribui ao analista um saber sobre sua verdade. Acredita que o significado que ele vai ser atribuído pode restituir-lhe a estabilidade perdida. Em outras palavras pode-se dizer que ao analista é atribuída, pelo analisante, a função de saber sobre o sentido. Por um lado o analisante não se equivoca, pois o saber já está ali deste sempre, uma vez que ao ativar a transferência, o que se verifica é a “colocação em ato da realidade sexual do inconsciente” ou seja, restabelece-se uma relação aonde a pulsão vai nos dizer da rede de significantes que sustentam este sujeito no mundo: estes significantes que dizem do modo de gozo do sujeito ao mesmo tempo que apontam para o sintoma que vem no lugar onde falta o elemento que possibilitaria a “relação sexual”.
A propósito deste ponto, vamos relembrar uma citação que já foi trabalhada entre nós, quando tratamos da parte  II – qual é o lugar da interpretação?:
“A interpretação, para decifrar a diacronia das repetições inconscientes, deve introduzir na sincronia dos significantes que nela se compõem algo que, de repente, possibilite a tradução, - precisamente aquilo que a função do Outro permite no receptáculo do código, sendo a propósito dele que aparece o elemento que falta.”
Mas, não nos esqueçamos do que tanto insiste neste nosso trajeto pela “Direção do tratamento”: A experiência analítica só é possível se suspendermos toda e qualquer saber prévio sobre o analisante o que implica que o analista não deve se deixar enganar por este efeito de suposição de saber que lhe é atribuído. Na verdade, o que o analisante nunca vai perdoar ao seu analista é ele deixar-se enganar por esta posição de suposição de saber. Em seu Seminário XI, quando Lacan trabalha a “Presença do Analista” - presença que se constata quando o analista recusa a suposição de saber que lhe é atribuída - ele nos diz que a transferência negativa está sempre presente, de alguma forma, pois se trata de uma atenção especial do analisante no que concerne saber se o analista vai ou não se deixar enganar pelo canto da sereia do gozo de seu sintoma. Em outras palavras, se o analista vai ou não aceitar o convite de que venha gozar com ele de acordo com seu próprio modo de gozo.
Aceitar este convite é estruturar a relação ao nível do imaginário da cena da fantasia fundamental, aonde a resposta do analista vem confirmar o sentido pré-estabelecido do sintoma do sujeito, deixando de lado a possibilidade de que um desejo venha à luz. Esta vertente vai propiciar o congelamento de um Ideal do eu – lugar que identifica o “ser amado” - promovendo uma reestruturação do Eu ideal como identificação imaginária ao traço do Ideal, acreditando-se assim ser amado pelo Outro. Este é o equivoco do analisante ao acreditar que o seu saber, o saber do inconsciente, já está todo constituído no analista.
Concluindo esta parte, afirmamos que o Sujeito Suposto Saber pode ser lido nas referências que Lacan faz ao analista ocupando o lugar do Grande Outro.
 

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