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quinta-feira, 6 de junho de 2013

As estratégias do Psicanalista: Psicanálise Pura e Psicanálise Aplicada versus Psicoterapias (IV)

Para diferenciarmos a Psicanálise das Psicoterapias, utilizemos a “topologeria” lacaniana:
Não fazendo silêncio desde o lugar do Outro, ou seja, permitindo que “a análise se reduza a uma sugestão grosseira” o analista impede que o objeto "a" possa reinar como semblante. O que vai acontecer, como conseqüência, é o favorecimento a uma identificação a partir mesmo da ação da sugestão através do convencimento, como vimos acima. Este movimento dirige o vetor para o andar inferior do Grafo estabelecendo duas posições distintas para os dois sujeitos em questão: o 'terapeuta' e o paciente. Eles permanecerão, indefinidamente, cada qual do seu lado sem que as intervenções possam produzir efeito. Teremos então uma topologia da banda circular, com suas duas bordas e suas duas faces, para mostrar que estão presentes dois sujeitos e, portanto dois sentidos sem que nenhum, nunca, possa intervir sobre o outro.
Quando, no entanto, o desejo do analista opera fazendo reinar o objeto "a" ali onde uma resposta é esperada, o vetor é lançado na direção do andar superior do Grafo e, em função mesmo da não resposta, sofre uma meia torção e retorna, ao sujeito, levando sua própria mensagem invertida. A topologia que se desenha não é mais a da banda circular, mas sim a da Banda de Moebius, dizendo que em uma análise temos apenas um sujeito em questão, pois a estrutura desta superfície demonstra a existência de um só lado e de um só corte.
Esta articulação coloca uma questão e abre a possibilidade de discutir um outro aspecto desta diferenciação entre psicanálise e psicoterapias: trata-se do que encontramos no momento em que Lacan trabalha, especificamente no Seminário XI, o conceito de liquidação da transferência. Ali ele estabelece um dialogo com os conceitos estabelecidos pela IPA, no que diz respeito ao final de análise. O corpo teórico que sustenta o trabalho na IPA vai na direção de acreditar que ao final da análise a transferência poderia ser liquidada. Para tanto, seria fundamental que o analista levasse o sujeito à não deixar resto algum, já que a identificação, como é de nosso conhecimento, se estrutura em torno do eixo imaginário e a partir da idealização. Por isso Lacan nos diz que alguns preferem, em sua prática restringir-se a seu Eu e à realidade, da qual conhecem um pedaço. Mas, nesse caso, acontece um "eu x eu", uma luta mortífera de puro prestígio entre dois sujeitos.
 Deste embate só poderá surgir um "Eu" (moi), ali, onde um sujeito enquanto resposta do real deveria surgir. Teremos, então, um reforço da alienação e não a separação buscada.
Retomando o Grafo, lembro-lhes que Lacan, ao construí-lo, descreve o pequeno (d), como índice do estado de desamparo (detresse - hilflosigkeit) no qual se encontra a criança em seu primeiro encontro com o Outro. O passo seguinte é a passagem pelas demandas do Outro ($ <> D) onde vão se estruturar as pulsões em seu movimento de ir e vir em torno do vazio da falta no Outro S(A/). Uma relação muito especial vai se estabelecer a partir da interpretação que se faz desta falta, construindo-se uma cena ($<>a) que precisa ser reinterpretada, em análise, para que um "saber fazer aí com seu sintoma" possa advir em s(A). Isso só é possível porque uma nova referência ao desejo (d) pode ser sustentada. É por isso que afirmamos que só há um sujeito em questão na análise, o analisante, e que é somente a partir de um ponto fora da linha - que correlaciono, nesta situação, à função do desejo do analista - será possível sustentar o corte de uma linha sem pontos.
Retomo o que acabo de dizer por um outro caminho. Partindo do conceito de Sujeito Suposto Saber, Lacan vai nos dizer que esse sujeito, que supostamente sabe sobre o analisante, na verdade nada sabe. O que se liquida na transferência, portanto, é esta suposição de saber, já que durante o processo, a cada intervenção do analista, ela vai sendo desfeita. Em outras palavras, como nos diz Lacan, este sujeito suposto saber deve ser considerado liquidado exatamente no momento da análise em que se começa, a saber, alguma coisa. Por isso ele pode, neste momento, ser chamado de sujeito suposto vaporizado. Ainda uma outra forma de se dizer isto com Lacan: é que a sustentação da transferência se dá pelo fato do analista se colocar como um "X" para o analisante. Quando o analisante vai, passo a passo, esburacando este lugar, o analista vai perdendo esta aura de suposição de saber. A conseqüência disto é que o analista não vai mais ter o poder de relançar o sujeito para mais uma volta no seu percurso. Espera-se que este momento seja aquele que venha encerrar um tempo de compreender e o sujeito em questão possa fazer uma passagem a partir mesmo do resto em que o sujeito suposto saber se transforma.
Para além de suas vestimentas imaginárias, semblantes que o analista pode encarnar para um sujeito, o analisante o verá cair do lugar do Outro do saber para o lugar do “a”, objeto libidinal.
Esta passagem, como a conhecemos na teoria de Lacan, é a passagem de analisante a analista. Quando o sujeito deseja, ele mesmo pode prestar-se a sustentar este lugar de causa.

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