Bem, com as referências
publicadas anteriormente, vamos ler “A Direção do Tratamento e os Princípios
de seu Poder” (Lacan, J. In
Escritos, pág.591-652 ) verificando o que modificou e o que ainda
permanece capaz de fazer operar uma análise, hoje. Vamos tentar extrair do Lacan de 1958
a presença do que ele produziu depois. Este é um exercício
de pesquisa e de trabalho que podemos denominar uma clínica do texto.
Apresento-lhes outra
referencia, além das já mencionadas anteriormente, que encontro no Seminário Silet[1] desenvolvido por
J.A.Miller em 1995 e que já nos fornece uma primeira chave de leitura.
“A direção do tratamento..." é um texto, pode-se dizer, onde a
libido está perfeitamente ausente, que põe o desejo no primeiro plano
da prática analítica e consuma, pois triunfo do desejo”.
Isto quer dizer que, ao percorrermos o texto não vamos encontrar nenhuma referência ao gozo, já que ”libido” é um dos nomes do gozo, para Lacan. Vamos ter que localizar nesse texto, onde é que está a referencia ao gozo.
Este é um texto
onde Lacan vai tentar fazer acontecer o triunfo do desejo. Lacan ainda tentava
sustentar a primazia do significante como possibilidade de se preencher as
lacunas do inconsciente. Eu disse “ainda” porque já se podem perceber movimentos na direção de escutar
o resto que a articulação significante produz. Esta referência ao
momento histórico do texto é importante. Quando trabalhamos um texto de Lacan não se pode, em
hipótese
alguma, deixar de ter em conta duas coisas: a primeira delas é o lugar do
texto no percurso de Lacan. A segunda, mas nem por isso menos importante é saber quem
foi o interlocutor de Lacan naquele momento em que o texto estava sendo escrito
ou o seminário sendo ditado. São referencias que, dentro do nosso conhecimento, estaremos
passando a vocês todo o tempo.
Lacan considera que
o ponto de partida de seu ensino foi 1953. Neste momento ele diz o primeiro “não” à instituição que o
cerceava, vamos dizer assim. Nesta ocasião ele faz uma conferencia que conhecemos com o nome de “Relatório de Roma”, ou “Discurso de
Roma”,
cujo título é: “Função e Campo da Palavra e da Linguagem em Psicanálise”[2]. Um relatório importante. Quando ele foi apresenta-lo no Congresso da
IPA, disseram-lhe que não havia espaço para aquele texto na programação. O que ele
fez? Ele conseguiu um salão perto de onde as reuniões do Congresso estavam acontecendo, abriu as portas e
encheu a sala com não importa quem quisesse ouvi-lo.
Neste texto Lacan
introduz a função e o campo da palavra e da linguagem. Ele introduz o poder
da palavra, que estava sendo esquecido pelos psicanalistas da época e, a
partir daí começa a examinar a função da intersubjetividade na prática analítica. Porque ele acreditava que à palavra
plena como resposta do analista à palavra vazia do analisante, poderia produzir uma modificação subjetiva
nos dois. Ele sustenta a teoria da intersubjetividade, naquilo que pode
aprender de Kojéve sobre Hegel. É bem possível que o final da análise, naquele momento, estivesse contaminado pela
possibilidade de encontrar o saber absoluto. Em outras palavras, que se pudesse
recobrir o real pelo simbólico. Isto se expressa em sua definição de um final
que incluía a subjetivação da morte. No entanto, uma releitura deste, assim como de
outros textos contemporâneos já demonstram a impossibilidade de uma proporção sexual. Mas
Lacan acreditava por demais no simbólico.
É nesse texto, “A Direção do Tratamento...” que ele começa seu questionamento sobre a teoria da intersubjetividade,
exatamente quando já não mais acredita que o significado pudesse ser totalmente
recoberto pelo significante.
É no final do texto, no entanto que vamos ver escrito que o
desejo vence. Ali ele vai fazer referência ao final da análise como estreitamente ligado à questão de ter ou
ser o falo. O falo enquanto significante do desejo. Leio a penúltima frase
do texto:
“...é preciso que o homem macho ou fêmea, aceite tê-lo e não tê-lo a partir
da descoberta de que não o é.”[3] É a dialética do ter e do ser que está em jogo.
E o leitmotiv de Lacan, em
A direção do tratamento é: Cito Miller: é preciso preservar o lugar
do desejo.
[4]
[4]
É o que Lacan diz[5], página 601, Não devemos nos
enganar quanto ao lugar do desejo, ou, página 612, não devemos desconhecer o verdadeiro lugar onde se produzem
os efeitos da técnica.
Portanto, dito de
uma outra forma, trata-se de interpretar o desejo e seu significante, o falo.
O Sujeito entra em
análise
sustentando a possibilidade de vir a ser o objeto do Outro. Todo o desejo do
sujeito sustenta uma interpretação que ele faz do desejo do Outro. Ser o que o Outro quer
que ele seja, para ser por ele amado. É uma coisa bem simples. Essa é a dialética que sustenta a entrada em análise, Para que no final o sujeito perceba que esse
Outro, é um Outro barrado, e portanto, não tem. É a dialética entre
ter e ser. A questão não é mais ser, a questão é se tem ou se não tem.
Isso quer dizer – É preciso
sempre interpretar na direção da falta, é preciso sempre interpretar em direção ao nada, é preciso, de
certa maneira, visar e mostrar o nada.” [6]
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