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quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Da queixa ao sintoma analítico (II)

Temos então a seguinte situação: o sujeito chega e dirige seu pedido, sua queixa, sua demanda, a um outro sujeito qualquer ou, em outras palavras, ele chega com um significante de sua queixa e se dirige a um significante qualquer. Lacan diz que é um significante qualquer mas não é qualquer um. É um significante qualquer porque pode-se escolher qualquer um mas, no momento em que se escolhe, esse "qualquer um" deixa de ser qualquer para ser aquele: o significante da transferência. Isso porque esse significante é o que vai nos dizer do sintoma. O sintoma, este que nada mais é que uma interpretação feita pelo sujeito do desejo do Outro. Por isso o sintoma implica numa certa alienação ao Outro.
 O matema da transferência, desenhado por Lacan no texto da "Proposição de 9 de Outubro", pode ser lida da seguinte forma: Um sujeito chega ao analista trazendo consigo um significante qualquer (S) que é sua queixa, e transfere a um significante qualquer (Sq) uma suposição de saber, constituindo esse outro como “sujeito suposto saber” para que todo seu conteúdo inconsciente seja decifrado e lhe seja devolvido
Diante deste movimento, o analista tem duas possibilidades, pelo menos. Primeiro, ele pode acreditar que sabe e, segundo, ele pode ter certeza de que não sabe. Na primeira possibilidade vamos ter a Psicoterapia e, na segunda, uma possibilidade de análise.
Em 1957/58 Lacan estava seriamente empenhado em esvaziar a parafernália imaginária que os supostos freudianos fizeram com a Psicanálise. Nos anos 30, nos anos pós-guerra e principalmente nos anos 50 a Psicanálise inflou-se de imaginário de uma forma insuportável. Lacan, então, se dedicou a esvaziar esse imaginário ou, em outras palavras,  reduzir o processo analítico a certas fórmulas que ele chamou de matemas que pudessem trazer, como consequência, uma operação lógica e não uma operação imaginária. Um desses elementos é o grafo do desejo.
No grafo do desejo o s(A) significa, em linguagem lacaniana, “significação do Outro”. O sujeito procura a análise porque ele interpretou a significação que o Outro deu a ele... estou falando em interpretação porque isso diferencia do que o sujeito interpretou da realidade.  Vive-se muito mais essa realidade que é nossa interpretação do que aquilo que podemos chamar de realidade exterior. Isso que Lacan chama de significação do Outro é o que se pode chamar um sintoma.
Quando a significação do Outro falha o sujeito vai perguntar ao Outro “o que foi mesmo que você falou comigo?” “Repete o que você quer!” Neste momento o analista pode dizer, se ele acreditar que sabe: “faça assim, seja assim, faça como eu”. O analista mostra uma série de modelos sustentados em um ideal do que deveria ser para fornecer um ideal de identificação.
Seguindo o matema do Grafo do desejo, pode-se dizer que a esse sujeito lhe é oferecido uma i(a), um modelo “x” qualquer a partir do qual ele pode constituir no “m” (de moi = eu) a partir da esperança de ser igual àquele modelo. A esse respeito Lacan diz claramente que “a psicoterapia é um grande mal” porque você acaba com toda e qualquer possibilidade do sujeito que a ela se submete de vir a fazer análise algum dia. Isso porque  a ele é fornecido um modelo que reforça seu sintoma.
 Esta pode bem ser uma primeira consequência da queixa transformar-se em sintoma, ela pode transformar-se em sintoma e permanecer sintoma, e não se transforma em sintoma analítico.
Existe uma outra vertente. O sujeito encontra um analista que o acolhe em seu sofrimento. A partir daí as demandas poderão ser dirigidas àquele analista.
Escutar as demandas não implica ter que respondê-las. Aliás, longe disto. As demandas não são feitas para serem respondidas. Sabe-se que toda demanda, na verdade, é demanda de amor. E o amor? É dar o que não se tem, define muito bem o Dr. Lacan! 
Exatamente por saber da não reciprocidade amorosa - e isto o analista deve saber - , ele deve fazer silêncio para que as demandas que lhe são dirigidas possam retornar levando a própria mensagem de volta a quem demanda. Importante assinalar que esse silêncio não é qualquer um. É aquele que denota a falta de uma palavra que possa responder à demanda e que está muito bem matemizado por S(A/).
Essas duas situações aqui definidas como próprias  à uma Psicoterapia e à uma Psicanálise, podem ser ditas de outra forma. Na Psicoterapia temos dois sujeitos em questão, o sujeito que sofre e o sujeito que sabe e diz as soluções. Numa Psicanálise temos apenas um sujeito em questão: o analisando. O sujeito do analista fica fora e aí se mantém graças ao exercício do desejo do Analista. 

(Continua)

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