Um sujeito só busca um analista quando o seu sintoma deixa de funcionar, com eficiência, como laço social. Quando o sintoma claudica, o sujeito se dirige a um Outro que ele espera poder restituir-lhe o “status quo ante” do funcionamento de seu sintoma. Pose-se, então, dizer que o sujeito procura análise quando a produção de “mais de gozar” que vai fornecer o marco de sua realidade excede um certo limiar provocando angustia, ali aonde um outro significante não vem mais na sua função de deixar deslizar metonimicamente um desejo qualquer. Em outras palavras, o não saber deixa de funcionar como marco e é investido libidinalmente de tal forma que passa a perturbar o pouco de realidade que constitui o mundo do sujeito.
O discurso do Mestre nos diz do inconsciente e explicita sua estrutura de linguagem, ao mesmo tempo em que demonstra a articulação de um sujeito, efeito do significante, com o que lhe é mais íntimo e exterior: o objeto ‘a’ que, enquanto produto, permanece como um "querer ser". Este "querer ser" é o que denota a impotência deste discurso em ser, explicitando a falta-a-ser. O matema S2/a, que constitui o lado direito do Discurso do Mestre, pode muito bem ser uma fórmula para o sintoma: um saber que se constrói no marco do não-saber. Este saber, que alimenta o Senhor, S1, deve ser deslocado de sua insistência em ali permanecer a partir de um giro de ¼ de volta do discurso. Este giro acontece pela intervenção de um analista que, ao não responder com o saber do sintoma, ou seja, ao não responder ali onde é esperado, pode deslocar o excedente para o lugar da verdade, forçando o sujeito a ocupar um lugar do qual vinha se esquivando até então. Este deslocamento vai fazer funcionar o Discurso da Histérica como possibilidade da entrada em análise. Sabe-se que não existe entrada em análise sem o exercício do Discurso da Histérica por ser ele que estrutura a demanda e, ao mesmo tempo, possibilita a implicação de um sujeito em seu endereçamento a um Outro lugar. Outro lugar a partir do qual o analista pode e deve intervir. Esta passagem do Discurso do Mestre (sintoma) ao Discurso da Histérica chamamos de “histerização do discurso”. Não significa que o sujeito vai passar à estrutura histérica enquanto uma forma de “estar no mundo”. É preciso diferenciar estes pontos, pois o Discurso da Histérica é, de alguma forma o discurso da demanda, próprio da neurose. Assim pode-se ter sujeitos histéricos, fóbicos ou até mesmo obsessivos que se colocam sob a égide deste discurso. E, repito, assim deve ser no caminho de uma análise. A histeria, enquanto estrutura é outra coisa, mesmo que se possa dizer que é, por excelência, a estrutura que sustenta o Discurso da Histérica.
Uma outra diferença importante de se fazer aqui é entre histeria e feminilidade. Penso ser importante uma digressão sobre este ponto, pois ainda hoje a psiquiatria não só retirou a histeria de suas classificações como a confunde com a feminilidade. Lacan, ao contrário, sempre insistiu na distinção entre estas duas posições, acrescentando, com Freud, que a histeria não é privilégio da mulher, pois é bastante conhecido o homem histérico e, neste assunto ele tem primazia sobre a mulher.
Vamos tentar explicitar esta diferença, começando por dizer que Freud, no princípio, revela a presença do significante fálico como respondendo pela diferença entre os sexos. Em outras palavras, Freud distingue os sexos pelo “ter”: um tem ou não tem. Esta diferença pelo ter traz consequências subjetivas, de acordo com Freud: para o que tem, o medo da perda, para o que não tem, vontade de tê-lo. Esta diferença Lacan a traduz por: “ameaça ou nostalgia da falta a ter”. Do lado do que tem vai-se criar, portanto, estratégias defensivas, enquanto que do lado do que não tem, vai-se criar várias estratégias possíveis. Freud vai enumerar as muitas estratégias possíveis do lado da mulher:
1 – elidir completamente o sexo
2 – desmentir a falta fálica pelo chamado complexo de masculinidade
3 – em função do amor ao pai, consentir na saída pelo filho compensatório.
Para Lacan, o que importa é a falta-a-ser ali onde Freud acentua o ter. Sem contestar o falocentrismo de Freud, Lacan vai distinguir o homem da mulher dizendo que, se o homem se posiciona a partir de ter o falo, compensa a falta-a-ser pelo benefício do gozo fálico. A mulher, por seu lado, conjuga a falta-a-ser e a privação do órgão. No entanto, esta falta redobrada abre, segundo Lacan, uma via de solução que consiste em tirar um efeito de sua relação ao homem. Daí podermos formular a questão da seguinte forma: de início, ter ou ser o falo, mais tarde, ter ou ser um sintoma. Estas duas fórmulas são, na verdade opostas, por isso Lacan chega a dizer, referindo-se à histérica, que “querer ser o falo” significava “não querer ser o sintoma”.
Na conferência sobre “Joyce, um sintoma”, pronunciada em 1979, Lacan vai diferencia a posição histérica da posição da mulher: Uma mulher se especifica por ser um sintoma. Não é o caso da histérica que se caracteriza “por se interessar no sintoma do outro” e que não é, portanto sintoma último, mas apenas “penúltimo’. Ser o sintoma único, ao menos para Um, não é propriamente falando a exigência histérica, nós o sabemos desde Dora”. Isto se explicita no fato de o sujeito histérico não fazer casal, mas ao menos triângulo e às vezes mais. Do lado da mulher, mesmo que ela seja obsessiva, fóbica e mesmo psicótica, verificamos a presença da rival, sem que esta tenha o papel que a outra mulher representa na histeria.
O homem obsessivo também tem seu triângulo, quando sustenta seu amor através de um alter-ego.
A partir do que se explicitou até agora, pode-se dizer que feminilidade implica a relação a um Outro, o homem.
Para se realizar como sintoma, passando seu ser de gozo pela mediação deste Outro, pôde-se conceber o seu interesse menos por esse Outro, homem ou deus, do que por seu desejo. Isto se tomamos o viés através do qual ela chega a encarnar seu gozo.
A histérica, por sua vez, passa pela mesma mediação do Outro, mas com fins diferentes e não para se realizar como seu sintoma. Seu desejo se sustenta do sintoma do Outro a ponto de que poderíamos quase dizer que ela faz disto uma causa, mas causa de saber. Não que o desejo de saber a anime, mas porque ela gostaria de inspira-lo ao Outro.
Resta ainda uma questão: o que vem a ser o “Bancar o homem” da histérica? Por um lado temos o desafio histérico de fazer de seu homem um guerreiro para que ele prove que é um homem. Por outro, temos a identificação ao homem que precisa ser esclarecida, já que se presta a muitas confusões. Pode ser uma identificação ao saber fálico ou à sua falta, mas do que se trata é de uma identificação como em Dora ou na Bela Açougueira. Lacan assim a descreve em seu texto “Introdução à Edição Alemã dos Escritos” (1973): identificar-se ao homem uma vez que ele não é pleno, já que também ele está insatisfeito e que seu gozo é castrado. Mesmo que esta identificação possa se prestar a confusões identificadas por uma falsa hiperfeminilidade, ela denota, na verdade, a identificação ao homem em sua falta e, assim, se faz o agente ativo da castração do Outro.
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