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terça-feira, 8 de abril de 2014

CIRANDA DE RODA (um conto atual)

Ciranda, cirandinha,
Vamos todos cirandar.
Vamos dar a meia volta,
Volta e meia vamos dar.
O anel que tu me destes
Era vidro e se quebrou...


Quebrou e cá estou eu, só e sem ter mais onde me refugiar. Apenas me ficaram os pedaços, fragmentos com os quais não sei o que fazer. Eles simplesmente estão aí. Alguns mais brilhantes, outros mais opacos mas, apenas fragmentos. Por mais que tenham atrativos, por mais que brilhem, não formam nada, são só fragmentos. Não há mais um anel. Falta algo, que ao consigo saber o que, para uni-los. Mas o anel não se quebrou ? ele era de vidro, frágil. Assim era ele. Tentar colar os pedaços é impossível. Eles não se encaixam mais. O destino deles já está traçado. Eles serão sempre pedaços deste determinado anel. Mas terá que ser assim mesmo ?
Durante tanto tempo o guardei. Ele era tão bonito ! com ele eu sentia que me era permitida a entrada na roda da ciranda. Mas, de repente ele se quebrou. Foi num momento em que eu o apertei com um pouco mais de força. A situação assim o exigia. Talvez tenha sido até um exagero meu, mas agora não adiantam justificativas; o que está feito, está. Mas, como era frágil ! É, mas brilhava muito! Quando eu estava sozinho ficava a admira-lo. Ele brilhava de um modo especial quando o sol lhe batia de lado. Com ele eu me sentia importante. Poucos tinham um igual, aliás igual, igual ninguém tinha. Era só o meu. Mas aí ele se quebrou ! E exatamente quando eu mais precisava dele. Tive vontade de  chorar. Na verdade eu chorei, mas ninguém ficou sabendo. Não; se alguém soubesse como é que eu ainda ia ter chances de voltar à ciranda ? “Isto são coisas de seu foro íntimo”, me diziam. “Mas os outros vão ver que eu não tenho mais o anel, como vai ser ?”, retrucava eu.
Foi então que eu comecei a perceber que nesta ciranda havia algumas pessoas que não tinham um anel. Será que o deles também se quebrara ?, ou eles ainda os mantém guardados, longe da vista de nós outros, apenas para o seu “fôro íntimo”. No entanto, olhando daqui e de longe, alguns parecem que não têm e nem precisam de um anel. Olhe como estão tranqüilos. Pelo menos não precisam tomar tanta conta dele e talvez por isso brinquem com tamanha liberdade.
É, mas tudo isto são modos de tentar esconder de mim mesmo que o medo está grande. O medo de ficar sozinho, sem os companheiros que ainda têm o anel. Talvez eles ainda não tenham precisado aperta-lo. Que bom para eles !...
Mas, como me dá inveja olhar para aqueles lá. Veja como brincam na ciranda ! Veja como exibem os seus anéis ! Veja como brilham os seus anéis !...
Um momento “ Estou vendo algo que não havia visto até agora ! Como é que não enxerguei isto antes ? TODOS OS ANEIS SÃO IGUAIS ! É isso mesmo. São todos iguaizinhos ao que era meu. E eu achava que o meu era diferente “mas como é que eu não enxerguei isso antes !?" ... Talvez o brilho do meu próprio anel não me permitisse ver o que estou vendo agora ou, quem sabe, era porque eu talvez passasse muito tempo admirando o brilho dos outros anéis e por isso não visse que eram iguais ao que era meu. É, mas olhando melhor posso ver também que os tamanhos são distintos: Uns grandes, outros pequenos, mas o modelo... O modelo é único “seriam todos de vidro como era o meu?" Não acredito . Alguns já o usam há tanto tempo e eles nunca se quebraram...
Mas ficar aqui, olhando todas  aquelas pessoas na ciranda curtindo os seus anéis e cantando alto, sem poder participar, está muito ruim. Acho que o melhor é ir de volta para uma nova tentativa.
Cá estou eu de novo olhando para os fragmentos de meu anel. Agora que estou longe da roda o bastante para não ser interrompido pelo barulho, posso perceber que estes fragmentos são bem bonitos. Parece que eles têm algo a dizer. Às vezes tenho a impressão de que eles falam entre si, só que ainda não consigo entender o que eles querem dizer. A sua conversa aparenta tanta desorganização e incoerência!... mas é verdade que tenho agora a liberdade necessária. Sim, uma liberdade que eu não conseguia sentir enquanto estava participando da roda. Lá, têm-se que conformar de alguma maneira. Não se lembra do modelo dos anéis? Eram todos iguais. A música e a letra também eram sempre as mesmas. Até parecia um ritual. Porém agora, os fragmentos que estão à minha frente deixam passar a liberdade. Pode-se até antever que, por trás da aparente desorganização e incoerência, há um sentido. Mas sentido implica em direção e os fragmento não me dão direção alguma, senão seriam como a roda. Só se o sentido for outro: o da procura. Mas uma procura com liberdade. Sim, com liberdade de errar, tentar de novo e errar novamente se for preciso, sem a preocupação de usar um anel que seja maior ou mais bonito que o do outro. Tudo isto está me parecendo um tanto utópico, mas é o que estes fragmentos estão me levando a pensar. Afinal de contas, se isto é utópico o que é verdadeiro? Será a ciranda que é cantada na roda? Enquanto eu usava o anel não tinha estas preocupações. Tinha outras, como já descrevi no princípio, mas estas não. A verdade sempre estava lá, ao meu lado. E nunca poderia haver outra. Eu não precisava me dar o trabalho de ir à sua procura. Ela me era fornecida quase que imediatamente. Bastava eu fazer a pergunta e pronto, logo havia uma resposta. E era sempre resposta que continham aquelas verdades que todos nós gostamos de ouvir. Aquelas que tranqüilizam, mas não comprometem. É isso!, não há comprometimento. Há uma roda, uma música, uma fraternidade, mas não há comprometimento. Não há troca. Na hora de um se comunicar com o outro têm-se medo. E eu achava que era o único que tinha medo." É..., o anel pode se quebrar e aí se perde o acesso à roda...
Tanto tempo se passou para só agora, no sossego do meu canto, longe dos rumores e sons que estão sempre nos seduzindo para alguma direção, eu me permito escutar o que sempre estava junto de mim. Mas foi preciso que o anel se quebrasse para então eu voltar a buscar um determinado espaço, o espaço do silêncio. "Como é fundamental este silêncio” Sem ele o máximo que conseguimos são anéis de vidro. Anéis que nos são dados, como foi o meu. Meu? Agora já não acredito mais nisto. Acho que ele só estava no meu dedo, mas não era meu. Emprestado? Talvez...
A noite já vai alta. A madrugada é silenciosa. Agora nem mesmo o barulho do vai-e-vem da vida à minha volta me importuna. Há um silêncio. Não o silêncio próprio da ausência, da morte, da desesperança. É, porque a desesperança também é silenciosa. Ela nos rouba a vida das palavras tornando-as mudas, vazias. Não, este silêncio de agora é o silêncio da presença. Sei que há vida, esperança e luz. Os fragmentos começaram a se organizar e me refletem esta luz, me proporcionando, em consequência, o que refletir. Há um saber em tudo isto. Um saber no não dito. Apenas está aí e vai ficar. Não vai falar, não vai dirigir, não vai interferir. Apenas e tão somente vai proporcionar a criação de um espaço muito importante onde se possa tentar RECONSTRUIR...

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