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terça-feira, 15 de abril de 2014

Visitando o Seminário XI - A pulsão, seu circuito e seu objeto (I)


          Após uma breve introdução com comentários sobre o trabalho de Alexander - Alexander tinha, como tese central de sua teoria psicanalítica, a idéia de que a transferência deveria ser controlada e mantida fora do tratamento, para que este pudesse ter uma duração menor - Lacan retoma a sua discussão sobre a pulsão: “A transferência é isto que manifesta, na experiência, a colocação em ato da realidade do inconsciente, entanto que ela é sexualidade”[1], e esta manifestação se faz presente tanto mais claro quando, em “certos momentos ela se manifesta, a descoberto, sob a forma do amor”[2].
No entanto, esta manifestação amorosa, não vai representar o ponto culminante, o fator indiscutível da sexualidade na transferência, pois é a pulsão que vai dar-lhe sustentação.  Isto é o que vamos verificar aqui.
É o texto freudiano, “A pulsão e suas vicissitudes” que vai demonstrar isto, a partir da própria divisão que Freud lhe deu: uma primeira parte onde trabalha o desmonte da pulsão e uma segunda parte onde ele vai tratar da vida amorosa.
O que vai se colocar contra esta idéia de que o amor é o ponto culminante da transferência é que ele não é, em momento algum, considerado como a “essência” ou a “função” do que poderia se chamar “die ganze Sexualstrebung”: a totalidade da tendência sexual.
Todo o esforço de Freud vai ao sentido de mostrar que “sob a ótica da finalidade biológica da sexualidade, a saber, a reprodução, as pulsões tais como se apresentam no processo da realidade psíquica, são pulsões parciais”[3]. Se elas se mantêm numa estrutura, numa tensão que as estabilizam, é em função de um fator econômico. Fator este que está aí colocado apenas para dizer que todo este aparelho funciona apenas com o objetivo de manter certo nível de homeostase das tensões internas. No “Projeto...”, Freud designou um grupo de neurônios para exercer esta função e lhe deu o nome de “Real-Ich”.
Este “Real-Ich” é um “Ich” sem sujeito, estando submetido a este quantum de energia e obedecendo apenas às variações de suas tensões a partir dos sinais que lhe são enviados respeitando o Princípio do Prazer. Quanto a esta energia, “que se articula como processo primário no inconsciente (...) não é alguma coisa que se cifre, mas que se decifra. (...) É o gozo mesmo, que em nenhum caso faz energia, e não saberia se inscrever como tal”[4], permanecendo sob o envelope formal do sintoma que aí tenta fazer valer uma distância mínima, necessária à manutenção da vida.
Este ponto pode-se denominá-lo, com Lacan, de ponto de opacidade ou, se se quiser, aquilo que claudica na operação significante: S1 - S2 /a. Isto aponta para o fato de que esta energia tem um colorido sexual, formalmente mantido por Freud, como inscrito no mais íntimo de sua natureza. “É uma cor-de-vazio, suspenso na luz de uma brecha”[5].
 Retomemos o sistema homeostático para reafirmarmos que “as pulsões só entram em jogo sob a forma de pulsões parciais”[6], sendo estas apenas uma montagem conforme a estrutura de brecha, que é a do inconsciente, onde o desejo vai encontrar os limites impostos pelo chamado Princípio do Prazer. Estes limites estão aí, exatamente na medida em que o Princípio do Prazer se refere a uma realidade que é a própria homeostase. Esta realidade é o campo aonde vai se desenrolar a batalha de nossa práxis, campo aonde a transferência vai se apresentar como uma das possibilidades de recuperação do equilíbrio perdido, ao buscar um Sq, um saber que restitua ao sintoma suas funções de encobrir o ponto de falta. Em outras palavras, a transferência acontece nesta brecha, neste entre dois significantes onde o amor vem para dar conta de uma falta que aí se instalou desde sempre. “É neste campo, justamente, que o freudismo isola um desejo cujo princípio se encontra essencialmente nas impossibilidades”[7], no desamparo (Hilflösigkeit).
Para continuar, vou redefinir as bordas desta brecha para, em seguida, saber do circuito pulsional:
De um lado colocamos um dos extremos da experiência analítica: o recalque originário, um significante, sobre o qual vai se edificar o sintoma à maneira de uma pilha de andaimes: “Recalcado e sintoma são homogêneos e redutíveis às funções significantes”[8]. No outro extremo vamos encontrar a interpretação, que “concerne esse fator de estrutura temporal especial”, a metonímia. “A interpretação, no seu termo, aponta o desejo, ao qual, em certo sentido, ela é idêntica. O desejo é, em suma, a interpretação ela mesma.”[9]
                            S <> a.
Podemos esclarecer um pouco mais esta articulação: o desejo é sua interpretação, lembrando Freud: é graças ao Nome-do-Pai que o homem pode se separar do “serviço sexual da mãe”. Em suma, a agressão ao Pai (morte do pai primevo) vai instalar a lei e instituir o desejo a partir da interdição do incesto. O inconsciente, portanto, vai “mostrar que o desejo está enganchado ao interdito...”[10]. A interpretação do que está entre os ditos, o desejo da mãe interditado ao sujeito, pode ser desenhada no matema da metáfora paterna:
                   NP/DM . DM/X (A)/(Falo)   
                                              
aonde se lê: o Nome-do-Pai vem substituir o desejo da mãe deixando ao sujeito um enigma onde deveria haver um significante que pudesse responder à questão fundamental: Que queres? Esta situação de desamparo força o sujeito a ir buscar, no campo do Outro, um significante qualquer que possa lhe dizer do que falta. Significante este ao qual o sujeito está para sempre assujeitado: S1/$. Este significante, para sempre recalcado, o falo, é que determina o intervalo onde a sexualidade, inscrita como pura diferença, vai se instalar e se fazer representar pela pulsão sob a forma da pulsão parcial. “... a pulsão, sem dúvidas, representa e não faz mais que representar parcialmente, a curva da realização da sexualidade no vivente...”[11].
Pode-se, então, afirmar que é a “assunção da castração que cria a falta onde se institui o desejo. O desejo é desejo de desejo, desejo do Outro (tanto no genitivo, quanto no objetivo), submetido à lei”[12].
Sendo este desejo um vazio, será a pulsão que vai possibilitar a que toda a economia deste intervalo não se reduza a uma situação aonde o termo “energia psíquica”, mesmo que possa ser convincente, não vai dizer do que há de “Dasein”, de presença, da sexualidade. É a pulsão, enfim que vai promover a integração da sexualidade à dialética do desejo que passa pelo corpo, este aparelho que coloca em jogo a possibilidade de emparelhar-se a outros corpos. Afinal, foi Freud quem definiu a pulsão, representante da sexualidade, como “um conceito limítrofe entre o somático e o psíquico, o representante psíquico do estímulo originário de dentro do organismo e que alcança a mente, como uma medida da demanda feita sobre esta para trabalhar, como conseqüência mesma de sua conexão com o corpo”[13].
É por isso que a pulsão se torna a única possibilidade de retificação a ser feita numa análise.
(a continuar)



[1] Lacan, J. Le Séminaire XI - Le Quatre concepts fondamentaux de la Psychanalyse, Edition du Seuil, Paris,        1973. Pag. 159.
[2] Lacan, J. -  Ibidem.
[3] Lacan, J. - Op. Cit. Pag. 160
[4] Lacan, J. - “Television”. Edition du Seuil, Paris. 1974. Pag. 35
[5] Lacan, J. - “Du ‘Trieb’ de Freud ao Desejo do Analista”, in Écrits, Edition du Seuil, Paris. 1966. Pag. 851
[6] Lacan, J. - “Le Séminaire XI”, Op. Cit. Pag. 160
[7] Lacan, J. - “Du ‘Trieb...”, Op. Cit. Pag. 852.
[8] Lacan, J. - “Le Séminaire XI”, Op. Cit. Pag. 161
[9] Lacan, J. -  Ibidem, pag. 161
[10] Lacan,J. - “Du ‘Trieb...” Op. Cit. Pag. 852
[11] Lacan,J. - “Le Séminaire XI”, Op. Cit. Pag. 161
[12] Lacan,J. - “Du ‘Trieb...”, Op. Cit. Pag. 852
[13] Freud,S. - “Instincts and theirs vicissitudes”, S.E. Vol. XIV. The Hogarth Press, London, 1973. Pag. 122

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