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domingo, 28 de abril de 2013

"A Direção..." à luz da topologia.

Continuando com a nossa referência ao Grafo do Desejo vamos trabalhar a quinta parte do texto localizando-a no andar superior do Grafo:
"É preciso tomar o desejo ao pé da letra". Assim Lacan nomeou esta parte do texto que é dividida em 19 itens. Esse título apresenta um jogo com as palavras muito interessante, pois nos lança em direção à segunda clinica apontando para a importância de se ligar o desejo à letra.
O desejo se apresenta entre dois significantes. Neste vazio de entre dois se articula um sujeito e o objeto que ele elegeu como causa. Esta formalização ($<>a) nos diz de um sujeito em um movimento constante de aproximação e afastamento deste objeto ao mesmo tempo que busca um significante que possa representá-lo no Outro. Por isto dizemos, com Lacan, que um sujeito é sempre um "sujeito por vir"!
Então, se o desejo está articulado ao significante e à sua impossibilidade de dizer tudo, o gozo, esse resto que permanece no impossível a dizer, se estrutura a partir da letra, da escritura de um traço, uma ranhura no real.
Eu digo ranhura utilizando um termo de Lacan, pois se trata de um traço que, à medida que se escreve, vai-se extraindo um excesso e produzindo um resto que se perde. Como se se utilizasse um tábua de cera. Isto pode ser chamado de uma escritura que marca um encontro com o gozo. Sim, porque o que existe são "tiquês", encontros com o gozo. Encontros que só existem na medida em que são assim nomeados pelo sujeito.
Talvez por isso devemos ter muito cuidado em dizer "múltiplos Reais". O que verificamos na clínica são formas distintas de se lidar com esse encontro sempre faltoso. Esse encontro com o que não tem registro no simbólico e por isto mesmo não pode ser múltiplo. Real que, pela mesma razão, é sem lei e que dele sabemos apenas porque a letra faz borda em algum ponto, marcando-o e estabelecendo uma possibilidade de ser causa de desejo e não apenas um repetição de um gozo sem consequências.
Tendo isto em mente retomemos o circuito do Grafo.
Esta parte do texto nos remete ao andar superior.
O movimento que aí encontramos nos remete a uma superfície topológica importante: a Banda de Moebius. A sua principal característica é possuir apenas um lado e uma borda, diferentemente da banda circular onde temos dois lados e duas bordas. A banda circular representa bem o andar inferior do Grafo.
Bem, para que se possa fazer valer essa passagem de banda circular para banda de Moebius é preciso que o analista faça valer o que nós vamos chamar, com a linguagem de 58, seu "ser de analista.". Ele vai esvaziar o lugar para onde as demandas estão sendo endereçadas abrindo um espaço e promovendo uma torção de tal maneira que a demanda do sujeito vai retornar-lhe de forma invertida. O sujeito, então, não terá outra saída, senão a entrada: vai ter que se haver com as demandas do Outro ($<>D) uma vez que, como as superfícies descritas acima apontam, numa análise há apenas um sujeito em questão (banda de Moebius). Uma "psicoterapia" coloca dois sujeitos em cena e a banda circular demonstra isso muito bem.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

A estrutura do texto "A Direção do Tratamento"

Vamos conhecer um pouco o conjunto do texto com o qual vamos trabalhar:

Ele está dividido em 5 partes que, por sua vez, se subdividem em outras tantas, como descrito abaixo:
I – Quem analisa hoje? (7 partes) Só essa pergunta colocada na primeira parte, mostra a atualidade deste texto. Basta percorrermos os temas das jornadas para perceber que esse tema está presente todo o tempo. Quem são os nossos analistas ? Quem analisa hoje ? Como é que se analisa hoje ?
II – Qual o lugar da interpretação? (9 partes)
III – Em que ponto estamos com a transferência? (8 partes)
IV – Como agir com seu ser (11 Partes)
Uma curiosidade. Aqueles que me conhecem há mais tempo sabem o quanto eu gosto de trabalhar com o Grafo do desejo. O Grafo do desejo é um esquema que Lacan construiu, por ocasião de seu seminário “As Formações do Inconsciente” portanto um ano, dois anos quase, antes do texto “A Direção ao Tratamento”. É um esquema dividido em dois andares fisgado por uma volta de retorno. Esse é o formato do Grafo do desejo. Gosto muito de trabalhar com ele, por que nos dá um fio condutor fundamental para a direção do tratamento. Posso lembrar aqui uma conversa particular com Jacques-Alain Miller, quando falava da importância desse Grafo para minha teorização e ele me disse que esse grafo do desejo é o fio de Ariadne da direção do tratamento. Por tudo isto vamo ler esse texto com referenciados a esse Grafo.
E, nesta perspectiva, verificamos que as quatros primeiras partes desse texto dizem respeito ao andar inferior do Grafo. Podemos demonstrar neste circuito o sintoma com o qual o sujeito chega em analise ser dirigido ao Outro Suposto Saber do que se trata esse sintoma. Mais do que se trata, supõe-se que o Outro saiba o que se tem que fazer para restabelecer o "status quo ante". Pode-se resumir essa demanda inicial assim:
“Estou sofrendo, e quero que você, faça com que, o meu sintoma volte a funcionar, como funcionava antes. Sem que eu precise modificar nada, nem me comprometer, para isto eu lhe empresto um significante, um traço, que é meu, para que você possa utiliza-lo e devolver-me o que eu perdi!"
E continuando: "Assim eu poderei identificar-me ao que suponho ser você poderei lidar com o objeto de meu desejo que se encontra aí, nesse ponto de real que produz essa angustia.
Desta forma, eu poderei sair com o um eu bem fortalecido, e voltar para minha vida como se nada tivesse acontecido”.
É partir dai que o lugar de um analista vai poder estabelecer um giro neste discurso para que uma análise aconteça.
Quanto ao nosso trabalho, vamos nos perguntar, com Lacan: Quem analisa hoje? Qual o lugar da interpretação? Em que ponto estamos na transferência ? Como é que vamos agir com o nosso ser ?

terça-feira, 23 de abril de 2013

Ler o escrito "A direção do Tratamento..."


Bem, com as referências publicadas anteriormente, vamos ler A Direção do Tratamento e os Princípios de seu Poder (Lacan, J.  In Escritos, pág.591-652 ) verificando o que modificou e o que ainda permanece capaz de fazer operar uma análise, hoje. Vamos tentar extrair do Lacan de 1958 a presença do que ele produziu depois. Este é um exercício de pesquisa e de trabalho que podemos denominar uma clínica do texto.

Apresento-lhes outra referencia, além das já mencionadas anteriormente,  que encontro no Seminário Silet[1] desenvolvido por J.A.Miller em 1995 e que já nos fornece uma primeira chave de leitura.

A direção do tratamento..." é um texto, pode-se dizer, onde a libido está perfeitamente ausente, que põe o desejo no primeiro plano da prática analítica e consuma,  pois triunfo do desejo.

Isto quer dizer que, ao percorrermos o texto não vamos encontrar nenhuma referência ao gozo, já que libido é  um dos nomes do gozo, para Lacan. Vamos ter que localizar nesse texto, onde é que está a referencia ao gozo.

Este é um texto onde Lacan vai tentar fazer acontecer o triunfo do desejo. Lacan ainda tentava sustentar a primazia do significante como possibilidade de se preencher as lacunas do inconsciente. Eu disse ainda porque já se podem perceber movimentos na direção de escutar o resto que a articulação significante produz. Esta referência ao momento histórico do texto é importante. Quando trabalhamos um texto de Lacan não se pode, em hipótese alguma, deixar de ter em conta duas coisas: a primeira delas é o lugar do texto no percurso de Lacan. A segunda, mas nem por isso menos importante é saber quem foi o interlocutor de Lacan naquele momento em que o texto estava sendo escrito ou o seminário sendo ditado. São referencias que, dentro do nosso conhecimento, estaremos passando a vocês todo o tempo.

Lacan considera que o ponto de partida de seu ensino foi 1953. Neste momento ele diz o primeiro não à instituição que o cerceava, vamos dizer assim. Nesta ocasião ele faz uma conferencia que conhecemos com o nome de Relatório de Roma, ou Discurso de Roma, cujo título é: Função e Campo da Palavra e da Linguagem em Psicanálise[2]. Um relatório importante. Quando ele foi apresenta-lo no Congresso da IPA, disseram-lhe que não havia espaço para aquele texto na programação. O que ele fez? Ele conseguiu um salão perto de onde as reuniões do Congresso estavam acontecendo, abriu as portas e encheu a sala com não importa quem quisesse ouvi-lo.

Neste texto Lacan introduz a função e o campo da palavra e da linguagem. Ele introduz o poder da palavra, que estava sendo esquecido pelos psicanalistas da época e, a partir daí começa a examinar a função da intersubjetividade na prática analítica. Porque ele acreditava que à palavra plena como resposta do analista à palavra vazia do analisante, poderia produzir uma modificação subjetiva nos dois. Ele sustenta a teoria da intersubjetividade, naquilo que pode aprender de Kojéve sobre Hegel. É bem possível que o final da análise, naquele momento, estivesse contaminado pela possibilidade de encontrar o saber absoluto. Em outras palavras, que se pudesse recobrir o real pelo simbólico. Isto se expressa em sua definição de um final que incluía a subjetivação da morte. No entanto, uma releitura deste, assim como de outros textos contemporâneos já demonstram a impossibilidade de uma proporção sexual. Mas Lacan acreditava por demais no simbólico.

É nesse texto, A Direção do Tratamento... que ele começa seu questionamento sobre a teoria da intersubjetividade, exatamente quando já não mais acredita que o significado pudesse ser totalmente recoberto pelo significante.

É no final do texto, no entanto que vamos ver escrito que o desejo vence. Ali ele vai fazer referência ao final da análise como estreitamente ligado à questão de ter ou ser o falo. O falo enquanto significante do desejo. Leio a penúltima frase do texto:

...é preciso que o homem macho ou fêmea, aceite tê-lo e não tê-lo a partir da descoberta de que não o é.[3] É a dialética do ter e do ser que está em jogo.

E o leitmotiv de Lacan, em A direção do tratamento é: Cito Miller: é preciso preservar o lugar do desejo.
[4]

É o que Lacan diz[5], página 601, Não devemos nos enganar quanto ao lugar do desejo, ou, página 612, não devemos desconhecer o verdadeiro lugar onde se produzem os efeitos da técnica.

Portanto, dito de uma outra forma, trata-se de interpretar o desejo e seu significante, o falo.

O Sujeito entra em análise sustentando a possibilidade de vir a ser o objeto do Outro. Todo o desejo do sujeito sustenta uma interpretação que ele faz do desejo do Outro. Ser o que o Outro quer que ele seja, para ser por ele amado. É uma coisa bem simples. Essa é a dialética que sustenta a entrada em análise,  Para que no final o sujeito perceba que esse Outro, é um Outro barrado, e portanto, não tem. É a dialética entre ter e ser. A questão não é mais ser, a questão é se tem ou se não tem.

Isso quer dizer É preciso sempre interpretar na direção da falta, é preciso sempre interpretar em direção ao nada, é preciso, de certa maneira, visar e mostrar o nada. [6]




 Miller, J-A   Silet - Jorge Zahar Editor Ltda, Rio de Janeiro, 2005, pag. 218
[2] Lacan, J. , Função e campo da palavra e da linguagem em psicanálise, em Escritos, Jorge Zahar Editor Ltda, Rio de Janeiro, 1998
[3] Lacan,J. A direção do tratamento ... in Escritos, Jorge Zahar Editor Ltda. Rio de Janeiro. 1998,
[4] Ibid., p.633
[5] Ibid., p.601, 612
[6] Cf. A direção do tratamento...  , p.641

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Primeira Clínica x Segunda Clínica

Antes de iniciarmos a leitura do texto, vale aqui uma palavra sobre um dos itens da proposta que lhes foi apresentada e que pode muito bem ser resumida por: “uma leitura à luz da segunda clínica de Lacan”.
Eu vou tentar em poucas palavras, e com alguns esquemas tentar resumir algumas diferenças entre o que se costuma denominar primeira clinica e segunda clinica:

1 - Clinica do desejo x clinica do gozo.
A primeira clínica pode ser definida, como nos propõe Jacques Alain Miller como “clínica freudiana” ou “clínica do desejo” e a segunda clínica como clínica do sinthoma.

2 – Sintoma como metáfora x sinthoma como modalidade de gozo.
Uma outra forma de diferenciar uma abordagem da outra será pelo viés do sintoma: A primeira clinica é a clinica do sintoma enquanto metáfora. A segunda é do sinthoma, que eu vou escrever aqui com th, como modo, ou modalidade de gozo.

3 – Interpretação como busca da significação (Significante/significado – Sintoma como Metáfora) x Interpretação como leitura de uma escritura (Letra/gozo – Sintoma como modalidade de gozo que desliza metonimicamente sob a barra [jouis-sens]).
Uma terceira diferenciação pode-se fazer pelo víeis da interpretação. Na primeira clinica temos uma interpretação que busca significação. É uma interpretação que se sustenta no binário significante/significado ou, como já mencionado na metáfora. Na segunda clinica, a interpretação seria a leitura de uma escritura, quando não se tem mais uma preocupação com a busca de significado, mas sim a tentativa de localizar o gozo que desliza sob a barra, sob a cadeia significante. Este gozo que desliza sob a cadeia significante Lacan chamou de “jouis-sens”. Em português acabou ficando “sentido-gozado”. Como toda tradução nunca é satisfatória, aceito de bom grado sugestões melhores.
Então nós temos aqui a metáfora,
S
s
e aqui a metonímia.
S1 - S2

4 – Clínica estruturalista (Discontinuista - sim/não NP - Classificatória) x Clínica borromeana (Elástica, gradual – não oposicionista - generalização da foraclusão).
Na quarta possibilidade, na primeira clinica, a clinica estruturalista. É uma clinica que se sustenta na perspectiva das estruturas clínicas neurose, psicose, perversão. É uma clínica que sustenta a hipótese de que entre o sujeito e o mundo existe uma estrutura que faz a mediação. É uma clínica que sustenta o binário sim/não ao Nome-do-Pai. Aqueles que já são familiarizados com Lacan sabem que neurose e perversão estão de um lado, são duas estruturas que deram seu sim diante do altar edípico. Consentiram com a Bejahung fundamental. Em outras palavras, aconteceu a assimilação do traço unário. Do outro lado permanecem aquelas que se estruturam em torno da não assimilações do traço unário, que são os psicóticos.
Na segunda clinica, Lacan já pensa, a partir da constatação, de que a foraclusão, representada pelo não consentimento ao Nome-Do-Pai, é generalizada. Em outras palavras vamos encontrar em todo sujeito a presença da foraclusão, uma vez que faz parte da estrutura, vamos dizer assim, o fato do simbólico nunca recobrir todo o real. A estrutura topológica do Nó Borromeu é que possibilita esta articulação, por isso esta clínica é chamada de borromeana e tem com característica não ser oposicionista, mas sim ser gradualista. Ela é elástica.

5 – Ponto de Capitonagem x Nomes do Pai
Com isso, nós podemos estabelecer uma outra diferenciação, a quinta. Essa clínica se sustenta naquilo que Lacan chamava de pontos de Capitonagem. Que podemos representar, com aquilo que Lacan chama a célula básica do seu grafo, que pode ser assim descrita: A emissão de uma mensagem vai em direção ao lugar do Outro e, deste ponto vai desenhar uma resposta, marcando esse dito em dois pontos e estabelecendo um sentido qualquer.
Os pontos de Capitonagem, são pontos em que duas cadeias se cruzam e se enlaçam num ponto. Este ponto diz da presença de um significante que pode produzir um sentido na medida que existe uma lei que permite que a mensagem possa ter uma decifração no código. Esta é a lei do pai que permite haver um ponto de basta, produzindo sentido.
Na segunda clinica, no lugar de um Nome-do-Pai que sustenta esta articulação estabelecida a partir do lugar do Outro, do lugar do código, Lacan propõe uma pluralização dos Nomes-do-Pai.
Como conseqüência disso, um sexto ponto:

6 – Suplência da ineficácia da Metáfora Paterna - Sintoma (Fobia p.ex) x NP como uma suplência (Aqui tanto o sintoma como o Nome do Pai tem a função de enlaçamentos)
A suplência na primeira clinica é descrita como uma solução do sintoma em função da ineficiência da metáfora paterna. Por isso a clinica da fobia, da obsessão, da histeria, da depressão. Na segunda clinica, o próprio Nome-do-Pai juntamente com o sintoma, são suplências. Então o Nome-do-Pai, perde esse status de ser aquele que faria a estrutura e se ele falhar recorre-se a uma suplência. Ele próprio vai entrar como suplência na clinica da foraclusão generalizada: o Nome-do-Pai com suplência.