Continuando com a nossa referência ao Grafo do Desejo vamos trabalhar a quinta parte do texto localizando-a no andar superior do Grafo:
"É preciso tomar o desejo ao pé da letra". Assim Lacan nomeou esta parte do texto que é dividida em 19 itens. Esse título apresenta um jogo com as palavras muito interessante, pois nos lança em direção à segunda clinica apontando para a importância de se ligar o desejo à letra.
O desejo se apresenta entre dois significantes. Neste vazio de entre dois se articula um sujeito e o objeto que ele elegeu como causa. Esta formalização ($<>a) nos diz de um sujeito em um movimento constante de aproximação e afastamento deste objeto ao mesmo tempo que busca um significante que possa representá-lo no Outro. Por isto dizemos, com Lacan, que um sujeito é sempre um "sujeito por vir"!
Então, se o desejo está articulado ao significante e à sua impossibilidade de dizer tudo, o gozo, esse resto que permanece no impossível a dizer, se estrutura a partir da letra, da escritura de um traço, uma ranhura no real.
Eu digo ranhura utilizando um termo de Lacan, pois se trata de um traço que, à medida que se escreve, vai-se extraindo um excesso e produzindo um resto que se perde. Como se se utilizasse um tábua de cera. Isto pode ser chamado de uma escritura que marca um encontro com o gozo. Sim, porque o que existe são "tiquês", encontros com o gozo. Encontros que só existem na medida em que são assim nomeados pelo sujeito.
Talvez por isso devemos ter muito cuidado em dizer "múltiplos Reais". O que verificamos na clínica são formas distintas de se lidar com esse encontro sempre faltoso. Esse encontro com o que não tem registro no simbólico e por isto mesmo não pode ser múltiplo. Real que, pela mesma razão, é sem lei e que dele sabemos apenas porque a letra faz borda em algum ponto, marcando-o e estabelecendo uma possibilidade de ser causa de desejo e não apenas um repetição de um gozo sem consequências.
Tendo isto em mente retomemos o circuito do Grafo.
Esta parte do texto nos remete ao andar superior.
O movimento que aí encontramos nos remete a uma superfície topológica importante: a Banda de Moebius. A sua principal característica é possuir apenas um lado e uma borda, diferentemente da banda circular onde temos dois lados e duas bordas. A banda circular representa bem o andar inferior do Grafo.
Bem, para que se possa fazer valer essa passagem de banda circular para banda de Moebius é preciso que o analista faça valer o que nós vamos chamar, com a linguagem de 58, seu "ser de analista.". Ele vai esvaziar o lugar para onde as demandas estão sendo endereçadas abrindo um espaço e promovendo uma torção de tal maneira que a demanda do sujeito vai retornar-lhe de forma invertida. O sujeito, então, não terá outra saída, senão a entrada: vai ter que se haver com as demandas do Outro ($<>D) uma vez que, como as superfícies descritas acima apontam, numa análise há apenas um sujeito em questão (banda de Moebius). Uma "psicoterapia" coloca dois sujeitos em cena e a banda circular demonstra isso muito bem.
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