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terça-feira, 17 de dezembro de 2013

“O Desejo do Analista é o pivô do tratamento" (II)

Serge Cottet desenvolve este tema começando por definir que “o desejo de um analista é o que se chama contra-transferência e é o interfere no dispositivo por sobre-determinar a direção que lhe dá.” Já o desejo do analista é o que opera do lado do analista quando ele está preso nas malhas da transferência de seu analisante, a partir mesmo do fato de estar sustentando a figura do Sujeito Suposto Saber pela confiança que o analisante lhe deposita como efeito da transferência. Estando aí instalado, o analista deve buscar seu objetivo que vai à contra-corrente do que propõe a transferência: colocar um ponto final a esta ficção que aí está. É nesse sentido que se vê operar “o desejo do analista como pivô do tratamento” .
Muito se fala sobre a resistência do analista, termo que Lacan utiliza deste muito cedo em sua transmissão, para dar conta do que vai mal num tratamento. Esta forma de estabelecer os termos desloca para o analista o que, até então, estava posto do lado do analisante.
Freud já dizia que quando o analisante para de falar durante a sessão é porque está pensando no analista. Pode-se pensar que esta interrupção no fluxo das “associações livres” acontece em função do amor que sustenta a transferência e que a presença do “sujeito-analista” enquanto objeto de amor, sustentando o equívoco, o engodo do amor de transferência é o responsável por isso. O amor enquanto uma verdade que produz a crença em uma troca possível, é uma resistência apenas quando o analista cede ao charme que sobrevêm do apelo amoroso, a partir mesmo de uma posição narcísica. Somente um “desejo mais forte”, como nos lembra Lacan em seu seminário sobre a transferência pode aí fazer contraponto possibilitando à análise prosseguir. Este desejo mais forte, um desejo inumano, como Lacan o define em sua Nota Italiana, é que mantém a distância entre o gozo (a satisfação) e o imperativo “continue a falar”, e a distância entre o “bem-ser” e o dever de “bem dizer”.
Penso ser possível, aqui, uma palavra sobre a angústia que eventualmente invade o cenário, do lado do analista. Para isso, é importante saber que os afetos do analista estão, como se diz, do lado da contra-transferência, ou seja, eles nada têm a ver com o inconsciente do analisante, mas sim com o amor. A equação que aí se estrutura propõe que o amor responda ao amor. Isto se esclarece quando trazemos à luz o episódio de Breuer e Anna O.: Ali o amor venceu!
Um passo a mais e podemos dizer que num tratamento, trabalha-se todo o tempo para, exatamente, suprimir os efeitos da transferência. Ao ser instalado, pelo analisante, no lugar de Ideal, é fundamental que o analista se coloque desde o início a questão de como é que ele vai poder lidar com isso e sair desta posição. Afinal não há final de análise sem a “queda dos ideais”.
Sabe-se que o Ideal se constitui a partir do traço unário, este herdeiro do Complexo de Édipo que se torna o centro da estrutura narcísica na medida em que reflete o Eu Ideal. Sustentar a transferência a partir deste lugar, do narcisismo, é sustenta-la pelo viés do poder imaginário como, p.ex., na relação do hipnotizador com o hipnotizado. O que se destaca aqui é a ética da psicanálise que vai apontar a resposta à questão: o que quer o analista quando está ocupando este lugar na transferência? Não ceder de seu desejo (de analista) é o que responde Lacan. Ele chega mesmo a ir mais longe na formulação desta proposição: “Proponho que a única coisa da qual se possa ser culpado, pelo menos na perspectiva analítica, é de ter cedido de seu desejo.” Não ceder de seu desejo implica colocar-se como um “x” no caminho da demanda do analisante, indo contra a idealização que o amor de transferência desenha. Ir “para além do narcisismo”, como nos diz Cottet decepcionando “a demanda de amor para permitir à pulsão daí se descolar, subtraindo-a de sua maquiagem imaginária”. Cottet chega mesmo a propor que é isso a contra-transferência, ou seja, o que vai “no sentido inverso da transferência, quando é à sua face de resistência que se opõe”.
O desejo do analista, então, opera na contra-corrente da identificação, na medida em que vai fazer da fantasia fundamental uma pulsão. “Se a transferência é o que da pulsão desvia a demanda, o desejo do analista é o que a traz ali de volta”. Em outras palavras, a função do desejo do analista é que vai manter uma distância, a maior possível, entre o objeto do desejo e o ideal depositado no analista. Seria, pode-se dizer, uma distância entre o Grande Outro (A) e o pequeno “a”, cabendo ao analista, do lugar do Outro, fazer reinar o objeto pequeno “a” como causa de desejo.
Ao amor que é oferecido, o analista, portanto, não pode ceder. Ceder neste ponto pode trazer como sinal a angústia. Relembremos aqui, mais uma vez, Breuer e Anna O. “Se Lacan promoveu a função do desejo do analista é porque ele é, em comparação com o desejo de Sócrates, um desejante cujo desejo do Outro é o objeto. É também porque o desejo, é o remédio para a angústia”.
Vou, portanto, concluir hoje com uma citação de Lacan com a qual ele encerra  o Seminário XI: “O desejo do analista não é um desejo puro. É um desejo de obter a diferença absoluta, aquela que intervém quando, confrontado com o significante primordial, o sujeito vem, pela primeira vez, à posição de se assujeitar a ele. Só aí pode surgir a significação de um amor sem limite, porque fora dos limites da lei, somente onde ele pode viver.”

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