Estrutura de ficção, queixa, sofrimento... não importa como a ele se refira, a verdade é que o sintoma é o que vai dizer de algo que não vai bem e o “clamor da humanidade” é pelo apaziguamento do mal-estar que isso provoca.
No entanto, é preciso repetir aqui uma afirmação que merece toda atenção: “o sintoma é o mais particular que cada um tem e, por outra parte, o mais real. O sintoma é, precisamente, o que faz com que cada um, em alguma coisa, não consiga fazer absolutamente o que lhe está prescrito pelo discurso de seu tempo.” Esta afirmação alerta para uma questão de ordem prática e, por que não?, ética. É fundamental ao se escutar o relato da infelicidade de alguém, que se tenha em conta o fato de que essa infelicidade é o que há de mais particular, é o que sustenta esse sujeito como constituído e, mesmo que tenha sido por não estar mais funcionando como antes que ele procura uma análise, ainda assim é seu traço mais particular: “Eu sou assim!”, dizem de várias maneiras os candidatos à análise. Talvez, por isso, é que, ao se diferenciar o lugar do analista do lugar do terapeuta, diremos de um compromisso que não é com o movimento humanitário que, com seu clamor, espera poder universalizar o que há de mais particular. O compromisso que se estabelece é com a particularidade de cada um. Pôr-se a serviço dessa verdade supõe um desejo que já foi qualificado de inumano. Talvez, por isso, é que Lacan, em sua Nota Italiana, diz que o analista é o rebotalho da humanidade, à proporção que quer saber daquilo que todos querem esquecer. Ou seja, Lacan vai afirmar que o mal-estar na civilização consiste em gozar da renúncia ao gozo. Sim, porque, ao estabelecer uma solução de compromisso entre as duas forças opostas que estão em conflito, o sujeito renuncia a uma possibilidade de um gozo possível. Gozo este que só será possível à medida que o Outro é, por sua vez, esvaziado de gozo, ou seja, à medida que o sujeito deixa de acreditar que o Outro quer dele sua castração, que o Outro vai retirar o que ele tem de mais precioso: seu pequeno nada. Uma analisante explicita muito bem essa questão ao pronunciar esta frase: “Percebi que sempre tive medo de perder o que nunca tive.”
Talvez estejam se perguntando o que tudo isso tem a ver com o nosso tema? Ora, simplesmente o seguinte: na verdade o que está no cerne do que se entende por sexo, mais precisamente por relação sexual — e aqui se refere, obviamente, ao que diz a psicanálise — é a sua impossibilidade, o menos, o resto irredutível de gozo que se assinalou há pouco. Assim, a única possibilidade de estabelecer uma relação com o Outro sexo é pelo viés do sintoma: [($<> a) - A]. É por isso que as tentativas de se curar o “sexo”, seja pela medicina, seja pelas terapias “sexológicas”, acabam, na maioria das vezes, em fracasso, pois apenas reforçam a impossibilidade que já existe ali.
Mas, seria possível curar o sexo através da psicanálise? Talvez o que se possa dizer é que, diante da impossibilidade da relação sexual, ela deixa claro que homem e mulher estão do mesmo lado, qual seja, ambos têm apenas uma única maneira de representar o sexo: o simulacro fálico. Em outras palavras, pode-se dizer que ambos os gêneros têm em comum uma só espécie de gozo: o gozo fálico. O que vai diferencia-los é o acesso ao Outro. É essa diferença que os reparte em duas espécies, fazendo obstáculo a que a dimensão cultural de gênero venha recobrir a sexuação.
Celso
ResponderExcluirÓtimo texto. Claro é pertinente.
Sérgio Kehdy