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segunda-feira, 23 de junho de 2014

Acting-out e Transferência – Uma produção do Inconsciente como resposta (I)

Do ponto de vista Tópico é um conceito especificamente analítico que diz do que acontece quando algo falha. Trata-se de uma um processo de ejeção e de um retorno à análise. Pode até mesmo se referir à análise quando ainda não está no curso de seu desenvolvimento. P.ex. quando temos um conjunto de comportamentos passionais que se resolvem pela entrada em análise. Comportamentos estes que se pode qualificar de prefácios que já fazem parte de um texto – o discurso do sujeito já é um discurso de analisante, mesmo que o sujeito não o saiba, mas o acting só será identificado no só-depois, no divã. Já, em contra partida temos os actings que nos dizem de uma saída prematura, como no exemplo de Dora e o mea culpa de Freud.

O acting-out está inserido no mesmo nó da transferência e ele não passa de um de seus aspectos, já que ele está na dependência do suposto saber que a sustenta. Nesta perspectiva Lacan nos apresenta uma oscilação interessante que pode ser assim descrita: 
a – Transferência sem análise – quer dizer ausência ou falha do analista resultando no acting-out. O ex. maior na história da psicanálise é a relação de Freud a Fliess que termina no texto "Esboço de Uma Psicologia Científica" que nada mais é do que a inscrição deste acting-out.
b – Quando o acting-out se precipita na análise e sustenta a referência ao analista. Neste caso temos a transferência.

Para concluir este ponto tópico é preciso dizer que o acting-out faz um acabamento para evitar o desgaste das bordas da situação analítica, levando o analista a se questionar sobre tudo aquilo que escorrega para além destes limites.
“Ele não é um sintoma do analisante ou do analista: é um sintoma da direção da própria análise, produzindo o significado do que se passa aí como conseqüência dos sintomas dos dois parceiros: ele diz a verdade”.

Do ponto de vista dinâmico o acting-out é uma resposta. É uma mostração endereçada, sem latência, mas não sem agressividade, a um outro que tem de participar. É uma resposta sem palavras que aí não aparecem para sustentar o efeito de significante, surgindo apenas como um relato ou comentário, secundariamente. Ele surge como uma busca de uma interpretação de forma forçada endereçada ao outro (com um pequeno a). Este aspecto é mais a diferença do acting em relação à interpretação que se basta, se satisfaz por si mesma, e não demanda interpretação mesmo que saibamos que ele contém uma mensagem endereçada ao Outro com A maiúscula. P. Ex. a interpretação que Freud jamais obteve de Fliess, pois este nunca foi analista.
O acting é uma história sem palavras, uma cena produzida pelo inconsciente a partir de uma rememoração que se apresenta na realidade em lugar de ser exposta num sonho ou dita no terreno do jogo transferencial: trata-se de uma outra cena.

É uma resposta dirigida ao outro que não está, ou não está mais, em posição de analista. Em outras palavras, a um fading do analista na sua posição de interpretante. Uma passagem, portanto, do discurso do analista a um outro em função do sintoma do analista levando o sujeito da transferência ao acting-out: “o sujeito não está aí designado e ele mostra algo: ele crê saber a quem, mas ele não sabe de onde e nem o que: existe aí algo da ordem de um forçamento, de uma provocação” para reabrir o que o analista fechou. Este episódio de falta de palavras em um processo que se supõe sustentar-se por elas é consequência do deslizamento do analista de sua posição levando a uma situação de transferência sem analista. Isso acontece sempre que o analista deixa seu lugar, ou seja, deixa de sustentar um espaço onde o objeto ‘a’ possa reinar como semblante:
a – quando ele escorrega para a posição mestre,
b - quando ele, acolhendo seu próprio sintoma, fala como analisante,
c – quando, abandonando a cena analítica pela realidade do mundo, ele passa ao ato.
Em resumo, abandonando seu lugar e o discurso que lhe compete, ele produz uma transferência selvagem: sua resposta sem palavras. Pode-se dizer que o acting-out se produz quando o suposto saber que sustenta essa transferência deixa, por uma falha de seu discurso, surgir algo do Real.

O acting-out não é da ordem do significante, já que a falha de simbolização anunciada pela ausência de uma interpretação apaga o efeito significante. Por isso podemos dizer que o acting-out e da ordem do signo, ou seja, ele faz signo para qualquer um. O importante é que, no acting-out o sujeito não fala do seu lugar, ele não se designa como “eu”: ele não sabe o que diz, ele não pode por si mesmo partindo de seu acting-out, reconhecer o sentido.
O temos aqui é uma referência a um significante desaparecido do que pode ser símbolo: neste limite do indizível, o acting-out é uma posta em cena do rejeitado, segundo o mecanismo da Verwerfung: o Simbólico do discurso impossível é posto em ato no campo do Real. Por isso a urgência de restabelecer o outro como interpretante para que possa se restabelecer a situação analítica. Assim diz o analisante nesta situação específica: “Você não compreendeu nada do que lhe disse, olhe o que se passa!” Dito de outra forma: para além da irritação desta incompreensão, existe uma passagem da passividade do dizer à atividade da mostração. O analisante torna-se ativo: ele coloca em cena o discurso que o colocou em cena, ou seja, a fantasia fundamental. Assim fazendo o analisante deixa de ser aquele que apenas acompanha o jogo da produção de seu inconsciente que aí está para ser dirigido (S1/$) ele se coloca em posição de mestre, fora do discurso. Ele representa o que não pode dizer. 

Partindo do princípio de que o analisante toma uma posição ativa no prazer que ameaça se repetir, pode-se dizer que existe a mesma relação do acting-out ao princípio do prazer que se observa no jogo da criança e o carretel, este momento de assumir o Simbólico para dominar o Real.  Trata-se, na linguagem freudiana do agieren: a colocação em cena comentada de duas palavras e a mostração de sua relação ao outro faltante. Ao constatar a perda da mãe e faltando quem lhe transmita uma interpretação deste fato, a criança estabelece uma cena onde a bobina rejeitada pode ser recuperada, ao mesmo tempo em que um espaço vai se construindo em torno de duas palavras: Fort e Da. 

Para situar o acting-out: onde se faz a articulação do dizer à ação, a queda, a evicção do efeito de significante da fala?
Entre o discurso e o sem-palavras, um ponto de meio-dizer, um ponto de verdade: aquele onde o recalque é dito, mas onde o recalcado é morto: a Verneinung.
Articulação essencial, origem do julgamento para Freud, do pensamento para Hyppolite, esse ponto onde se dividem o intelectual e o afetivo. Articulação em ato, diz Lacan.
Com efeito, escolhe-se a metade morta: há o ato, efeito de significante, que se diz.
Como no primeiro movimento da Verneinung, há no mecanismo do acting-out, recusa e rejeição.
Rejeição do dizer angustiante do outro, arrebatando, por uma clivagem entre o Simbólico e o Real, a necessidade de uma outra resposta diferente da linguajeira.  


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