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segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

A Função do Traço Unário e a Identificação ao Sintoma no Final de Análise

Neste texto destaco a função do traço na constituição do sintoma que leva um sujeito a análise, bem como o seu destino no final, propondo que o percurso de uma análise bem poderia ser resumido da seguinte forma: “Do sintoma da identificação à identificação ao sintoma”. Esta proposta nos diz que é possível redimensionar a função do traço que se decanta a partir da queda das identificações  -que, até então, sustentavam o sujeito na sua relação com o desejo do Outro -, num significante que permanece como ponto de articulação lógica, propiciando uma nova leitura do lugar do sujeito na sua relação com o Outro.
A instalação do Sujeito Suposto Saber é o que vem colocar um ponto de basta na circulação da angústia que, freqüentemente, se apresenta como sinal de uma desestabilização do sintoma. Esta significação que aí se produz, se faz a partir de um traço, o traço unário, que sustenta a transferência ao mesmo tempo em que, sob o signo do amor, possibilita ao discurso um giro de quarto de volta. Esse traço, este Sq, emprestado ao analista a partir mesmo do saber que sustenta a relação entre o significante da transferência e o significante qualquer no Outro, permanece até o final, permitindo que um tempo para compreender possa ser realizado. Sabe-se que esta é a solução que o sujeito, preso nas malhas do sentido que lhe propicia a cena de sua fantasia fundamental, busca para continuar sem nada saber do que causa seu desejo. É por isso que dizemos que o Sq não é qualquer significante, mas sim um significante que porta o traço unário que diz do objeto que constitui a cena da fantasia fundamental para cada sujeito. Estando, portanto, articulado, é por isso mesmo que ele não é articulável, impedindo que a terapêutica que pretende se sustentar na sugestão encontre sua eficácia. 
Tendo como função primordial a sustentação do terreno da transferência onde a batalha poderá ser vencida, o analista deverá aceitar o que lhe é oferecido mas, ao mesmo tempo, estar advertido que seu lugar é aquele que permite a constituição de um semblante, para que o objeto pequeno "a" possa reinar, possibilitando ao inconsciente, efeito do significante e estruturado como uma linguagem, ser retomado como pulsação temporal. Quando o analista, por uma razão ou outra não se coloca nesta posição, ele estará impedindo o “acontecimento imprevisto”  e privando o sujeito de saber das suas consequências. Na verdade, ele vai estar impedindo a abertura deste instante onde o saber e a verdade se tocam em um ponto de contingência, sem dúvida, mas que possibilita os efeitos de uma pulsação da falha de onde um traço de luz pode jorrar. Poder suportar este lugar e sustentá-lo a partir de um desejo, que Lacan definiu como inédito, é poder abrir-se ao novo. 
É na esperança de poder responder à demanda do Outro, que o analisante busca, imediatamente, uma identificação ao traço que foi emprestado ao analista. Esta identificação como sintoma só produz uma solução parcial, uma vez que, sustentada na metáfora paterna, sua resposta ao enigma do desejo da mãe apenas relança a curva pulsional nos caminhos balizados pelos ideais. 
Este circuito infernal regido pela monotonia da fantasia fundamental, no entanto, pode ser interrompido num momento preciso: os signos da atividade da cena da fantasia fundamental, que se apresentam nas cenas repetitas nas sessões sob o disfarce de rituais, propiciam uma intervenção do analista que vai incidir, exatamente, no acontecer da sessão analítica, abrindo caminho para o sujeito dar um passo a mais e confirmar a sua decisão pela análise em detrimento do sintoma da identificação ao traço emprestado ao analista. Trata-se de uma intervenção muito precisa: diante da demanda do analisante em fazer uma certa “negociação”, o analista responde com um simples “aqui não há negociação!”
Esta intervenção no sintoma que se constituiu no marco da Sessão analítica, propiciou um primeiro ponto de virada na história de uma análise ao evidenciar a impossibilidade de se retomar o sentido sustentado pela estrutura da fantasia fundamental. Foi uma intervenção que, promovendo o acontecimento imprevisto, deu oportunidade a que o Real que aí se desvelou pudesse se colocar em condições de ser tratado pelo simbólico. Um sonho, que se concluiu com a notícia da morte de uma mulher despertando o sujeito, testemunhou disso. 
Um ato só poderá ser julgado na sua sequência, a partir das conseqüências que dele advêm. Este sonho, que disse de um ponto de atravessamento da cena da fantasia fundamental, implicou o sujeito ali, onde o Outro falta. Se, até então, o sujeito tinha seu pequeno "a" num lugar que lhe permitia satisfazer-se a partir de um certo circuito pulsional congelado em seu sentido, era porque ele nada queria saber do objeto "a" como causa de seu desejo. Na verdade, a cada volta , a cada satisfação alcançada, o que restava era um mal-estar dizendo da presença insistente de um mais-de-gozar. Sabemos que o objeto enquanto mais-de-gozar porta a marca de um Real, digamos, não subjetivado. Em outras palavras traz a presença da castração da qual nada se quer saber, por isso a insistência do mal estar.  Para que uma retificação pudesse acontecer, portanto, foi necessário “ir olhar o Outro”, pois no plano do desejo, depende do Outro isso andar ou não. O movimento de “ir olhar o Outro” é o único que autoriza o ato que, neste caso, se resumiu em: “aqui não há negociação”. Este ato interrompeu o ritual que sustentava a monotonia da cena da fantasia fundamental, apontando a falta de um significante que pudesse estabelecer uma “negociação” ou, em outras palavras, afirmou a impossibilidade da “relação sexual”. Foi esta a intervenção do analista que abriu caminho para que uma retificação ao nível da pulsão pudesse acontecer: o que, até então, era o colocar em ato um sentido congelado, regido pela estrutura da fantasia fundamental, pode apresentar-se, agora, na realidade pulsional do inconsciente.
Partindo, pois, do “sintoma da identificação” o sujeito foi desconstruíndo a palavra até obter dela seu valor de letra, o valor de significante enquanto escrito: S(A/) “O S, o verdadeiro significante de A/ - o que do significante permanece, uma vez que se eliminou a palavra”. Esta é a escritura que permite ao ser falante subtrair-se aos artifícios do inconsciente, ao mesmo tempo em que deixa claro o que do inconsciente pode se traduzir por uma letra: “que o desciframento se resuma ao que constitui a cifra, ao que faz com que o sintoma seja, antes de tudo, algo que não cessa de escrever-se do real...". Assim posto, uma nova identificação pode acontecer, uma identificação que não é ao inconsciente. Identificar-se ao inconsciente está fora de cogitação pois, como nos diz Lacan, “o inconsciente permanece, o inconsciente permanece Outro”. A identificação da qual se trata, quando falamos em final de análise, é à letra do sintoma, àquela que, uma vez rompido o circuito pré-estabelecido pelo sentido congelado da fantasia fundamental, poderá tornar-se um traço que desvela a alíngua como corpo do Simbólico e enlaça o corpo do Imaginário ao corpo do Real fazendo consistir os três termos Real, Simbólico e Imaginário. Esse é o caminho que culmina na transformação da experiência da fantasia fundamental, em pulsão, ao restabelecer o vazio do lugar do objeto pulsional. Este vazio que só se sustenta como tal pela função do traço unário que escreve a letra singular a cada sujeito. Singular tanto no que ela tem de mais particular quanto no que apresenta de determinante no destino do ser falante. 

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