Retomaremos o texto no ponto em que o deixamos na última publicação, para
tratarmos das estratégias do analista. Iremos um pouco mais devagar hoje pelo
texto "Direção do Tratamento...". Não só porque esta subdivisão vai
nos exigir mais, mas também porque devo inserir um tópico que tem batido em
minha porta com muita insistência nestes dias, a partir mesmo do que estamos
trabalhando aqui. São as ressonâncias de nosso trabalho que devem ser escutadas
e respondidas, quando possível. Trata-se da díade "Psicanálise Pura &
Psicanálise Aplicada". Outra também já chegou e ficou sem resposta:
Psicanálise em intensão e Psicanálise em extensão. Veremos como responder a
estas questões no decorrer de nosso trabalho.
Vamos, pois ao texto da "Direção do Tratamento..."
Trata-se de uma subdivisão extensa e, por isso mesmo vamos privilegiar
apenas alguns pontos que consideramos importantes para este momento. Ressalva
seja feita quanto ao fato que estes tópicos, Interpretação, Transferência e
Política serão retomados de forma mais detalhada nos "capítulos"
dois, três e quatro do texto.
Vamos dividir o item 5 em duas partes:
"Quanto ao manejo da transferência, minha liberdade, ao
contrário, vê-se alienada pelo desdobramento que nela sofre minha pessoa, e
ninguém ignora que é aí que se deve buscar o segredo da análise. O que não
impede que se creia estar progredindo nesta douta afirmação: que a psicanálise
deve ser estudada como uma situação a dois. Decerto se introduzem nela
condições que lhe restringem os movimentos, no entanto disso resulta que a
situação assim concebida serve para articular (e sem maiores artifícios do que
a já citada reeducação emocional) os princípios de um adestramento do chamado
Eu fraco, e por um Eu o qual há quem goste de considerar capaz de realizar esse
projeto, porque é forte. Que não se enuncie isso sem constrangimento é o que
atestam certos arrependimentos de uma inabilidade impressionante, como aquele
que esclarece não ceder à exigência de uma "cura por dentro". Mas só
é mais significativo constatar que o assentimento do sujeito, por sua evocação
nesse trecho, vem apenas no segundo tempo de um efeito inicialmente imposto.
Não é por nosso prazer que expomos esses desvios, mas, antes, para,
com seus escolhos, fazer balizas para nosso caminho.
De fato, todo analista (nem que
seja os que assim se extraviam) sempre experimenta a transferência, no
deslumbramento do efeito menos esperado de uma relação a dois que seria como as
outras. Ele diz a si mesmo que, nesse aspecto, tem que contemporizar com um
fenômeno pelo qual não é responsável, e sabemos com que insistência Freud enfatizou
sua espontaneidade no paciente.
Faz algum tempo que os analistas, nas dilacerantes revisões com que
nos brindam, preferem insinuar que essa insistência, da qual se fizeram
baluartes por muito tempo, traduziria em Freud certa fuga do compromisso
pressuposto pela idéia de situação. Como vocês vêem, estamos em dia.
Mas é, sobretudo a exaltação fácil de seu gesto de atirar os
sentimentos - imputado à contratransferência - no prato de uma balança em que a
situação se equilibraria por seu peso que atesta, para nós, uma consciência
pesada que se correlaciona com a renúncia em conceber a verdadeira natureza da
transferência".
Fica claro, nesta passagem, que a estratégia está ligada à transferência
e que, atenção!, aqui o analista não é senhor. Talvez por isso mesmo seja que
durante tanto tempo os analistas tentaram fazer semblante de tela branca, ou
até mesmo de indiferença, com a intenção de transmitir uma imagem de domínio. O
analista, no que concerne à transferência, está ali como alienado, por este motivo
não é um sujeito indeterminado, não é o sujeito puro da teoria dos jogos.
Teoria esta da qual Lacan lançou mão para dar conta de suas formulações no
início dos anos cinqüenta. Cumpre ressaltar que esta época, os anos cinqüenta,
foi muita marcada pelas teorizações de Von Neumann e que temos no texto "A
carta Roubada", que abre a coletânea dos "Escritos" um ponto
importante deste momento. Ali Lacan faz uma descrição do "jogador
ideal" ao mesmo tempo em que o encosta à parede estabelecendo seus
limites. Este "jogador ideal" é mencionado um pouco mais à frente
para ser criticado. Veremos. Mas, retomando a frase que escolhemos para
comentar, ou seja, a da alienação que sofre a pessoa do analista pelo desdobramento
que acontece na transferência, vamos perceber o que Lacan contesta da prática
analítica como uma situação a dois e, principalmente, onde um Eu fraco se vê
compelido por um Eu forte a uma reeducação emocional. Percebem-se, neste
movimento, as razões para a tendência à padronização da pessoa do analista,
julgando que quanto mais o analista fosse anônimo, invariável, mais ele poderia
se prestar à superfície de reflexão, portanto, deixando-se enganar pela "metáfora
do espelho" e, "sobretudo, a exaltação fácil de seu gesto de
atirar os sentimentos - imputado à contratransferência - no prato de uma
balança em que a situação se equilibraria por seu peso que atesta, para nós,
uma consciência pesada que se correlaciona com a renúncia em conceber a
verdadeira natureza da transferência".
Mas se isto acontecia por se confundir a posição do analista com um
objeto passivo da fantasia do analisante, congelando sua posição como pai
morto, pai ideal que teria o domínio de seus desejos sendo, portanto, completo
e perfeito podendo guiar o analisante pelo Aqueronte sem se deixar molestar por
ele. A conseqüência disto era a identificação ao analista, eternizando os laços
transferências.
É fundamental o analista saber que o sintoma sobre o qual opera é um
sintoma sob transferência. O lugar do analista é denominado por Lacan, a partir
do Seminário "A Identificação" como sendo aquele onde habita um
Sujeito Suposto Saber exatamente por que o analisante supõe que nada sabe e que
seu sintoma tem algo a ser interpretado. Isso indica que o sintoma, tomado na
transferência, está sob a égide de uma nova significação da qual o analista é o
suporte. O sintoma, na vertente da transferência, inclui o analista na sua
constituição, assinalando a ele um lugar no inconsciente: o analista é uma
formação do inconsciente, nos diz Lacan. Isso nos permite compreender como o
analista pode operar sobre o sintoma, partindo do fato de que ele não é
exterior ao objeto sobre o qual vai intervir. O analista, portanto, não pode
fazer como um médico que coloca o objeto de sua observação e experiência a certa
distância. Talvez por isso pode-se dizer que sempre algo de sua ação lhe
escapa. Lacan nunca cansou de afirmar, na contra corrente do que dissemos acima
sobre o ideal do analista perfeito, que é muito importante que ele preserve a
dimensão imaginária de sua necessária imperfeição, de jeito algum como
invariável, sendo ele próprio sujeito às investidas do desejo. Claro que isso
só é válido se seu desejo de sujeito não estiver aí implicado fazendo com que
uma vacilação calculada da "neutralidade" possa valer como
interpretação.
Lacan, já neste texto, apresenta o analista como fazendo parte da
fantasia do analisante. É desta forma que ele vai, desde o início, participar
do jogo do significante nas formações que o analisante apresenta. Ele surge
como uma variável que deve ser levada em conta a partir da estrutura da
fantasia. Por isso o analista deve saber, e aí está a dessimetria fundamental
em relação à díade amorosa, ele deve saber aonde vai, pois não pode ficar
entorpecido pela fantasia do analisante que estabelece as bases da chamada
neurose de transferência. Por isso o terceiro termo: a política da psicanálise.
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