A terceira face da pirâmide herege, como diz Lacan, está constituída pela teoria em que o analista é reconhecido como o representante da realidade e que tem por tarefa fazer amadurecer o objeto em uma estufa. Este objeto, o analista, é o que restaria ao sujeito em seu mergulho na patologia, por isso sua única saída seria a “introjeção intersubjetiva”.
A transferência como “introjeção do analista” teve como seu mais forte defensor, na psicanálise de língua francesa, Maurice Bouvet.
M. Bouvet é o analista ao qual Lacan se refere no texto, sem mencionar seu nome. Sua teoria se centrava na distância ao objeto. Pode-se dizer que o tratamento de uma neurose consistia em “meter o nariz no objeto”. Daí vários textos que tratavam da "devoração fantasmática" do analista.
Em “A direção do tratamento...”, Lacan vai tomar esta teoria como um sintoma da má utilização da função do falo, que, para ele, era “o modo de presença do sujeito no desejo”. Ora, se o falo dá ao gozo uma medida simbólica, essencialmente sob o significante da impotência, não pensa-lo como uma negatividade, corre-se o risco de valorizá-lo excessivamente e transforma-lo em um problema de distância efetiva, por isso surgem estes restos de uma geometria, digamos métricas, do falo que acabará sendo devorado.
Para tratar desta geometria, Lacan propõe uma geometria sem medida que é a topologia. Assim à teoria da distância da medida fálica, opõe-se a topologia do objeto.
É, portanto, para questionar o papel do falo enquanto modo de presença do sujeito que Lacan vai tomar dois exemplos, destacando o cuidado que o analista deve ter ao manejar este lugar do falo.
O primeiro paciente ao qual Lacan se refere é um obsessivo que ele recebe em análise logo após este ter se submetido a uma análise que estava sustentada na teoria da introjeção subjetiva, ou seja, teoria que levava em conta a distância do objeto. Nossa atenção é dirigida, por Lacan, para percebermos que, ao perseguir o paciente com “a distância ao analista”, chegou-se a desenvolver um amor homossexual com uma pessoa de seu ambiente. Este amor veio para restaurar um terceiro dentro da relação dual que se estabeleceu na análise. Pode-se afirmar isto levando em consideração o fato de que a significação fálica vem, exatamente, questionar na metáfora paterna ao terceiro, o pai, entre o sujeito e o desejo da mãe.
O segundo exemplo parte de um caso de fobia. Trata-se de um paciente que tinha medo, uma fobia mesmo, de que as pessoas “mexessem” com ele por causa de seu tamanho. “Este jovem que era piloto da marinha mercante, teve que abandonar seu trabalho por causa de uma idéia obsessiva que o atormentava: via-se muito alto e se sentia ridículo. De fato era um rapaz de grande estatura, media aproximadamente 1,90 mts”. Como consequência de um certo tempo de análise, ele se torna voyeurista. Procura olhar dentro dos banheiros do cinema às mulheres urinando. Lacan se pergunta porque esta análise desencadeou esta perversão transitória. Este paciente é de Ruth Leibovici, esposa de do presidente da Sociedade de Psicanálise da qual Lacan havia recém saído. O aparecimento desta perversão transitória é descrito como tendo surgido logo depois que um sonho é trazido à análise como reação “a uma interpretação que dera de uma certa armadura surgida, em posição de perseguidor e, ainda por cima, armada com uma bomba de Flit, como sendo a imagem da mãe fálica.” A analista interpretou associando esta figura materna a ela, encerrando o circuito transferencial numa relação dual. Ficou, no entanto, uma questão: o que é esse objeto enigmático que está nas mãos da armadura-analista? É verdade que a própria analista se questiona se não deveria ter falado do pai, mas, como lembra Lacan, como o pai era uma figura ausente na vida real, ela acaba se desviando desta intervenção. Ou seja, uma interpretação que leva em conta a realidade mais do que a fantasia do paciente.
Esta interpretação, ao reforçar o caráter enigmático do objeto fálico, acaba por enviar o analisante a ir ver, ou seja, não somente provoca um acting-out (lembremos do caso descrito por Ernst Kris a que costumamos chamar “o homem dos miolos frescos”) como também leva ao que está sendo chamado aqui de uma perversão transitória. Como se não bastasse tudo isso, o paciente também força a analista a introduzir a presença de seu marido que era psiquiatra e foi quem lhe encaminhou este paciente. Desta forma o paciente restitui, de uma forma patológica, o triângulo edípico para poder respirar um pouco, em meio a tantas baforadas de Flit.
Esclareço esta passagem, acrescentando o que Laurent nos diz ao comentar este texto de Lacan: “A função essencial do falo é designar um outro lado fundamental. O Nome-do-Pai quando está coordenado com a significação fálica fica fora do parêntesis – NP (A/falo) – Quando Sptiz, (p. ex.) tenta reduzir a função paterna à do estranho, segundo seus termos, estamos diante de um mal menor, que de todos os modos evita essa função essencial do falo que é designar o outro lugar da metonímia. Quando o analista se opõe a este outro lugar (da metonímia) levando incessantemente o paciente a um face a face com ele, desencadeia, em determinado momento, o chamado a este outro lado”.
É neste ponto do texto que Lacan traça uma diferença muito importante entre o objeto fóbico e o fetiche: “(Eu) lhes ensinei a distinguir o objeto fóbico como significante para todo uso, para suprir a falta do Outro (vide caso do pequeno Hans) e o fetiche, fundamental a toda perversão, como objeto percebido no corte do significante”.
Laurent esclarece esta passagem dizendo, primeiro, que a evolução do objeto “a” na teoria de Lacan vai modificar a afirmação feita em 1958: “De todo modo, mostra como o objeto fóbico é uma metáfora, e por isso é ‘um significante para todo uso’. O fóbico, por trás de toda as portas de sua vida, encontra o significante que o inquieta, que lhe serve para tudo, que dizer, para não fazer nada, porém faz tudo com ele, como o pequeno Hans faz tudo com seu cavalo. O que é, em troca, o fetiche? O objeto que se aloja na rachadura do significante e sabemos que a rachadura significante é o intervalo entre S1 e S2, ali onde o paciente de Kris colocava o nada de seu desejo. O fetichista coloca ali algo, o fetiche, porém a operação é idêntica, coloca ali um objeto”.
Lacan vai destacar a função do objeto transicional de Winnicott dizendo que ele vai ocupar este mesmo lugar: o intervalo significante, mas com uma outra função: a de mediação entre o sujeito e o Outro. Lacan não se furta a dizer que a noção de objeto “a” foi gestada no objeto transicional de Winnicott.