Este título exige, primeiramente, uma pesquisa sobre os termos que compõem sua estrutura semântica: o que é a saúde para o sexo?
Pode-se recorrer, como usualmente se faz, à definição que se encontra no Aurélio para a palavra saúde: “[Do lat. salute, 'salvação', 'conservação da vida'.] S. f. 1. Estado do indivíduo cujas funções orgânicas, físicas e mentais se acham em situação normal; estado do que é sadio ou são”.
Mais do que a própria significação que se pode verificar, destaca-se a raiz latina, ou seja, “conservação da vida”, “salvação”.
No entanto, essa “conservação da vida”, essa “salvação” podem ter significados diferentes quando nos referimos à medicina ou à psicanálise.
Enquanto na medicina a saúde pode ser definida como no Aurélio — estado do indivíduo cujas funções orgânicas, físicas e mentais se acham em situação normal — para a psicanálise o conceito de normal merece ser explicitado.
Quanto ao sexo, pode-se assinalar que, para a medicina, ele está relacionado diretamente ao órgão e a seu funcionamento, sendo, por isso, que a medicina trata as disfunções a partir do órgão, confiando em poder fazer surgir o desejo. Para a psicanálise, o sexo é relativo a um sujeito que se caracteriza por sua "falta-a-ser", por isso vão-se tratar as disfunções pelas relações que esse sujeito estabelece com o objeto de seu desejo, na esperança, por que não?, de se resolver os impasses apresentados pelas anormalidades de função do órgão.
Para levar à frente nosso trabalho, será preciso introduzir aqui um outro conceito: o sintoma. É pelo sintoma, como aquilo que diz de uma disfunção qualquer, que se pode verificar as diferenças, teórica e prática, das abordagens propostas pela medicina e pela psicanálise. Será, pois, através do sintoma que será encaminhada a questão: “O que é a saúde para o sexo?” Em outros termos, tratar-se-á o tema da saúde pelo sintoma para verificar que, como veremos adiante, a saúde, do ponto de vista psicanalítico, consiste em saber fazer algo com o sintoma.
O sintoma, visto pela psicanálise, pode ser definido de uma forma bem simples: é uma solução para se evitar o encontro com a castração.
A castração, outro conceito aqui introduzido, pode ser entendida como um "menos-de-gozo" que advém da extração que o significante opera no campo do Outro. Isto esclarece a idéia de que, para o ser humano, o gozo — termo que deve ser situado em oposição a um outro: o prazer — está desde sempre marcado por uma perda, o que implica que a insatisfação é a marca que caracteriza todo psiquismo. Essa é a operação que traz como consequência, como efeito, o sujeito do inconsciente, e instala, no mesmo movimento, o que se denomina um mal-estar, um certo incômodo representado pela presença de um objeto que foi extraído do campo do Outro e que permanece como um resto não absorvido pelo simbólico, ou seja, um resto que permanece como o mais íntimo e, também, absolutamente estranho para cada sujeito. Essa presença, marcando um impossível, vai gerar um movimento de busca incessante. Esse movimento tem a intenção explícita de restituir o status quo anterior na busca do gozo perdido, esclarecendo que é a partir do que se chama "menos-de-gozo! que se vai instalar o que Lacan denominou Automaton — a repetição da impossibilidade na cadeia significante. Essa repetição, ou seja isso que “não cessa de se escrever” é uma necessidade que vem dizer da impossibilidade (o que “não cessa de não se escrever”) que o próprio recalque originário (Urverdrängung) produz. Contudo, todo esse movimento só se sustenta por existirem pontos de encontros — tiqué — que, pelo fato mesmo de serem sempre faltosos, acenam com a possibilidade de uma certa realização.
Assim, entre o que “não cessa de não se escrever” (o impossível) e o que “não cessa de se escrever” (necessário), vai-se deparar com um sujeito que, como diz Freud, tem que se haver com um dispêndio de energia adicional para lutar contra o desprazer (Unlust) ou sofrimento (Leiden) que essa situação cria. Sendo isso o que todo ser falante tem como fundamento de sua estrutura, existe, ainda conforme Freud, uma precondição na formação de sintomas para cada sujeito.
O sintoma, tal como definido por Freud, é “o resultado de um conflito, que surge em virtude de um novo método de satisfazer a libido (Libidobefriedigung). As duas forças que entraram em luta — que poderiam ser representadas pelos dois movimentos: “não cessa de não se escrever” e “não cessa de se escrever” — encontram-se novamente no sintoma e se reconciliam, por assim dizer, através do acordo representado pelo sintoma formado”. Em outras palavras pode-se dizer que esse “acordo” seria uma negociação feita de tal forma que o sujeito diria assim: “pago um preço para não saber que existe algo que 'não cessa de não escrever', e esse preço é uma satisfação substitutiva que, ao mesmo tempo em que provoca um certo desprazer (Unlust), é onde posso obter minha satisfação".
Então, têm-se alguns dados que são muitos importantes para o desenvolvimento deste trabalho: o sintoma é uma tentativa de criar uma harmonia, ali, onde um menos se instalou, provocando uma desarmonia.
(Continua)
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