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quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

“O desejo só é captado na interpretação”


Hoje iniciamos a leitura da última parte do texto “A direção do tratamento...”. Esta parte, nomeada a partir da junção do desejo e da letra, fala do desejo em sua articulação com a demanda e a necessidade. Para levar a cabo esta tarefa, Lacan toma o sonho, tal como Freud o trabalhou: como paradigma. O trabalho com os sonhos contribuiu para a teorização do inconsciente freudiano e a constatação da importância do desejo em sua constituição. O que se busca escutar nos sonhos é “o desejo, não as tendências” lembra Lacan a partir do exame que faz das palavras “Wunch” e “Wish”. Ambos se referem à “votos”. Não podemos nos esquecer que o desejo se articula em caminhos “ardilosos”.
Utilizar o grafo do Desejo, tal como está definido no texto “A subversão do sujeito...”, vai nos auxiliar aqui. No entanto, vamos lembrar, mais uma vez, que quando “A direção do tratamento...” foi escrita, faltava a Lacan o recurso ao objeto “a” pensado a partir do Real do gozo. Naquele momento tratava-se de um objeto em sua vertente de realidade imaginária.
Para tomar o “desejo ao pé da letra”, Lacan vai começar examinando dois sonhos. O primeiro é um sonho descrito por Freud em “A interpretação dos sonhos”. Trata-se do sonho de uma histérica, conhecido como “sonho da bela açougueira” onde se ilustra o aparecimento de um desejo de ter um desejo insatisfeito. O outro relato é de um caso clínico do próprio Lacan. Trata-se de uma das raras ocasiões em que ele utiliza um de seus casos em seu ensino. Laurent o denomina o “caso do obsessivo e o véu” e diz que com estes dois sonhos temos dois movimentos distintos: “por um lado o desenvolvimento de todo um tratamento de uma histeria a partir de um sonho da obra de Freud e, por outro lado, o resumo de um tratamento de um obsessivo em um sonho”.
É preciso distinguir duas dimensões no que diz respeito ao desejo no exame do caso da “Bela Açougueira”: “um desejo de desejo, ou seja, um desejo significado por um desejo (o desejo da histérica de ter um desejo insatisfeito é significado por seu desejo de caviar: O desejo de caviar é seu significante), inscreve-se no registro diferente de um desejo que substitui um desejo (no sonho, o desejo de salmão defumado próprio da amiga vem substituir o desejo de caviar da paciente, o que constitui a substituição de um significante por outro significante).”
Estas duas funções são decorrentes da “oposição fundamental entre o significante e o significado, na qual se demonstra que começam os poderes da linguagem:
a) A substituição de um termo por outro para produzir o efeito de metáfora;
b) a combinação de um termo com outro para produzir o efeito de metonímia.”
O comentário que Lacan vai nos propor centra-se em uma fórmula: o sonho é uma metáfora do desejo. É o que indica a produção de um efeito de sentido no sonho. Este efeito de sentido pode ser verificado em vários outros momentos e situações ligadas à clínica psicanalítica. Aqui, nos lembra Laurent, trata-se de uma produção de sentido positiva: “é passagem do sujeito ao sentido de seu desejo”. Quando examinamos um sintoma constata-se que este, mesmo sendo uma metáfora, não produz um efeito de sentido que introduz o sujeito no sentido de seu desejo. “O sintoma é uma metáfora congelada, uma metáfora do lado do sem-sentido.”
Em seguida somos lembrados de que o sonho não é o inconsciente, mas sua via régia, assim como também se diferencia do desejo que é definido como “metonímia da falta-a-ser”.
Hoje, não nos é desconhecido que Freud se interessava apenas pelas elaborações do sonho, ou seja, “sua estrutura de linguagem”. Mesmo antes que F. de Sausurre elaborasse sua teoria, ele já depreendia esta estrutura por caminhos diferentes na medida em que visava fazer o sujeito “reencontrar-se no sonho como desejante, o que é o inverso de faze-lo reconhecer-se ali como sujeito, pois é como que em derivação da cadeia significante que corre o regato do desejo, e o sujeito deve aproveitar uma via de confluência para nela surpreender seu próprio feedback.” O que se depreende desta passagem é que “o desejo só faz sujeitar o que a análise subjetiva”. E a análise possibilita a subjetivação pela interpretação, pois, somente ela capta o desejo, pois é a interpretação que vai apontar “a relação do desejo com essa marca da linguagem que especifica o inconsciente freudiano e descentra nossa concepção do sujeito”. A interpretação é o que vem interromper a sequência metonímica que remete sempre de uma significação a outra significação. Esta interrupção é o que provoca o despertar a partir do encontro com a demanda, no ponto onde há o vazio de significantes. Em outras palavras o Real. O sonho do pai que vela o corpo do filho que queima é um bom exemplo disto. A frase que desperta o sujeito: “Pai, não vês que queimo!” remete à própria demanda deste pai que se coloca como filho diante da impossibilidade da existência de um pai que possa faze-lo subjetivar a morte. Evitar este encontro é a função do sonho, ou seja: “O sonho serve, antes de tudo, ao desejo de dormir”.

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