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terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Como Agir com seu ser: Sobre o Desejo do Analista (II)

A sétima divisão da parte VI (Direção do tratamento...) nos apresenta o analista a partir do estilo: “O analista é o homem a quem se fala e a quem se fala livremente”. Esta é uma referência explicita à famosa frase de Buffon, com a qual Lacan abre sua coletânea dos Escritos: “O estilo é o homem (...) a quem nos endereçamos...”. O analista tem estilo, sustenta uma singularidade na sua função de semblante de objeto “a” enquanto causa de desejo. Ter estilo implica escrever um espaço onde exista lugar para um sujeito colocar aí algo de seu.
Quanto à segunda parte da frase, questionamos com Lacan “a liberdade”. Como já foi discutida aqui, a liberdade da chamada “associação livre” tem seus limites. Na ocasião falávamos dos limites da sintaxe e da gramática. Hoje lemos Lacan dizendo que a liberdade está, muitas vezes, impossibilitada pelo fato de que “nada é mais temível do que dizer algo que possa ser verdadeiro. Pois logo se transformaria nisso, se o fosse, e Deus sabe o que acontece quando alguma coisa, por ser verdadeira, já não pode recair na dúvida.”. A certeza não deixa lugar ao desejo!
Por tudo isso, ouvir e escutar o que permanece de indizível nas entre linhas, ou entre palavras é função do analista. “Ouvir e não auscultar” nos diz Lacan, pois “o que escuto é por ouvir”. Importante lembrar aqui, o que de alguma forma já faz a nota de pé de página do tradutor, que a palavra “entendre” é também traduzível por entender, captar, reconhecer. Lacan, muitas vezes, utilizou a homofonia do verbo “J’ouis” (eu ouço) com “jouis” (gozo). Colocar em cena o desejo do analista é poder dizer que “naquilo que ouço, sem dúvida, nada tenho a replicar, se nada compreendo disso ou se, ao compreender algo, tenho certeza de estar enganado”.
Agindo assim trabalhamos “os recônditos da primeira infância” , através da demanda que nos chega. Esta “regressão” que aí se produz  pelo fato de não se responder às demandas, trazem, no presente,  aqueles significantes que habitam “demandas para as quais há uma prescrição”. “Prescrição” pode ser lida no duplo sentido: prescrito: ter passado o prazo de validade e, também, prescrito: designado pelo Outro.
Esta articulação com a demanda do Outro, estabelecida nesta regressão aos significantes prescritos, abre espaço para tratarmos do amor naquilo em que ele consiste, ou seja, “dar o que não se tem”. É isto que o analista tem para dar, nada! Mas, a verdade é que “nem mesmo este nada ele tem e por isso se paga a ele por esse nada”. Assim esta demanda vazia, intransitiva, será ainda mais pura e vai denotar a presença do analista ali, no momento em que o sujeito se cala, ou seja, quando “ele (o sujeito) recua até mesmo ante a sombra da demanda”. Esta presença vai, portanto, esclarecer que o analista não está ali para simplesmente frustrar o sujeito com seu silêncio, mas sim para que “reapareçam os significantes em que sua frustração está retida”. A presença do analista é uma presença na qual está implicada uma perda pura. Presença sem ganho, presença vazia que ex-siste para fazer reinar o objeto “a” que o analisante construiu em sua fantasia. Numa análise só há um sujeito em questão e este sujeito vai ter que se haver com o resto que se produziu quando ele consentiu com a entrada do significante. A presença do analista se faz a partir do “desejo do analista” este desejo que é um vazio a ser sustentado como causa.
Na divisão 10, Lacan vai retomar as articulações da demanda ao campo do Outro, identificando este ao lugar onde a onipotência é exercitada na transformação da necessidade em desejo nos desfiladeiros significante, moldando-a e filtrando-lhe os elementos. Ali eles estarão distribuídos em dois registros – sincrônico, de oposição entre elementos irredutíveis; e diacrônico, de substituição e combinação. Mais uma vez vale a pena relembrar aqui que se está trabalhando um texto cuja referência é a primeira clínica, onde a primazia do significante é um fator importante. No entanto, também vale a pena notar que já se apresentam passagens que denotam o espaço aonde a segunda clínica vai se desenvolver. Um bom exemplo disto é a seqüência que temos aqui, logo após esta referência à diacronia e sincronia significantes: “a linguagem, se certamente não preenche tudo, estrutura a totalidade da relação inter-humana”. Este espaço será ampliado pelas articulações da divisão 11, quando Lacan critica, mais uma vez, a identificação ao analista como final de análise possível. Partindo do fato de que o supereu não é a fonte da realidade mas sim marcas ideais que permanecem no inconsciente como recalcadas, “na substituição das necessidades pelo significante”, afirma que toda e qualquer identificação ao analista “será sempre uma identificação aos significantes”. O analista estará, no entanto, restrito em sua ação à posição que lhe empresta o sujeito na transferência. Caso se insista no processo que se costuma chamar de reeducação emocional, o analista só vai repetir, ao querer o bem do sujeito, “aquilo em que ele foi formado, e até, ocasionalmente deformado”.
Dirigir uma análise a partir da figura obscena e feroz do Supereu, conclui Lacan, não deixa outra saída para o sujeito senão partir acreditando na recomendação de seu analista: “Vá em frente, agora você é um menino comportado”.

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