A transferência, portanto, está no início do tratamento e se instala aí na tentativa mesmo de, atribuindo a um Outro o saber que falta, alcançar uma resposta que seja o saber último sobre esta sua verdade. É o Sujeito Suposto Saber que surge, fazendo valer um significante qualquer como aquele que poderia representar o sujeito.
Este atribuir a um Outro o que lhe falta está na base da relação amorosa por excelência: ama-se no Outro o “agalma”, objeto precioso, essência de um ser-em-falta que se ilude no amor ao saber.
Em se tratando da transferência, no entanto, vemos uma dessimetria colocada a priori já que nesta relação há pelo menos um que quer a mudança, há pelo menos um que calcula e, ao recusar o lugar de amante que lhe é oferecido responde, por seu não-saber, com um Che Voui ?, um desejo de saber.
Isto nos aponta uma mudança na maneira de ver as coisas pois, se no inicio da psicanálise muitos pensavam que o inconsciente era um não sabido que iria se tornando cada vez mais sabido, a introdução do objeto pequeno “a” por Lacan, nos diz de uma exteriorização do não-sabido que escapa à cadeia significante e se coloca radicalmente excluído dela.
Fazer operar este objeto “a” enquanto semblante no discurso do analista é tarefa a ser sustentada por alguém: um analista. “A psicanálise é o que se espera de um analista” nos diz Lacan no seu seminário XVII, e continua “e o que se espera de um analista é que faça funcionar seu saber e termos de verdade. É bem por isso que ele se confina num meio-dizer”.
Em outras palavras pode-se dizer ser preciso que exista um analista e este analista só existe na medida em que, se colocando com ponto fora da linha, faz operar o vazio onde uma verdade poderá ser transmitida e não um saber ser ensinado.
Esta operação de transmissão só se faz em ato, ato psicanalítico que, preparado pelo amor de transferência – é o amor que possibilita, enquanto signo, o giro do discurso da histeria para o discurso do analista – se conclui pelo vazio do sujeito. O ato acontece ali onde um sujeito deverá advir. Esta operação que tem como pivô o Sujeito Suposto Saber e por objetivo a destituição deste sujeito suposto, só se sustenta pelo desejo do analista.
Esta é uma operação lógica. O ato enquanto puro não-sentido institui um dizer e cria um fato, onde o axioma da existência – que Lacan traduziu por “Há do UM” (Y a d’l’UN) – aponta todo o tempo para a infinitização da demanda, fazendo valer a castração como saída do Édipo.
Sabe-se que são momentos de estagnação que promovem o que chamamos mais acima de “mal-a-mais” e que levam um sujeito a formular uma demanda de análise. Quando esta estagnação ocorre durante o tratamento é porque a transferência está operando enquanto resistência. Freud já nos esclareceu que estes pontos de resistência, pontos de silêncio que acontecem quando a associação livre é interrompida, são a conseqüência do analista estar ocupando um lugar destacado no pensamento do analisante. Michel Silvestre nos lembra que “estes momentos de estagnação longe de serem tempos mortos, perdidos para o sujeito, são ao contrário intervalos onde desponta um material específico, aquele da relação ao objeto, quer dizer, aquele da fantasia”.
Momento crucial onde o ato não deve faltar pois somente um ato vai fazer restaurar a função do objeto “a” enquanto semblante, assim como foi um ato que colocou o sujeito em análise. E não deve faltar sob pena do analista, então, se apresentar como presença maciça, fixa, entravando a espontaneidade da fala. Importante assinalar neste ponto que esta operação se sustenta no Desejo do Analista que faz barra ao gozo que se apresenta na cena analítica, relançando o vetor na direção de uma construção da fantasia.
Talvez se possa afirmar, depois deste trajeto que acabamos de fazer pela transferência em sua relação com o ato analítico, que é exatamente o ato, enquanto fio cortante da verdade, que, considerando “a necessidade lógica do momento onde o sujeito como X se constitui da“Urverdrängung, da queda necessária do significante primeiro”, restaura o significante enquanto puro não sentido e portador da infinitização do valor do sujeito. Temos aí então a verdade não enquanto horror mais enquanto uma variável quântica: A verdade é não toda! Com isto descarta-se a instalação de um único sentido como se tenta, quando se ensina um saber a alguém, assim como a abertura a todos os sentidos. O ato psicanalítico simplesmente abole todos os sentidos. Desta forma, a única saída que resta ao analisante é que faça uma passagem e construa um saber no campo que se abre em conseqüência da incidência do fio cortante da verdade, pelo ato psicanalítico.
Podemos concluir dizendo que este saber que se constrói, tem como centro um “não-saber” que, sendo o núcleo do entusiasmo, não surge por uma relação a si-mesmo, mas como pertencendo à estrutura de um modo essencial, até o ponto de constituir a possibilidade do “Único saber oportuno”
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