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terça-feira, 23 de julho de 2013

A Interpretação: Da Palavra à Escritura VI

Vamos retomar o tema da interpretação utilizando a topologia. Escolho, para caminharmos em nosso tema, este objeto estranho e de tão difícil apreensão que é um Cross-Cap, “asfera” como a denomina Lacan. Produto da imersão de uma superfície de duas dimensões no espaço de três dimensões, o Cross-Cap é um objeto abstrato engendrado teoricamente e sem impurezas. No entanto, se admitirmos uma linha de sutura onde existem, abstratamente, duas componentes conexas que não se cruzam podemos obter uma imagem concreta do Cross-Cap.
O Cross-Cap com o qual Lacan trabalhou, e que nos interessa aqui, é aquele que podemos visualizar, mas ao qual atribuímos as propriedades daquele que não podemos ver. Dentre as muitas propriedades que este objeto apresenta escolhi algumas que mais convém ao meu propósito. Resumi-la-ei assim: no processo de imersão o ponto do infinito vem instalar-se exatamente ali onde as duas componentes conexas constituem esta linha de falsa auto-intersecção. Esta redução do horizonte a um ponto se precisa pelo fato de que esse ponto seja tal que toda linha traçada para aí chegar não o ultrapasse senão passando da face direita do plano a sua face avessa, após sofrer uma torção.
Continuando meu pensamento posso dizer, com Lacan, que essa linha traçada é a “linha sem pontos” do corte que representa o dito que faz sujeito e que não pode se produzir que de uma superfície já marcada por um “ponto fora da linha” ponto este que só se especifica por uma dupla volta instalada sobre uma esfera.
Suponhamos agora, e aqui está a minha contribuição, que esta linha enquanto percorrendo a face direita da “asfera” seja a mostração do trajeto do sujeito na medida em que se faz representar na cadeia significante que sustenta o saber do seu sintoma. Suponhamos ainda que esta cadeia deslize sem maiores problemas até um ponto em que uma estagnação acontece. Ora, é em função desta estagnação que vamos ver surgir aquilo que chamamos a pouco de “mal-a-mais” e que vai levar um sujeito a formular uma demanda de análise e uma transferência vai acontecer. Agora, se esta estagnação ocorre durante o tratamento é porque a transferência está operando enquanto resistência. Freud já nos esclareceu que estes pontos de resistência, pontos de silêncio que acontecem quando a associação livre é interrompida, são a conseqüência do analista estar ocupando um lugar destacado no pensamento do analisante. Michel Silvestre nos lembra que “estes momentos de estagnação longe de serem tempos mortos, perdidos para o sujeito, são ao contrário intervalos onde desponta um material específico, aquele da relação ao objeto, quer dizer, aquele da fantasia”.
Momento crucial onde o ato não deve faltar, pois somente um ato vai fazer restaurar a função do objeto “a” enquanto semblante, como vazio, assim como foi um ato que colocou o sujeito em análise. E não deve faltar sob pena do analista, então, se apresentar como presença maciça, fixa, entravando a espontaneidade da fala. Lembremos o que já dissemos, citando o texto “A Direção do Tratamento...”: “não há outra resistência à analise senão a do próprio analista.” Importante, portanto, assinalar que o operador que impede que presença maciça venha emperrar o percurso do sujeito é o desejo do analista que faz barra ao gozo que aí se apresenta, podendo relançar o vetor na direção da construção da fantasia.

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