Ora, esta solução encontrada por Lacan e que vai estruturar, basicamente, a relação do sujeito e do objeto, vai nos dizer que o que existe fundamentalmente é uma falta, “que é efeito do significante, que à falta devido ao efeito mortificante do significante responde este elemento de vida, este elemento de gozo vivo que é o objeto pequeno ‘a’, que diz também, enfim, resumidamente, que isso que a alienação engendra pela ordem significante conclama a necessidade de um objeto (...) à tudo que é da ordem da castração significante, da perda de vida que vai com o significante, portanto, deve responder como um aporte suplementar, que Lacan designa como objeto pequeno ‘a’ e que tem a necessidade, em Freud, do conceito de pulsão”.
Esta articulação do objeto ‘a’ e pulsão é fundamental para se dar mais um passo nesta discussão que - é importante destacar aqui, parte de um não saber. Sim, o tema proposto nos coloca diante de um não saber fundamental pela novidade do tema, ao mesmo tempo que nos deixa em condições de repensar conceitos que, até então, acreditávamos muito bem estabelecidos - vai desembocar no conceito de falo. J.A. Miller, neste seminário que tantas vezes já foi mencionado aqui, discute a evolução do ensino de Lacan tomando um conceito: Pulsão. Ele nos diz que num primeiro momento Lacan vai colocar o conceito de falo no mesmo lugar que Freud coloca o conceito de pulsão: entre o simbólico e o imaginário, ou, em termos freudianos, como um “conceito limítrofe entre o somático e o psíquico, o representante psíquico da demanda feita à mente, pelo corpo, para que ela trabalhe...” Esta demanda feita pelo corpo à mente para que esta trabalhe é, como desenvolve Freud, consequência do recalque originário. Em outras palavras, o conceito de pulsão em Freud, tornou-se necessário pelo recalque do significante que diz do sujeito do inconsciente. Partindo desta premissa, Lacan vai nos dizer no seu texto “Posição do inconsciente” que o lugar do eu (je) recalcado é o lugar do gozo, ou seja, aí onde há o recalque, aí onde o sujeito não é passível de ser identificado por um significante, ele pode ser cercado ao nível da pulsão na presença do objeto. (Importante lembrar que se uma retificação há de ser feita, ela se localiza ao nível da pulsão, Lacan, S.XI)
Objeto ‘a’, pulsão, falo, conceitos que foram sendo trazidos para esta discussão, à medida que se desenvolveu o tema do enigma, mais especificamente dos enigmas do masculino.
Porque O enigma do feminino e OS enigmas do masculino?
Para tentar fazer avançar a discussão, parto da seguinte proposição de Lacan que se encontra no texto “A significação do falo”. Peço-lhes permissão para trazer um pequeno trecho, uma vez que ele poderá sustentar o debate que, tenho certeza, vai se seguir:
“O falo aqui, se esclarece de sua função. O falo na doutrina freudiana não é um fantasma, se é preciso entender por aí um efeito imaginário. Ele também não é, como tal, um objeto (parcial, interno, bom, mau, etc...) na medida que este termo tende a apreciar a realidade interessada numa relação. Ele é menos ainda o órgão, pênis ou clitóris que ele simboliza. E não é sem razão que Freud tomou a referência do simulacro que ele era para os Antigos.
“Pois o falo é um significante, um significante cuja função na economia intrasubjetiva da análise eleva, talvez, o véu disto que ele tem nos mistérios. Pois é o significante destinado a designar no seu conjunto os efeitos de significado, na medida que o significante os condiciona pela sua presença de significante.”
Mais adiante, após dizer que “o falo é o significante privilegiado desta marca onde a parte do logos se conjuga ao advento do desejo”, Lacan aponta este significante privilegiado como “o mais destacado disso que podemos apreender no real da cópula sexual, assim como o mais simbólico no sentido literal (tipográfico) desse termo, porque ele aí equivale à cópula (lógica). Podemos dizer também que ele é, por sua turgidez a imagem do fluxo vital na medida que ele passa na geração”.
Continuando ainda com Lacan, “todos esse propósitos nada mais fazem que velar o fato de que ele não pode representar seu papel senão velado, quer dizer como signo ele mesmo da latência da qual é atingido todo significado, desde que ele seja elevado (aufgehoben) à função de significante.”
O fato de ser o falo o significante da marca da conjunção do logos e do desejo, a marca da refenda do sujeito a partir da diferença que resulta da subtração do “incondicional da demanda” à “condição absoluta do desejo”, vai estabelecer um “campo feito para que aí se produza o enigma que a relação (sexual - pois ela é que vai ocupar esse campo fechado do desejo, é aí que ele vai jogar sua sorte) provoca no sujeito ao lhe “significar” duplamente: retorno da demanda que ele suscita, em demanda sobre o sujeito do desejo....”.
O falo, portanto, sendo um significante vai engendrar significações. Estaria aí uma razão para falarmos em OS enigmas?
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