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segunda-feira, 30 de junho de 2014

Acting-out e Transferência – Uma produção do Inconsciente como resposta (II)

Pode-se diferenciar a Verneinung da Verwerfung e do Acting-out pelo sistema de conjuntos e lugares que o movimento de ir e vir demarca como diferentes a cada vez. 
Na Verneinung, p.ex. o objeto rejeitado pela negação desse rejeito, não retorna a seu ponto de partida: ele não reintegra o conjunto do qual foi ejetado: ele vai parar em outro lugar... Desta forma vai existir uma perda, irreversível, no retorno. A integridade dos retornos vai se estabelecer a partir do terceiro trajeto, como o terceiro que abre a repetição: aí se instala uma espécie de lançadeira sem fim, limitando um campo de acesso interdito, o campo dos objetos irrecuperáveis, irremediavelmente perdidos. 
Esse rejeito, na Verneinung, é devido ao julgamento, à escolha como ato do sujeito. A negação desse rejeito, a recuperação do significante, sua reintegração no campo significante do sujeito, será feita pela interpretação do analista: cassado, o significante será recuperado, mas, segundo a topologia, outro: outro porque está em outro lugar, portanto com relações modificadas. Em outras palavras, um significante sendo rejeitado de um campo que pode representar o próprio sujeito por sua própria cadeia significante, na sua complementaridade, vai retornar, tomar seu lugar na cadeia significante do sujeito, mas modificado.

Na Verwerfung temos uma rejeição, mas sem retorno. O significante rejeitado do campo simbólico sofre uma transformação tão radical que muda de categoria, de espécie. No campo de onde ele saiu, ele nunca retornará porque ele já se tornou outra coisa, manifestando-se no real. 

No Acting-out existe um lugar intermediário inapreensível: um elemento simbólico é rejeitado do nível da linguagem, que aparece transitoriamente fazendo uma aparição no real sob a forma de um comportamento inquietante, cênico. Ele representa, um real de teatro, pretendendo ser outra coisa diferente do simbólico. Ao terminar seu papel, ele deixa a cena do real onde foi montada pela necessidade e reintegra seu campo próprio, aquele do simbólico, dos significantes.
Esse retorno é efeito do papel do interpretante. 
Pode-se, eventualmente, qualificar o acting-out como um momento de loucura, mas que se diferencia da psicose, pois, mesmo que ele se determine de um ponto em que a fronteira do Imaginário do Simbólico e do Real foi atravessada, o sujeito não perde o seu bilhete de ir e vir. 


Do ponto de vista econômico

O acting-out é da ordem do "evitar a angústia": a angústia diante algo do Real que a falha do Outro deixou passar ao campo analítico. 
Quando o analista – por falha de uma interpretação que ali deveria acontecer, por uma passagem ao ato que o indica em posição de mestre, pelo desvelamento de um sintoma que o designa como sujeito, por um dizer que descobre seu próprio desejo – sai do discurso analítico – quando está fora (out) deste discurso – o analisando não pode permanecer ali sozinho e o segue: "out".

A interpretação selvagem, como uma forma de desprezar o saber analítico no que diz respeito a seus efeitos, é uma forma do discurso do mestre. O analista, neste caso, não sustenta o lugar de suposto saber e se lança na mestria transformando a situação em transferência sem analista: acting-out. Em outras palavras, quando o analista deixa este semblante e se confronta ao Real, o analisante vai pelo mesmo caminho na sideração e angústia: a histerização se torna necessária e impossível: o Real a interdita, o discurso se cala – é a angústia. 

O acting-out é o efeito do encontro com o (a): efeito de angústia que, mais além da linguagem, impõe a motricidade. 

A passagem ao ato, por sua vez, é o ultrapassamento da cena, cena imposta ou organizada pelo próprio sujeito: o ultrapassamento da cena em direção ao Real; imediato, não diferenciado como o acting-out, a passagem ao ato é tipicamente uma defenetração, ou seja, um salto no vazio.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Acting-out e Transferência – Uma produção do Inconsciente como resposta (I)

Do ponto de vista Tópico é um conceito especificamente analítico que diz do que acontece quando algo falha. Trata-se de uma um processo de ejeção e de um retorno à análise. Pode até mesmo se referir à análise quando ainda não está no curso de seu desenvolvimento. P.ex. quando temos um conjunto de comportamentos passionais que se resolvem pela entrada em análise. Comportamentos estes que se pode qualificar de prefácios que já fazem parte de um texto – o discurso do sujeito já é um discurso de analisante, mesmo que o sujeito não o saiba, mas o acting só será identificado no só-depois, no divã. Já, em contra partida temos os actings que nos dizem de uma saída prematura, como no exemplo de Dora e o mea culpa de Freud.

O acting-out está inserido no mesmo nó da transferência e ele não passa de um de seus aspectos, já que ele está na dependência do suposto saber que a sustenta. Nesta perspectiva Lacan nos apresenta uma oscilação interessante que pode ser assim descrita: 
a – Transferência sem análise – quer dizer ausência ou falha do analista resultando no acting-out. O ex. maior na história da psicanálise é a relação de Freud a Fliess que termina no texto "Esboço de Uma Psicologia Científica" que nada mais é do que a inscrição deste acting-out.
b – Quando o acting-out se precipita na análise e sustenta a referência ao analista. Neste caso temos a transferência.

Para concluir este ponto tópico é preciso dizer que o acting-out faz um acabamento para evitar o desgaste das bordas da situação analítica, levando o analista a se questionar sobre tudo aquilo que escorrega para além destes limites.
“Ele não é um sintoma do analisante ou do analista: é um sintoma da direção da própria análise, produzindo o significado do que se passa aí como conseqüência dos sintomas dos dois parceiros: ele diz a verdade”.

Do ponto de vista dinâmico o acting-out é uma resposta. É uma mostração endereçada, sem latência, mas não sem agressividade, a um outro que tem de participar. É uma resposta sem palavras que aí não aparecem para sustentar o efeito de significante, surgindo apenas como um relato ou comentário, secundariamente. Ele surge como uma busca de uma interpretação de forma forçada endereçada ao outro (com um pequeno a). Este aspecto é mais a diferença do acting em relação à interpretação que se basta, se satisfaz por si mesma, e não demanda interpretação mesmo que saibamos que ele contém uma mensagem endereçada ao Outro com A maiúscula. P. Ex. a interpretação que Freud jamais obteve de Fliess, pois este nunca foi analista.
O acting é uma história sem palavras, uma cena produzida pelo inconsciente a partir de uma rememoração que se apresenta na realidade em lugar de ser exposta num sonho ou dita no terreno do jogo transferencial: trata-se de uma outra cena.

É uma resposta dirigida ao outro que não está, ou não está mais, em posição de analista. Em outras palavras, a um fading do analista na sua posição de interpretante. Uma passagem, portanto, do discurso do analista a um outro em função do sintoma do analista levando o sujeito da transferência ao acting-out: “o sujeito não está aí designado e ele mostra algo: ele crê saber a quem, mas ele não sabe de onde e nem o que: existe aí algo da ordem de um forçamento, de uma provocação” para reabrir o que o analista fechou. Este episódio de falta de palavras em um processo que se supõe sustentar-se por elas é consequência do deslizamento do analista de sua posição levando a uma situação de transferência sem analista. Isso acontece sempre que o analista deixa seu lugar, ou seja, deixa de sustentar um espaço onde o objeto ‘a’ possa reinar como semblante:
a – quando ele escorrega para a posição mestre,
b - quando ele, acolhendo seu próprio sintoma, fala como analisante,
c – quando, abandonando a cena analítica pela realidade do mundo, ele passa ao ato.
Em resumo, abandonando seu lugar e o discurso que lhe compete, ele produz uma transferência selvagem: sua resposta sem palavras. Pode-se dizer que o acting-out se produz quando o suposto saber que sustenta essa transferência deixa, por uma falha de seu discurso, surgir algo do Real.

O acting-out não é da ordem do significante, já que a falha de simbolização anunciada pela ausência de uma interpretação apaga o efeito significante. Por isso podemos dizer que o acting-out e da ordem do signo, ou seja, ele faz signo para qualquer um. O importante é que, no acting-out o sujeito não fala do seu lugar, ele não se designa como “eu”: ele não sabe o que diz, ele não pode por si mesmo partindo de seu acting-out, reconhecer o sentido.
O temos aqui é uma referência a um significante desaparecido do que pode ser símbolo: neste limite do indizível, o acting-out é uma posta em cena do rejeitado, segundo o mecanismo da Verwerfung: o Simbólico do discurso impossível é posto em ato no campo do Real. Por isso a urgência de restabelecer o outro como interpretante para que possa se restabelecer a situação analítica. Assim diz o analisante nesta situação específica: “Você não compreendeu nada do que lhe disse, olhe o que se passa!” Dito de outra forma: para além da irritação desta incompreensão, existe uma passagem da passividade do dizer à atividade da mostração. O analisante torna-se ativo: ele coloca em cena o discurso que o colocou em cena, ou seja, a fantasia fundamental. Assim fazendo o analisante deixa de ser aquele que apenas acompanha o jogo da produção de seu inconsciente que aí está para ser dirigido (S1/$) ele se coloca em posição de mestre, fora do discurso. Ele representa o que não pode dizer. 

Partindo do princípio de que o analisante toma uma posição ativa no prazer que ameaça se repetir, pode-se dizer que existe a mesma relação do acting-out ao princípio do prazer que se observa no jogo da criança e o carretel, este momento de assumir o Simbólico para dominar o Real.  Trata-se, na linguagem freudiana do agieren: a colocação em cena comentada de duas palavras e a mostração de sua relação ao outro faltante. Ao constatar a perda da mãe e faltando quem lhe transmita uma interpretação deste fato, a criança estabelece uma cena onde a bobina rejeitada pode ser recuperada, ao mesmo tempo em que um espaço vai se construindo em torno de duas palavras: Fort e Da. 

Para situar o acting-out: onde se faz a articulação do dizer à ação, a queda, a evicção do efeito de significante da fala?
Entre o discurso e o sem-palavras, um ponto de meio-dizer, um ponto de verdade: aquele onde o recalque é dito, mas onde o recalcado é morto: a Verneinung.
Articulação essencial, origem do julgamento para Freud, do pensamento para Hyppolite, esse ponto onde se dividem o intelectual e o afetivo. Articulação em ato, diz Lacan.
Com efeito, escolhe-se a metade morta: há o ato, efeito de significante, que se diz.
Como no primeiro movimento da Verneinung, há no mecanismo do acting-out, recusa e rejeição.
Rejeição do dizer angustiante do outro, arrebatando, por uma clivagem entre o Simbólico e o Real, a necessidade de uma outra resposta diferente da linguajeira.  


terça-feira, 17 de junho de 2014

A Palavra, o nó, a angústia

“Tentei escrever o Paraíso.
Não se movam!
Ouçam falar o vento
Esse é o paraíso.”
(Erza Pound, canto 120)
 
“O que é a angustia? É o que,
do interior do corpo, ex-siste
quando algo o desperta, o atormenta.” (Lacan, Sem. R.S.I.)
 
 
 
Tomemos a palavra !
“E no princípio era o verbo... E o verbo se fez carne." E foi o bastante. Pelo menos no princípio. Bastou que o verbo se tornasse carne e tudo se tornou um, apesar de três. E assim viviam felizes até que... Então a carne não bastou e buscaram novamente o verbo. Mas, tarde demais!!! Algo, a verdade, havia se perdido. E para sempre! Daí para cá continuamos a suar o rosto na tentativa de restabelecer o que um dia teria sido.
Então, aproveitando-se disto, “o verbo habitou entre nós”. E trouxe a esperança. E trouxe a angustia. Esperança e angustia que com palavras se escreve ao nascer, marcando os três registros que fazem nó, que dão sentido e promovem laços, fazendo o discurso da vida de cada um. Real, Simbólico e Imaginário são os três registros que fazem este nó e que cada palavra, enquanto significante, aponta ao ser enunciada. Palavra que tem corpo, consistência, que pode ser imaginada, que pode construir um lugar onde nos iludimos na esperança de um paraíso. Palavra que nos mantém numa imbecilidade desejada para fazermo-nos crer na relação (sexual) e na unidade almejada.
Ah! O gozo prometido!
Esperança vestida de sintoma.
Desejo desviado, condensado, espremido na tentativa da negação da falta no Outro. Outro do qual fazemos corpo e tentamos estreitar em nossos braços para só assim percebemos que esta tentativa “não é outra coisa que o sinal do embaraço mais extremado”. (Lacan. Sem. R.S.I.).
Palavra que nos leva à paixão da ignorância. Paixão esta que nos remete diretamente ao que ex-siste a esta mesma palavra pois, está sempre lá onde não podemos alcançar. Lá, naquele resto que um dia foi parte e que se perdeu no momento em que se provou da árvore do saber. Resto que possibilita o desejo e que é a sua causa. Resto que sinala com a esperança e provoca a angustia, uma vez que não se deixa nunca enganar mas, ao contrário, é a própria presença da verdade.
Palavra, enfim, que dá nome a partir do Nome do Pai. Que faz laço social e que põe no lugar cada coisa na tentativa de promover um sentido em determinada sequência metonímica por onde desliza o desejo na sua busca infinita do resto que a barra impôs como perda. Deslizar este que constrói a fantasia fundamental, lugar possível de contato com este objeto perdido e amostragem simples de nosso paraíso infernal.
Pois bem, um pouco mais deste R.S.I. para reforçarmos ainda mais a idéia do nó. Se o Real necessita de uma escritura para sustentar-se, ou como nos diz Lacan “do Real não há outra idéia sensível que a da escritura, o traço escrito, (...) no simbólico há algo desta urverdrängt, algo que jamais demos sentido, ainda que sejamos capazes de dizer ‘todos os homens são mortais’. Segue-se que  este enunciado não tem, por obra do ‘todos’, nenhum sentido. É preciso que se propague a morte em Tebas para que o ‘todos’ deixe de ser puro simbólico e chegue a ser imaginável. É preciso que cada um se sinta implicado em ‘particular’ pela ameaça da peste”. Em outras palavras, se há um registro do simbólico, aquele a quem fomos apresentados quando o verbo habitou entre nós, registro este que possibilita, através da separação que sinaliza, nomear um sujeito e representá-lo para outro significante, este registro não pode seguir existindo só. Ele é parte do nó que enlaça borromeanamente os outros dois registros, onde cada traço simbólico pode ser imaginarizado e seguir sendo apenas a borda do Real.
Retomo a palavra que é capaz de suscitar a angustia, pois é algo que afeta o corpo despertando-o e atormentando-o.
Nossa idéia é basicamente a seguinte: não importa em qual dos três registros (Real, Simbólico ou Imaginário) uma determinada palavra se apresenta, não importa qual a sua face, os três registros estarão sempre presentes e o que vai determinar o surgimento de angustia neste ou naquele momento do processo será sempre o que de Real contém a palavra, ou seja, enquanto marca de uma perda, de uma separação que um dia ocorreu. Sim, separação, pois nos diz Freud: “a angustia não é algo que é criado no recalque; ela é reproduzida como um estado afetivo de acordo com uma imagem mnémica já existente”. (Freud, S. Inibição, sintoma e Angustia. S.A ., VI. Pág. 238).
Talvez tenha soado estranho, a quem ler, ter falado em “face da palavra”. Acredito, no entanto, que posso tornar as coisas menos obscuras à medida que falar dos exemplos clínicos que vou discutir. Contudo, digo-lhes que a palavra, enquanto significante e, portanto, enquanto nó que enlaça os três registros, adentra o discurso por qualquer dos laços deste nó. Se isto ocorre com qualquer palavra, nem todas produzem, pela sua entrada, o surgimento da angustia. Apenas aquelas que guardam uma certa relação com a fantasia fundamental são capazes disto. São palavras que promovem a angustia como sinal.
Escutemos a clínica.
Iara* nos procurou há alguns meses desejosa de se submeter a um processo analítico. Dizia-se inquieta com a sua vida atual e com muitos questionamentos com relação a sua vida profissional e familiar. Já na primeira entrevista disse que nos havia procurado por saber de informações que me diziam ser muito paternal. Isto motivou sua decisão pelo meu nome pois, já que ela estava cheia de conflitos, não poderia se submeter a um trabalho muito pesado. Escutei a demanda de Iara e me coloquei a escutá-la até que pude perceber a possibilidade de uma entrada em análise e uma passagem ao divã. Após algumas sessões surgiu o primeiro sonho de Iara: “Ia fazer uma prova. Não me lembro de ter feito a inscrição, mas já me via colocada lá, para fazer uma prova que não queria. Estava do lado de fora, mas, de repente, me vi colocada na sala. Para fazer a prova precisava ter um caderno e uma folha. Mas só tinha o caderno azul. A folha me faltava. Tentei pedir, mas me disseram que havia chegado atrasada e portanto havia de dar conta assim mesmo. Tentei olhar o do vizinho, mas não consegui.”
Logo após o relato do sonho descrito, solicitei à Iara que tomasse lugar no divã pois conclui que a abertura do inconsciente, sinalizada pelo sonho, marcava o início de um caminho. O comentário de Iara à minha solicitação foi: “Lá vem outro esbarrão !” Considerei importante assinalar que Iara sempre usava esta palavra: esbarrão. Ora para dizer que seus familiares estavam lhe cobrando algo, ora quando eu fazia alguma intervenção.
Na sessão seguinte, Iara voltou com outro sonho: “Ele (apontou o divã) era um cachorro grande com quem lutava. Seu marido assistia e dizia que não me deitasse pois senão ele me comia. Após muita luta, cansei e caí – Aí ele veio e me comeu um pedaço do pé”.
Iara falava muito pouco. Era sempre lacônica ou, então, nos dizia de sua vida por metáforas. Mesmo assim, as palavras saiam com dificuldade. Eram medidas e pesadas. Vejam, por exemplo, como relatou uma aventura amorosa que estava vivendo: “Encontrei o meu Adão e ele me convidou ao paraíso . Passado um tempo, voltou a comentar sobre o que vivia. “O Adão fechou a porta do paraíso. Eu o chamei e ele não escutou.” Pequeno silêncio e: “Mais um esbarrão”. Daí para frente, durante o tempo que permaneceu em trabalho, Iara não falou mais nada, ou melhor, quase nada pois seus comentários se resumiram em dizer o quanto estava difícil ficar em silêncio sentindo que deveria falar. Tudo ali a estava deixando oprimida e angustiada. Então, um certo dia, três meses após ter iniciado, anunciou que não voltaria mais e, não voltou.
Não vou entrar aqui em todas possibilidades de uma discussão clássica que as nuanças apresentadas por Iara me permitiria. Vou, dentro da perspectiva do que anunciei, ater-me apenas à palavra que não foi dita por Iara. Não foi dita enquanto nó contendo os três registros. Explico: Acredito que nos dois sonhos relatados por Iara está a chave do porque ela foi embora tão depressa. A palavra, enquanto portadora de uma falta-a-ser, enquanto barra é a própria apresentação da castração, da impossibilidade da relação (sexual) e, consequentemente, da impossibilidade da entrada no paraíso. Acrescentaria a isto, apenas a título de mais um dado, que o corte promovido no olhar pela passagem ao divã, aumentou ainda mais a ameaça desta castração, ou melhor, a ameaça da constatação da castração.
Mas, diriam vocês, Iara falou disto o tempo todo. Sim, falou. Mas depois se calou. Quando no tempo de se implicar, quando no tempo de trabalhar para que o que disse deixasse de ser puro simbólico, a angustia que avisava que ali havia um perigo, fê-la recuar. O sintoma se fez presente para evitar que a angustia persistisse. A neurose venceu e Iara seguiu em busca de seu Adão ou de alguém que lhe abrisse as portas do paraíso.
E a palavra? A palavra permaneceu como uma simples palavra. Um só laço de um nó que se desfaz por não admitir os outros dois laços como parte dele.
Escutemos Marcos*.
Trata-se de um jovem que me procurou na expectativa de que o ajudasse a vencer o seu medo da morte. Medo este que o deixava, por vezes, imobilizado.
Desde o início do trabalho Marcos vinha falando regularmente deste seu medo quando, num outro dia, ele chegou dizendo que acontecera algo que ele temia tanto quanto a morte: alguém lhe chamara de homossexual em público. Assim Marcos nos relatou o acontecido: “Eu me sinto muito bem como homossexual e não tenho o menor receio de contá-lo a ninguém, inclusive fui eu quem o disse para os meus pais, mas quando aquele velho, meu vizinho, me gritou em altos brados que eu era uma bicha, tive de me conter para não matá-lo”. Marcos estava transtornado ao final do relato. Parecia que a enorme muralha que havia construído em torno de si ruira como Jericó ao som das trombetas de Josué. O mundo todo compartilha agora de seu segredo. A palavra já não é mais sua. Algo se perdeu e esta perda tomou corpo, criou imagem. E a angustia sobreveio para sinalizar o perigo que se fez presente através da face imaginária da palavra.
Uma terceira situação:
Este exemplo não foi colhido da clínica, mas de uma conversa com Joana*, uma pessoa amiga. Joana comentava comigo a respeito da angústia por que passava no seu processo analítico. Dizia estar sofrendo muito e que algo existia para ser dito mas, as palavras não surgiam. Nada podia encontrar que desse um nome ao vazio que se lhe apresentava. Sentia que havia chegado ao limite da palavra. É a face Real da palavra que estava ali, trazendo o nada que nos enche de angustia.
Retomemos a palavra !
Muito ainda há o que escrever, falar, discutir sobre estas idéias que surgem. Mas... melhor não. Deixemo-las onde estão. Assim mesmo. Fragmentada, faltando pedaços, pois foi assim que ela surgiu nestas primeira linhas deste texto que mostra muitos pontos a serem melhor esclarecidos. Afinal, é preciso fazer série. Então, deixemo-lo onde está e, por hora, talvez seja melhor escutarmos o vento já que não nos abandona mesmo este desejo de um dia encontrarmos o paraíso.

 * Nomes fictícios.

segunda-feira, 9 de junho de 2014

A Arte Aplicada à Psicanálise

Existe uma passagem em Lacan, muito conhecida por seus leitores, que se encontra no texto A psicanálise e seu ensino que explicita o que se objetiva quando se transmite. Transcrevo o parágrafo: Qualquer retorno a Freud que dê ensejo a um ensino digno desse nome só se produzirá pela via mediante a qual a verdade mais oculta manifesta-se nas revoluções da cultura. Essa via é a única formação que podemos pretender transmitir àqueles que nos seguem. Ela se chama: um estilo.
A preocupação de Lacan com a transmissão foi sempre muito clara. Na busca de uma maneira que pudesse efetivar este seu objetivo utilizou-se de vários artifícios e, dentre eles, a referência constante às obras de arte, em especial à poesia e a pintura. Sua escolha por estas duas formas que, de acordo com Hegel se definem como arte romântica, pode ser atribuída a dois fatores. Em primeiro lugar, necessita de material visível para sua representação, porém um material que pode ser definido como de uma visibilidade subjetiva. Hegel nos diz que o aspecto de conjunto sob o qual se apresenta esta forma de arte é o da pintura. Outra matéria por meio da qual se realiza a arte romântica tem, ainda que seja sensível, uma origem mais profundamente subjetiva. Sabe-se que a cor é, por si mesma, um meio de subjetivação, a subjetivação mais profunda, consideramos agora, consiste em suprimir as coexistência indiferentes que preenchem o espaço e que a cor ainda deixa subsistir, idealizando-as e reunido-as em um ponto.
Com respeito à segunda forma a que me referi acima, Hegel tem a dizer o seguinte: Temos visto nesta forma de arte que a interioridade, o sujeito, o conteúdo da obra de arte abandona seu tranquilo silêncio, sua unidade absoluta com sua forma, sua matéria, sua representação exterior, para voltar a si mesma, devolvendo sua liberdade à exterioridade que, por sua vez, volta a si mesma, rompe sua união com o conteúdo, para ser-lhe alheia e indiferente. É a poesia, em seu sentido mais geral, a que constitui a realização desta forma. Na poesia, em efeito, o sujeito e a forma seguem cada um sua via e se particularizam.

Em meio a todas estas referências à subjetividade penso ser muito importante que Lacan, em seu Seminário XI, explicita o uso que faz das obras de arte em sua transmissão, deixando à parte qualquer análise do pintor que acaba sendo sempre tão escorregadia, tão escabrosa, provocando sempre uma reação, no mínimo de pudor, no auditor. Fazer crítica da pintura não é, tampouco, seu objetivo, o que nos leva a dizer, com François Regnault que, segundo Lacan, temos uma ética da psicanálise, mas não uma estética da psicanálise. Há, portanto, uma teoria lacaniana da pintura e ela se encontra nos capítulos VI a IX do Seminário XI quando vai ser tratada a questão do olhar como objeto a. Lacan, portanto, não aplicará a psicanálise à arte, nem ao artista, mas sim, aplicará a arte à psicanálise, explicitando uma prevalência do artista ao psicanalista ao esclarecer que é sua arte que faz avançar a teoria psicanalítica: um psicanalista somente tem direito a sacar uma vantagem de sua posição, ainda que esta lhe seja reconhecida como tal: a de recordar, com Freud, que em sua matéria, o artista sempre lhe leva dianteira, e que não tem porque fazer-se de psicólogo onde o artista lhe desdobra o caminho. Em seu texto sobre Gide, Lacan nos diz que a psicanálise somente se aplica, em sentido próprio, como tratamento e, portanto, a um sujeito que fala e ouve.
Mas é em seu Seminário sobre a Ética que Lacan vai construir uma teoria da arte. Ele o faz tomando como ponto central a ordenação da função da sublimação em referência à Coisa (das Ding):
Esta Coisa é acessível em exemplos muito elementares, que quase são da natureza da demonstração filosófica clássica, com ajuda do quadro negro e de um pedaço de giz. A última vez tomei o exemplo esquemático do vaso para permitir-lhes captar onde se situa a Coisa na relação que coloca o homem na função de meio entre o real e o significante. Esta Coisa, cujas formas criadas pelo homem são do registro da sublimação, estará representada sempre por um vazio, precisamente na medida em que ela somente pode ser representada por outra coisa. Porém, em toda forma de sublimação o vazio será determinante (...) Toda arte se caracteriza por certo modo de organização ao redor desse vazio.
Este vazio, este buraco que é organizado pela arte, de que se trata? Podemos começar a esclarecer este ponto lançando mão do que Freud nos diz quando explicita que o objetivo primeiro, mais próximo da prova de realidade não é encontrar na percepção real um objeto que corresponda ao que o sujeito se representa neste momento, mas sim, voltar a encontrá-lo. Ora, este objeto estará ali, comenta Lacan, somente quando todas as condições estejam cumpridas, afinal de contas, está claro que do que se trata de encontrar não pode voltar a ser encontrado. O objeto está perdido como tal por natureza. Nunca será reencontrado. Este objeto que nunca poderá ser reencontrado é a Coisa. Este objeto que o mundo freudiano, ou seja, o de nossa experiência, denomina das Ding, enquanto Outro absoluto do sujeito, é o que se trata de reencontrar. 
Não há como negar que esta experiência diz respeito ao ato inaugural do sujeito no campo freudiano, caracterizando o sujeito, seu objeto e, fundamentalmente, seu desejo.
No entanto, podemos dizer, com Lacan, que este objeto nunca foi perdido, ainda que se trate de reencontrá-lo. Nem tampouco ele foi dito, pois em verdade ele desliza por entre as palavras e as coisas construindo uma ilusão de que as palavras corresponderiam às coisas. Ilusão que será sempre desmentida pelo mal-entendido, mas que renasce sem cessar. Por isso Lacan vai definir a Coisa como estando entre o real e o significante. Esta Coisa estará sempre representada pelo vazio, precisamente na medida em que ela não pode ser representada por outra coisa ou, mais exatamente, ela só pode ser representada por outra coisa
Se tomarmos o primeiro caso - o que a representa é o vazio -, estaremos nos referimos à lógica, à lógica do real. Se a tomarmos pelo segundo - o que a representa é outra coisa -, vamos para o lado da representação e, aí sim, estaremos no campo da arte.
No primeiro caso vamos para o lado das variações filosóficas ou teológicas que dizem do conjunto vazio ou da criação ex-nihilo. Com respeito ainda à lógica, mas desta vez do ponto de vista da cadeia significante, o vazio será o significante faltante, o que vai mover a cadeia enquanto impossibilidade, enfim, o zero da série de números. Se ainda desejarmos mais uma referência à lógica, poderemos convocar a topologia para dizer que o vazio será o buraco, etc...
Com respeito à arte, este modo de organização em torno a este vazio está muito bem representado pela ação do oleiro que modela um vaso em torno ao vazio.
No quadro este vazio se apresenta sob a forma da mancha, um pequeno branco, que nada mais é do que a marca do olhar como estando fora. A instituição do sujeito no campo do visível se determina exatamente por este fato, de que “é pelo olhar que entra na luz e é do olhar que recebe o efeito. E o efeito nada mais é do que o de ser capturado pelo imaginário que a função da tela, enquanto uma máscara, sustenta, para além dela mesma, o olhar. Assim é que a tela nada mais é do que um lugar de mediação onde o sujeito joga nesta relação do desejo com a realidade. Realidade esta que só aparece como marginal.
Na verdade há sempre algo, num quadro, que se pode notar como ausência. Lacan o localiza no campo central, onde o poder de separar, do olho, se exerce ao máximo na visão. Em todo quadro, ele é substituído por um buraco, reflexo, em suma, da pupila, por trás da qual está o olhar. Consequentemente, e na medida em que o quadro entra em relação com o desejo, o lugar da mancha central está sempre marcado, e é justamente por isso que, diante do quadro, eu sou elidido como sujeito... 
Lacan, pelo que podemos depreender deste pequeno percurso, utiliza o quadro como uma mostração, como uma forma de transmitir o que foge, o que não se deixa apreender nas malhas do discurso. Visto desde este ponto, o quadro teria uma função que se assemelha à do matema. Não um quadro qualquer, mas um quadro que se deixa perceber em relação com o desejo. Em seu Seminário XI, já mencionado, Lacan vai nos dizer de que quadro se trata quando se objetiva a mostração:
De uma maneira vaga e precisa ao mesmo tempo, e que só diz respeito ao sucesso da obra, Freud formula que, se uma criação do desejo, puro ao nível do pintor, toma valor comercial é que seu efeito tem qualquer coisa de aproveitável para a sociedade, para o que, da sociedade, tomba sob seu golpe. Permaneçamos no vago para dizer que a obra, isso lhes apazigua, as pessoas, isso lhes reconforta em mostrando-lhes que pode haver alguns que vivem da exploração de seu desejo. Mas para que isso lhes satisfaça desta forma, é preciso que haja também esta outra incidência, que seu desejo, o deles, de contemplar aí encontre algum apaziguamento. Isso lhes eleva a alma, como se diz, quer dizer, isso lhes incita a renunciar. Não vêem vocês aqui alguma coisa que indica esta função que eu chamei de domar-olhar?

Para concluir, o uso do quadro, assim como do matema ou da topologia são formas de tentar passar o vazio que se apresenta no centro mesmo do pouco de realidade que constitui nosso mundo. Isso é o que se pode chamar de um estilo.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Visitando o Seminário XI: Alienação e Separação

No texto “POSITION DE L’INCONSCIENT - au congrès de Bonneval”  Lacan vai afirmar que “os psicanalistas fazem parte do conceito de inconsciente porque eles se constituem no ponto de endereçamento” e, “a presença do inconsciente, por se situar no lugar do Outro, deve ser procurada em todo discurso, em sua enunciação”. 
Enquanto lugar de endereçamento do inconsciente, o analista tem, necessariamente, que se haver com uma passagem que, caso não aconteça, irá impedir que possa se colocar neste lugar ao qual o inconsciente, este Outro, se dirige para falar. É que, “o próprio sujeito do pretendente a sustentar esta presença, o analista deve, no mesmo movimento, ser informado e “colocar em causa”, ou seja: se provar assujeitado à refenda do significante. Em outras palavras, pode-se dizer que o analista já deve ter feito certa passagem que promoveu uma separação, de tal forma que ele pode se colocar numa posição tal que o Real poderá ser tratado pelo Simbólico.
Do que se trata, na verdade é de uma operação cujo início pode ser trabalhado a partir da repartição que Lacan propõe, ao opor, no que diz respeito à entrada do inconsciente, dois campos: o sujeito e o Outro. “O Outro é o lugar onde se situa a cadeia significante que comanda tudo isso que vai poder se apresentar do sujeito, é o campo desse vivente onde o sujeito aparece”. Neste ponto, Lacan acrescenta que é neste campo que se manifesta, essencialmente, a pulsão. Acrescento esta passagem para lembrar a vocês que no curso - Silet -  J-A. Miller desenvolveu um estudo onde resgata a história do ensinamento de Lacan, dizendo que, no “Discurso de Roma - Função e Campo da Fala e da Linguagem em Psicanálise”, Lacan deixou de trabalhar o conceito de pulsão, para retomá-lo, exatamente a partir de críticas que recebeu no Congresso de Bonneval. O resultado foram os textos aos quais me refiro aqui: “Posição do Inconsciente” e “Seminário XI - Os quatro conceitos...”
Comecemos pela pulsão: “toda pulsão, sendo por essência, pulsão parcial, nunca representa a totalidade da tendência sexual”. Há, portanto, na estrutura uma impossibilidade de representação total. Esta impossibilidade vai nos dizer que a sexualidade se instaura, no campo do sujeito pela via da falta, pelo fato de que o sujeito depende do significante e que o significante está, de início, no campo do Outro. Esta falta, que é do sujeito, vem encontrar uma outra, esta a falta Real, anterior ao advento do ser vivo, que é a reprodução sexual, ou seja, é isso que o ser vivo perde ao se reproduzir pela via sexuada.
A relação do sujeito ao Outro vai, então, se estruturar em torno desta brecha ponto onde as duas faltas se recobrem fazendo com que a topologia, que mostra o que se passa não será nunca a de uma superfície e uma profundidade, mas uma topologia de borda: o enlaçamento de dois toros mostrando que a circularidade desta relação é dissimétrica.
Essa dissimetria, pode-se colocar na própria definição do significante que, produzindo-se no campo do Outro, faz surgir o sujeito de sua significação: “um significante representa um sujeito para outro significante”. Em outras palavras podemos dizer que o significante não funciona como tal senão reduzindo o sujeito, no instante anterior a não ser mais que um significante: “O significante se produzindo no lugar do Outro ainda não localizado, faz surgir, aí, o sujeito do ser que não tem ainda a palavra, mas ao preço de aí o congelar”. Para designar isto, Lacan buscou em Jones o conceito de “afanasis”, deixando claro que o Outro, sendo para o sujeito o lugar de sua causa, define que o sujeito nunca poderá, ele mesmo ser causa de si mesmo, o que coloca esta passagem pela alienação no campo do Outro como um passo necessário na estruturação mesma do sujeito, já que instala a sua divisão pelo significante que o constitui.
Esta divisão instala o sujeito, no seu nascimento, no campo do Outro, “sob o significante que desenvolve suas redes, suas cadeias e sua história, num lugar determinado”.Esta localização sob um significante vai nos dizer que, ao contrário do que pensavam alguns, inclusive S. Leclaire, a interpretação não está aberta a todos os sentidos, pois ela designa uma só sequência, mesmo que o sujeito possa ocupar vários lugares, conforme o colocamos sob um ou outro desses significantes.
Sendo os dois campos interligados aí, onde a falta é o elemento comum, pode-se trazer-lhes a idéia de que é o Simbólico que vai trazer o Real ao ser, aquele que, como disse a pouco citando Lacan, é o estado do sujeito antes que o acesso a palavra lhe fosse concedido. A promoção deste ser, no Simbólico, pode ser entendida como uma transformação em duas direções: uma que é que a falta é aí introduzida; portanto o advento do Real ao ser produz a falta-a-ser, mas produz também um outro efeito que é isso que Lacan chama a opacidade do ser.
A falta-a-ser é, então correlacionada à alienação do sujeito. A alienação, podemos situá-la, como já dissemos, na cadeia significante, enquanto que a separação, vamos referenciá-la ao intervalo significante que é o correlato do desejo do Outro. Ora, se o sujeito surge aí, onde havia o ser que não tinha ainda a fala, é porque o Simbólico faz emergir qualquer coisa do Real.  Em outras palavras, desde que a cadeia significante opera, vai haver uma disjunção entre o ser e o sujeito, e este sujeito que surge do ser, é um sujeito alienado - não porque o significante ao qual ele está assujeitado vem do Outro, pois, como Lacan muito bem explicita à página 841 de seus Écrits, do que se trata não é uma alienação ao Outro. Ele está alienado porque o significante lhe impõe uma escolha forçada; uma escolha forçada entre a petrificação ou o sentido. No entanto, qualquer que seja a escolha que o sujeito fizer, o que resta de escolha forçada é o non-sens, pois o que vai permanecer é a parte sem sentido do significante, aquela que se apresenta como impossível e vai acionar a repetição como necessária. Esta parte de non-sens do significante é o que Freud apontou como o recalque originário.
                      
          
Em outras palavras, “não existe significante tal que seja equivalente ao ser”, Pois a entrada do significante implica, necessariamente que algo seja perdido o que equivale dizer que o primeiro resultado da escolha forçada é uma perda forçada. 
Mas, se por um lado, a alienação implica uma escolha forçada, a separação, esta não é forçada. “A separação é um querer.” A separação implica uma posição do sujeito, uma decisão, para sermos mais explícitos. Lacan vai opor, num jogo de palavras, o VEL da alienação, ao VELLE, o querer que opera na separação. A separação, portanto, não é automática. Para tomarmos um exemplo, vamos dizer que na histeria isto vai aparecer de uma forma bem visível, pois o sujeito histérico se situa inteiramente ao nível da separação, ao nível de interrogar seu ser no Outro, e de se fazer ser no Outro. Em contra-partida, no obsessivo, este querer é um querer impedido, protelado indefinidamente. É por isso que é necessário histericizá-lo para que ele possa sair deste lugar de uma escolha forçada.
O “sujeito alienado” pode ser dito desta forma: “parte perdida necessáriamente”. Isto quer dizer que, da parte que resta ao sujeito, a parte que não está perdida, a parte que lhe retorna, esta parte surge exatamente disto que Lacan denomina “opacidade do ser”. O que se tem, então, é de um lado a falta e do outro a opacidade. Chamo a atenção para o fato de opacidade aqui se referir ao nível do saber, e não ao nível da perda o que, também, a faz uma falta.
A separação é uma operação que tem como finalidade recuperar uma parte do ser pelo viés do Outro, ao fazer-se par, parte do Outro. Seu objetivo seria encontrar um lugar no intervalo onde não há significante no Outro. Por outro lado, esta operação visa responder também à opacidade do ser, fazendo aparecer o “ser que eu sou”, o ser que o sujeito possivelmente é para o Outro. Importante assinalar que não estou dizendo que esta operação visa saber do ser, eu repito que ela visa fazer aparecer. “A separação não conduz a um saber do ser, isso conduz preferencialmente a um fazer aparecer, um fazer emergir na atividade pulsional”.
A separação opera pelo recobrimento de duas faltas, ela opera entre $ e A/. Ela opera, como diz Lacan, entre dois desejos. Tudo se passa ao nível da relação de desejo ao desejo. É aí que o sujeito tenta apreender seu ser, aí onde o desejo do Outro coloca a questão “o que queres?”. 
Este ponto, onde a falta do Outro [S(A/)], vai dizer de uma impossibilidade, abrindo um novo caminho para que um desejo se constitua.
O quero dizer com isto é que esta relação entre estes dois desejos, este laço do desejo ao desejo neste encontro de duas faltas, falta do sujeito e falta do Outro vai supor que na separação há um encontro do desejo do Outro. Neste ponto, o sujeito se coloca na tarefa de procurar o ser pela falta do Outro. Enfim, é isto que há: duas faltas e entre estas duas faltas um só objeto que podemos escrevê-lo ‘a’. Há um só objeto que satura essas duas faltas. Como só há um objeto, uma pergunta logo vai se impor: De quem é este objeto?
Esta é toda a problemática da fantasia fundamental porque, como nos diz Lacan, a fantasia tem um pé no Outro. Este pé no Outro é o pé do desejo, pois a fantasia, na verdade é o desejo do Outro, o que quer dizer que é ao mesmo tempo  o desejo que vem do Outro e o desejo que recai sobre o Outro. Tem um pé no Outro, mas não os dois; e o que não vem do Outro é precisamente o objeto. É este objeto que responde à questão que nos coloca Freud: que sou eu para o Outro?. Para explicitar um pouco mais esta afirmação digo-lhes que, contrariamente ao que pensam, não é o sujeito quem responde esta questão, nem muito menos o Outro, mas sim isso que resta da operação significante e que se apresenta como o ser da libido, órgão colocado em jogo na pulsão. Em outras palavras, isso que responde não é algo que fala, nem muito menos algo que se inscreve do significante, mas é “algo que em ato, trata de se fazer ser qualquer coisa para o Outro, qualquer coisa a ver, ou qualquer coisa a escutar”. ($<>a)