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sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Inconsciente, Linguagem, Letra e Sentido (II)

O sentido tem uma propriedade fundamental: ser o que nos fascina, na palavra. É interessante notar a homofonia desta palavra nos dizendo que algo “faz sina” no sentido, traçando o destino do sujeito. O termo fascinação nos indica o que de imaginário permanece na função da palavra. Se sabemos por experiência de nossa própria análise que a palavra faz vacilar o ser do sujeito e pode introduzi-lo na falta a ser, por outro lado sabemos que nesse caminho retém o que aí permanece de fascinação do sentido, relançando o vetor do grafo para os velhos caminhos do sintoma. É aí que Lacan vai opor sentido e signo em seus escritos de 70.
Para esclarecer esta oposição vamos tomar o que se diz sob o termo de mensagem cifrada, tão frequente nos escritos de Lacan quando ele se refere ao sintoma. Esta expressão, mensagem cifrada, traz em si mesmo uma ambiguidade que vai nos permitir caminhar um pouco mais. Ao mesmo tempo que nos remete, atraves do termo mensagem, à comunicação, uma mensagem cifrada pode nos levar ao equivoco de pensarmos que falta um Código que poderia decifrá-la, se pensamos que cifra só se refere ao significante. No entanto esta expressão só poderá ser esclarecida se tomarmos por referência a libido, este mito freudiano, que Lacan vai substituir por seu conceito de gozo. 
A perspectiva lacaniana sobre a experiência analítica se sustenta na formulação sobre o gozo que é descrito como a verdade estrutural do mito freudiano que se constitui nos desfiladeiros lógicos que Freud seguiu para decifrar os fenômenos inconscientes. Partindo deste princípio, o termo mensagem ficaria corroído pelo seu adjetivo cifra. A cifra carcome a mensagem. "O termo cifra está aí introduzido na vertente mesma do signo, reduzindo o gozo ao cifrado. O gozo está no cifrado mesmo: é assim que se isola um efeito que não é do sentido.”
Esta formulação deixa entrever que nas propostas mesmo de metáfora e metonímia - estes dois tipos de articulações significantes - o efeito de sentido que emerge na metáfora e fica retido na metonímia. A proposta do gozo estar na cifra, implica que a articulação do significante produz um efeito distinto do sentido. Este outro efeito Lacan chamou de sentido-gozado (jouis-sens). É este efeito que escapa a observação dos linguistas e que só pode ser percebido se se leva em conta que o inconsciente está aí implicado. E uma das formas de se levar em conta o inconsciente é, sem dúvida, o sintoma que, em outras palavras, foi como efeito de sentido gozado introduzido nos estudos da linguagem. O sintoma que obriga a complementar o efeito de sentido com o de gozo, já foi abordado de várias formas ao longo da experiência analítica, como uma maneira da resistência se manifestar. Uma destas formas muito conhecidas deste Freud é a chamada reação terapêutica negativa. 
É neste ponto, em que a distinção entre significante e significado conduzem ao Outro, que linguagem e discurso se distinguem. De S/s passamos à função do Outro, que vai ocupar o lugar de significante. Tem-se que levar em conta que não é possível implicar o significante, definido por sua diferença com respeito aos outros significantes, sem implicar o Outro como conjunto de significantes. 

S     (A)
s    s(A)

O significado também poderá ser substituído pelo Outro na medida em que ele é também o mestre do sentido.
O significante introduz a diferença consigo mesmo porque para ele não há princípio de identidade. É a partir mesmo deste princípio que a cadeia significante desliza. Em outras palavras podemos afirmar que para o significante é impensável dizer que B = B, ou seja há dois "B". Esta distinção se mantém até o infinito. Esta diferença é o espaço onde vemos surgir o sujeito que, na sua singularidade, é pura diferença. Destacar, no final de uma análise, a partir do desejo do analista, a pura diferença é, em outras palavras, fazer surgir o sujeito ali onde uma identificação ao ideal da não diferença insiste em se apresentar. Com a letra, no entanto, é possível verificar o princípio da identidade onde B = B. 
Quando se trata de um significante podemos plantear ao menos S1 – S2 para ter o Outro, enquanto que para B, que é uma letra, uma só basta e não se concebe colocá-la em cadeia. 
O sentido, portanto, vamos colocá-lo com respeito ao Outro, enquanto que o sentido gozado (Jouis-sens) não pode ser relacionado com o Outro. O sentido como sentido do Outro implica, além do mais, o desejo como desejo do Outro. Essa afirmação nos conduz à problemática mesmo do desejo do analista, ou seja, aquilo que como efeito de sentido, deve ser obtido do enunciado do analista. No entanto, por em relação ao analista o gozo do Outro é algo completamente distinto. 
Em Televisão Lacan vai definir o sintoma como um nó que captura cadeias de gozo. Essa definição esclarece a expressão mensagem cifrada. Este gozo – ou sentido gozado – não é relativo ao Outro, com ele se designa um nível mais fundamental que o Outro, que aparece então como um derivado.
Supostamente a linguagem deve ser prévia ao gozo, quando é o gozo de pequeno "a". Porém neste ponto o conceito de Outro se encontra diferenciado em Lacan. Se consideramos que o gozo é mais fundamental que o Outro, como Lacan vai nos esclarecer, podemos acompanhar porque ele introduz o conceito de lalíngua como anterior ao da linguagem. Considera que a linguagem é uma elucubração de saber sobre lalingua. Neste nível primordial são solidários o gozo e lalingua, e resultam derivados o desejo, o discurso e inclusive a linguagem. 
Ao tomar estas duas referências pode-se verificar em alguns  matemas de Lacan a presença destas articulações. Por exemplo no Grafo do desejo verifica-se:
d   ($<>a)
Fórmula que coloca o desejo frente à fantasia fundamental na medida que o gozo está localizado na fantasia. Nesta fórmula temos uma preeminência dada ao desejo. 
Já no matema:
o objeto a, mais de gozar, está em posição de privilégio em relação ao sujeito do desejo e o orçamento em conta a posição central, operativa, da forma de gozo como o que determina o modo de divisão do sujeito. Deste então se abre uma clínica diferencial a partir das diferentes inscrições que este objeto a pode receber quando se refere ao Outro, o companheiro sexual. Sabe-se que sempre se referência de maneira enganosa, porque neste nível fundamental o gozo é um gozo sem companheiro, um gozo que podemos denominar, com JAMiller, de autista.
Tudo isso esclarece porque se fala de histerização do sujeito numa entrada em análise: o sintoma histérico, por apresentar seu modo de gozar do inconsciente passando pelo Outro, implica em seu gozo mesmo o desejo do Outro.

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