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segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Re-escrevendo a Metáfora Paterna (I)


Só podemos trabalhar, hoje, a Metáfora Paterna na perspectiva da função do Pai Real. Para isto vamos fazer um trajeto que vai de Freud a Lacan no que diz respeito ao Édipo e ao mais-além. 
J-A. Miller nomeia o capítulo VIII, do Seminário XVII - O Avesso da Psicanálise - "Do mito à estrutura" para chamar a nossa atenção ao movimento que está presente ali e que pode ser resumido como sendo uma passagem do Pai Imaginário ao Pai Real, desmanchando a crença de que a castração fosse uma fantasia, ao dizê-la uma operação real introduzida pela incidência do significante. 
Para chegar até aí Lacan faz um percurso onde ressalta que a psicanálise, antes de ser uma religião, diz de um ateísmo onde, "a morte de Deus" tem como resposta o "nada é permitido". - Nietzsche nos lembra que se se acredita que Deus está morto, é preciso que se abandone a garantia do templo.
Este foi o trabalho de Freud na expectativa de dar conta da questão do gozo, mesmo que ele não tenha assim explicitado este motivo. Em outras palavras, Lacan parte da morte do pai, como Freud a anuncia, como sendo a "chave do gozo, do gozo do objeto supremo identificado à mãe, a mãe visada do incesto". É assim que Freud vai dizer que o assassinato do pai, "a morte do pai é que vai edificar a interdição desse gozo como primária”.
Podemos identificar aqui uma estrutura que Lacan tenta matemizar na "Metáfora Paterna": "O mito de Édipo, no nível trágico em que Freud se apropria dele, mostra precisamente que o assassinato do pai é a condição do gozo".
Um primeiro questionamento surge neste ponto, quando Lacan vai fazer uma passagem ao perguntar se será à custa desse assassinato que Édipo obtém o gozo no leito de Jocasta. Esta é a forma que Lacan encontra para introduzir a função da linguagem a partir do lugar do enigma que propõe a Esfinge: do que se trata é de uma resposta que acaba "suprimindo o suspense que a questão da verdade introduz no povo". É neste ponto que Lacan chama nossa atenção para que, ao lhe ser proposta uma escolha, Édipo acaba caindo na armadilha desta verdade.
E a verdade tem uma relação estreita com a castração, por isso a castração, ou essa verdade, se renova para Édipo que, mesmo sendo advertido por "sua mulher-mãe" de que todos os homens sonham com suas mães, ele vai à busca do que "podemos identificar com alguma coisa que, ao menos, tem relação com o preço pago de uma castração". A perda dos olhos deixa Édipo, como nos lembra Lacan "não a sofrer a castração, mas antes, a ser a própria castração, ou seja, aquilo que resta quando desaparece dele, na forma de seus olhos um dos suportes preferenciais do objeto ‘a’”.
Para introduzir de uma vez a questão do significante como aquele que vai determinar a estrutura subjetiva, Lacan nos chama a atenção para a articulação entre a sucessão de pai a filho e a castração como sendo o que aí se transmite. O que deve pagar Édipo é em função, exatamente, de ter acedido ao trono como o faz o mestre: "apagando a questão da verdade". 
A segunda parte desta lição do Seminário XVII traz a articulação entre o pai morto e o gozo. Para isso Lacan relembra uma de suas elaborações quando, utilizando o Grafo do Desejo, distribui os dizeres de um sonho que Freud trabalha no livro "A interpretação dos sonhos" onde um sujeito enuncia: “ele não sabia que estava morto". Lacan distribui esta elaboração nos andares da enunciação e do enunciado no Grafo
Este sonho diz de um paciente obsessivo que encontra a visão de seu pai depois de uma masturbação frente ao espelho. O pai tinha morrido há algum tempo. 
Este sonho se presta ao questionamento sobre o não saber sobre a morte e diz de um ponto de impossível que define a retomada, por Lacan, do mito do assassinato do pai em "Totem e Tabu" onde está colocada a equivalência entre o pai morto e o gozo. "Eis o que podemos qualificar como operador estrutural" nos diz Lacan. Em outras palavras, para além do mito encontramos na qualidade de real, que "o pai morto é aquele que tem o gozo sob sua guarda, é de onde partiu a interdição do gozo”.
(Continua)



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