Quanto ao que tantas vezes se fala: liquidar a transferência, será que na verdade o que isto aponta é para liquidar o sujeito suposto saber?
Este sujeito suposto saber alguma coisa de você, mas que na verdade não sabe nada, pode ser considerado liquidado no momento quando, ao final da análise ele começa exatamente, sobre você pelo menos, saber um pouco. “É pois no momento onde ele toma mais consistência, que o sujeito suposto saber deverá ser suposto vaporizar. ... se o termo liquidação tem um sentido, a liquidação permanente do que se trata é deste engano por onde a transferência tende a se exercer no sentido do fechamento do inconsciente.” Este mecanismo se refere à relação narcísica, por onde o sujeito se faz amável. “De sua referência àquele que deve lhe amar, ele tenta induzir o Outro numa relação de miragem onde ele o convence de ser amável.”
A identificação especular, imediata é apenas a sustentação da identificação que está em jogo aqui. Ela sustenta a perspectiva do sujeito no campo do Outro, de onde a identificação especular pode ser vista sob um aspecto satisfatório. “O ponto do Ideal do eu de
onde o sujeito se verá, como se diz, visto pelo outro - isso que lhe permitirá de se suportar numa situação dual, para ele satisfatória do ponto de vista do amor. Entanto que miragem especular, o amor tem a essência de engano.” É aqui que se instala o único significante necessário a introduzir uma perspectiva centrada sobre o ponto do Ideal: “I”. Este ponto, para que possa se tornar o ponto de visada tem necessariamente de se referir ao objeto ‘a’, desta forma, teremos neste ponto onde se instala o sujeito suposto saber um I(a).
É nesta convergência que a análise é chamada pela sua face de engano na transferência que algo de paradoxal acontece: a descoberta do analista. Isto só é compreensível se nós o situamos na ordem da relação de alienação. No entanto a visada do analisado é algo para além disto que se apresenta como traço de onde ele poderá ser visto como amável. Portanto é como se o analisado dissesse a seu parceiro, ao analista: Eu te amo, mas, porque inexplicavelmente eu amo em ti qualquer coisa mais do que tu - o objeto ‘a’, eu te mutilo.” Podemos continuar com esta suposta fala do paciente que, apesar do acento oral, nada tem a ver com a amamentação, mas sim com a mutilação: Eu me dou a ti, mas este dom de minha pessoa - mistério! se transforma inexplicavelmente em um presente de merda.
Quando esta virada é obtida, ao termo da elucidação interpretativa, compreende-se a vertigem da pagina branca, desta barragem sintomática de todo acesso ao Outro.
Podemos instalar aqui o primeiro andar do Grafo:
s(A) ————-> A
O que se passa quando um sujeito começa a falar ao analista: na verdade é a ele que oferecida qualquer coisa que vai, de início, necessariamente,se formar em demanda. Mas o que o sujeito demanda, já que ele sabe que, qualquer que seja seu apetite, quaisquer que sejam suas necessidades, ninguém encontrará aí satisfação, senão a de aí organizar seu menu.
A fábula que Lacan conta do sujeito que para diante de um menu em chinês e demanda que lhe traduzam. Depois, mesmo tendo em mãos a tradução, ele, não conhecendo o que lhe é oferecido, demanda finalmente: “aconselhe-me isso quer dizer - que é que eu desejo aí dentro, é você quem sabe. Se minha fábula quer dizer alguma coisa, é porque o desejo alimentar tem um outro sentido que a alimentação. Ele é aqui o suporte e o símbolo da dimensão do sexual, único a estar rejeitado do psiquismo. A pulsão em sua relação ao objeto parcial está aí, subjacente.
O analista, não é suficiente que ele suporte a função de Tirésias, é preciso ainda, como o diz Apollinario, que ele tenha mamas. “Eu quero dizer que a operação e a manobra da transferência são reguladas de maneira a manter a distância entre o ponto de onde o sujeito se vê amável, - e este outro ponto onde o sujeito se vê causado como falta pelo ‘a’, e onde ‘a’ vem tampar a brecha que constitui a divisão inaugural do sujeito.
O pequeno ‘a’ não ultrapassa jamais esta brecha.
Reportem-se, como ao termo o mais característico a apreender a função própria do objeto ‘a’, ao olhar. Este ‘a’ se apresenta justamente, no campo da miragem da função narcísica do desejo, como o objeto ilegal, se podemos dizer, que permanece atravessado na garganta do significante. É neste ponto de falta que o sujeito tem a se reconhecer.
Se tomamos o oito interior como a figura topológica que melhor diz desta situação que acabamos de descrever, vamos verificar que uma linha atravessa a curva por um ponto a ser determinado. Esta linha travessa, é para nos isso que pode simbolizar a função da identificação.
Todo trabalho que conduz o sujeito, que se diz em análise, a orientar seu propósito no sentido da resistência da transferência, do engano do amor, bem como o da agressão - acontece algo do fechamento, demonstrado pela própria curva que se espirala em
direção ao centro: a identificação como conceito de fim de análise.
- Há um para-além desta identificação, e este para-além
é definido pela relação e a distância do objeto ‘a’ ao grande “I” idealista da identificação.
- Há uma diferença essencial entre o objeto definido
como narcísico, o i(a), e a função do 'a'.
- Freud dá assim seu estatuto à hipnose ao superpor, no mesmo lugar, o objeto ‘a’ como tal e essa referência significante que se chama o ideal do eu.
- Definir a hipnose pela confusão, em um ponto, do significante ideal onde se referência o sujeito com o objeto ‘a’, é a definição estrutural mais segura que se avançou.
- Distinguir a hipnose da análise: a mola fundamental da operação analítica é a manutenção da distância entre o “I” e o‘a’.
- se a transferência é isso que, da pulsão, afasta a demanda, o desejo do analista é isso que aí retorna a demanda. E por esta via, ele isola o ‘a’, ele o coloca à maior distância possível do “I” que ele, o analista, é chamado a encarnar. É desta idealização que o analista deve cair para ser o suporte do ‘a’ separador, na medida em que seu desejo lhe permite, numa hipnose ao avesso, de encarnar, ele o hipnotizado.
- É para-além da função do ‘a’ que a curva se fecha, ai onde ela não é jamais dita, no que concerne à saída da análise. A saber, após a distinção do sujeito em relação ao ‘a’, a experiência da fantasia fundamental se torna a pulsão.
- Isto só é abordável do lado do analista, na medida que lhe é exigido ter precisamente atravessado na sua totalidade o ciclo da experiência analítica.
Só há uma psicanálise, a psicanálise didática - isso quer dizer uma psicanálise que concluiu esta curva até o seu termo. A curva deverá ser percorrida muitas vezes - este é o durcharbeiten.
- A transferência se exerce no sentido de levar a demanda à identificação. É na medida que o desejo do analista, que permanece um x, vai no sentido exatamente contrário à identificação, que a ultrapassagem do plano da identificação é possível, pelo intermédio da separação do sujeito na experiência. A experiência do sujeito é assim restabelecida ao plano onde pode se apresentar, da realidade do inconsciente, a pulsão.
- O sacrifício significa que, no objeto de nossos desejos, ensaiamos encontrar o testemunho da presença do desejo deste Outro que eu chamo aqui o Deus obscuro.
Spinoza disse: o desejo é a essência do homem - quando ele institui este desejo na dependência radical da universalidade dos atributos divinos, que só é pensável através da função do significante. Kant sustenta, de alguma forma a lei moral a um extremo que
podemos dizer que ele preconiza o desejo em estado puro sacrificando, com isto o objeto amoroso da suavidade humana - não somente ao rejeitar o objeto patológico, mas o seu sacrifício e a sua morte. Por isso Lacan escreveu Kant com Sade.
- O desejo do analista não é um desejo puro. É um desejo de obter a diferença absoluta, aquela que intervém quando, confrontado ao significante primordial, o sujeito vem pela primeira vez em posição de aí se sujeitar. Aí somente pode surgir a significação de um amor sem limite, porque ele está fora dos limites da lei, onde somente ele pode viver.
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