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terça-feira, 21 de janeiro de 2014

“O Obsessivo e o véu”

Hoje vamos tratar do segundo caso clínico descrito nesta ultima divisão do texto "A direção do tratamento...". Trata-se, como já mencionamos, do único caso clínico citado da clínica do próprio Lacan. Este caso é tomado para exemplificar a função do significante falo como tal, “na busca do desejo, realmente é, como a situou Freud, a chave do que é preciso saber para terminar suas análises: e nenhum artifício suprirá o que falta para alcançar esse fim”.
A introdução que Lacan faz a esse caso pode ser alinhada com outras ocasiões quando ele nos fornece indicações do que poderia ser chamado de técnica analítica. Aqui ele diz que não devemos nos importar com as agressões imaginárias, tão freqüentes nas análises com obsessivos, mas sim faze-los “reconhecer o lugar que haviam assumido no jogo da destruição exercida por um de seus pais sobre o desejo do outro”. Só assim é possível desenhar a impotência em desejar sem destruir o Outro, destruindo também o seu próprio desejo. O que está em jogo aqui é o famoso aforismo: O desejo do homem é o desejo do Outro.
Este caso serve também, diz Lacan, para revelar a manobra da qual o obsessivo não se cansa que é “proteger o Outro” e que se transporta à transferência quando são utilizados todos os “artifícios de uma verbalização que distingue o outro do Outro (pequeno e grande) e que, do camarote reservado ao tédio do Outro, faz com que ele organize os jogos circenses entre os dois outros (o pequeno a e o Eu, sua sombra)”. A este propósito indico a leitura do livro de nosso colega Luiz Renato Gazolla, "As estratégias da neurose obsessiva", aonde vamos encontrar várias articulações em torno desta proposta de Lacan.
Continuando suas recomendações, Lacan vai lembrar que não podemos nos ater “aos cantos já bem explorados da neurose obsessiva”, mas sim buscar “a combinatória geral que lhes rege a variedade”, ou seja, buscar a estrutura que sustenta o desejo – a fantasia fundamental. Para além das fachadas buscar “captar as angústias ligadas aos desempenhos, os ressentimentos que não impedem as generosidades, as inconstâncias mentais que sustentam fidelidades inquebrantáveis”.
Em outras palavras, o assassinato do desejo é um conceito central em Lacan para definir o obsessivo. Existe, sem dúvidas, um falicismo patente que mascara o recalque do significante do falo. É com a demanda do falo imaginário que o sujeito se defende do desejo do Outro, do qual ele se empenha em destruir o signo. Através de uma atividade sustentada na fantasia, cheia de palavras, ele se esgota em preencher o buraco que poderia se revelar no intervalo significante. Isto podemos constatar no dia-a-dia da clínica e a partir daí ordenar uma série de fenômenos que ali se apresentam. Este método consiste, basicamente, em obedecer à demanda, preenchendo o vazio do desejo com objetos da “realidade”. Em outras palavras, o obsessivo preenche com a significação fálica o intervalo significante, pois ele não quer colocar nenhum real em jogo. Por isso a fórmula da fantasia do obsessivo se escreve assim: A<> (a,a’,a’’,a’’’...an) e se lê: o sujeito preenche a falta no Outro com a ajuda de objetos indexados pela marca do falo imaginário. Esta fórmula nos esclarece também porque o sujeito obsessivo deseja tanto a morte do Outro: ele simplesmente o quer sem desejo, mas como isso seria também a morte de seu próprio desejo, ele tudo faz para garantir a existência deste Outro e mostrar a ele toda sua “boa vontade”. Desta forma o obsessivo pode se acomodar em um sintoma que se apóia na soldadura significante. Ao contrário, ele só encontra o gozo pelo viés de um contrato com um Outro inteiro, do qual ele só se autoriza por um pagamento que se renova sem cessar.
Bem, mas retornando ao caso clínico, vamos perceber que o paciente chega a um ponto em sua análise em que a redistribuição da libido começa a produzir seus efeitos nos objetos de seu mundo. Sim, pois à medida que a análise avança, melhor vamos perceber que a fixação pulsional, própria da estrutura da fantasia fundamental, vai cedendo lugar a movimentos pulsionais, que acabam por “custar a alguns objetos seu posto”. Um destes efeitos são os sinais de impotência sexual quando ele se encontra com sua amante. Atribuir este fato a uma menopausa (dele) é algo que nos ludibriaria se ali fossemos amparar a nossa própria impotência.
Dentro da parceria que havia se instalado entre o paciente e sua amante, foi possível a ele propor a esta que “durma com outro homem para ver no que dá”. No entanto, a amante recusa a participação da terceira pessoa como forma de desembaraçar seu parceiro de suas preocupação e, no lugar disto, produz um sonho que relata ao paciente: “Ela tem um falo e sente-lhe a forma sob suas roupas, o que não a impede de ter também uma vagina e, acima de tudo, de desejar que esse falo a penetre. Nosso paciente, ao ouvir isso, recupera no ato seus recursos e o demonstra brilhantemente à sua sagaz companheira”.

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