Como se trata de uma matéria por demais extensa e que nos desviaria
muito do nosso objetivo, vou citar aqui apenas algumas referências bibliográficas que podem ser consultadas: Heinrich Racker,
Transference and Counter-Transference; Paula Heimann, On counter-transference; e
um artigo de Margareth Little, ”A
resposta total do analista nos cuidados de sue paciente” que Lacan cita no Seminário “A angústia”.
Lacan,
por sua vez, começa logo a tratar deste tema.
No princípio nós o vemos analisar a contra-transferência de Freud em relação à Dora – texto “Intervenção sobre a transferência”,
mencionado acima - : Freud, em razão de sua contra-transferência retorna constantemente sobre o amor que
o Senhor K inspiraria em Dora e é
singular ver como ele interpreta sempre no sentido da confissão das respostas, no entanto, muito variadas
que lhe oponha Dora.
Neste texto de 1951, Lacan
assim define a contra-transferência: “Pode-se, aqui considerar como uma entidade
relativa à
contra-transferência
definida como a soma dos preconceitos, das paixões, dos embaraços, talvez de informação insuficiente do analista em tal momento do
processo dialético.” Para, logo em seguida afirmar: “Dito de outra forma, a transferência nada é de
real no sujeito, senão a
aparição, em
um momento, da estagnação da dialética analítica,
dos modos permanentes segundo os quais ele constitui seus objetos.” (Leia-se atualização da
fantasia fundamental na transferência)
Em seu Relatório de Roma ele assim se refere à contra-transferência: “Existe aí um
longo caminho técnico a
retomar e, de início em
suas noções
fundamentais pois a confusão está no seu ápice e
temos que separar o joio do trigo no que respeita à contra-transferência, se ela parte de uma boa intenção, ela apenas traz um barulho a mais.”
Mais abaixo, neste mesmo texto,
vemos um Lacan freudiano referir-se à
importância da contra-transferência ligada a formação do psicanalista. “Aqui o
acento vem do embaraço do término do tratamento, que se reúne àqueles
do momento em que a psicanálise
didática termina na introdução do candidato à prática.”
Ao retomar o caso Dora, no “Discurso de Roma”, Lacan vai reafirmar sua posição quanto à
contra-transferência ao dizer que é um “termo
cujo emprego correto, a nosso ver, não pode
ser estendido para além das
razões dialéticas do erro”.
Em “Variantes do tratamento Padrão” encontra-se, mais uma vez,
uma crítica ácida ao emprego da contra-transferência e, mais uma vez, um alerta sobre os efeitos que “desviam a atenção do praticante de sua intervenção maior (referência à
interpretação):
Efeito que responde essencialmente à noção de contra-transferência, nisso que o analista deixa de
considerar a ação que
lhe retorna na produção da
verdade”..
Poderíamos seguir por esta trilha, examinando cada um dos
fragmentos onde Lacan menciona a contra-transferência, mas vou preferir dar um passo e apresentar como
Lacan sustentou o seu conceito de intersubjetividade, ali onde se falava de
contra-transferência. Para tanto, vou ler
um fragmento de uma entrevista feita com Lacan em 1966[1] quanto lhe foi feita a seguinte pergunta: “Segundo você, qual a relação que existe entre a relação de objeto e as relações entre os sujeitos
(intersubjetivas)?" Cumpre
ressaltar que esta entrevista foi feita muitos anos depois de Lacan ter
abandonando este conceito como sustentáculo
de sua prática, o que começa a acontecer exatamente na época em que escreve “A Direção do
Tratamento...” e, exatamente a partir de
um novo conceito - o objeto pequeno “a” – a sua
segunda formulação clínica começava a
se esboçar.
“Evidentemente, este objeto
particular que chamei objeto pequeno “a” não
adquire sua incidência
na intersubjetividade, mas ao nível do
que se pode chamar a “estrutura
do sujeito”,
mantendo presente que o termo sujeito se articula e se define por meio de ligações determinadas, formalizáveis segundo as quais, na sua origem, o
sujeito é
efeito do significante. É a
incidência do significante que
constitui o sujeito, ao menos o sujeito definido, articulado à incidência
na qual ele está
interessado, quer dizer, o sujeito que nos é
necessário
para dar lugar à
realidade. Porque é a
ordem que determina o inconsciente. Na medida em que demandamos de um sujeito
que não lance mão das metáforas
banais nem das franjas do erro para definir o inconsciente, esta estruturação do sujeito nos obriga, para dize-lo assim,
a não considera-lo tecido da
mesma “tela” que o objeto pequeno “a”. “Tela” é um termo que precisa ser entendido
literalmente. Por princípio
nos referimos aqui a algo que nos induziu a construir, nesses últimos anos, uma topologia. Conseqüentemente, a relação de objeto não se situa ao nível da intersubjetividade enquanto esta
permanece, por exemplo, implicada na dimensão da “reciprocidade” (na psicologia de Piaget, a
intersubjetividade é
absolutamente fundamental e transcendental). Foi útil começar por
determinar o tipo de forma, de modelo grosseiro no qual se articulou o
pensamento dos “analistas
médicos” (pessoas, eu posso afirma-lo, “a quem falta muito da dimensão da cultura”). No período de
entre duas guerras, introduzimos a noção da
intersubjetividade como uma espécie de
barreira de fumaça, ou
como uma ponte em direção ao
que é um problema de outro gênero, para aqueles que tiveram o trabalho de
ler Freud: aquele da estrutura intrasubjetiva. Mas, precisamente o termo, desde
que ele opõe
inter e intra, pode nos conduzir a uma via sem saída, a identificações aproximativas, por exemplo, a considerar
as estruturas como aquelas que Freud introduziu com tanta precisão, de nuances e com tanta “finesse”[2], que são
aquelas que nos propomos elaborar, a considerar o eu, o ideal do eu, o super eu
como unidades autônomas
funcionando no interior de não se
sabe qual sistema, talvez de um “meio
comum” não bem identificado (e que foi convencionado
chamar “sujeito”). E vemos hoje aqueles que, nesta ocasião, pensavam que faziam avançar a psicanálise, chamando-os, segundo o contexto
anglo-saxão – Self. É útil promover estruturas infinitamente mais
complexas que permitem dar conta do resultado da análise. O que quer que seja, eles não poderiam de qualquer maneira se fundar
sobre o conceito de “totalidade” que alguns autores, e autores celebres e
mesmo geniais no domínio
psicanalítico
promoveram para dar provas de não sei
qual tipo de abertura mental ou para colocar “a la page”, na
moda, algumas idéias que
no domínio
fenomenológico
estão mais ou menos no ar. Na
realidade não há nada tão
contrário à experiência
especificamente analítica,
e tão apta, ao mesmo tempo, em
ocultar sua verdadeira originalidade. Em uma palavra, a relação de objeto se situa, não sobre o plano intersubjetivo, mas sobre
aquele das estruturas subjetivas, que serão, em
todo caso, aquelas que nos conduzirão ao
questionamento da intersubjetividade.”
É esta passagem pelo objeto “a”, como
afirmamos acima, é que vai estruturar de
forma mais consistente a nova formulação de
Lacan sobre a transferência e poder desenhar a função do desejo do analista como o verdadeiro
operador da análise. Esta passagem
esclarece porque Lacan chegou a retratar-se publicamente com respeito à sua posição em relação a
intersubjetividade. Isto ocorreu numa ocasião muito importante: A Leitura da “Proposição de 9
de outubro sobre o Analista da Escola” para
seus colegas da Escola Freudiana de Paris. Ali ele diz o seguinte: “Quem é que,
ao ter uma visão da
transferência,
poderia duvidar que ela seja a referência
mais contrária à idéia de
intersubjetividade?
Isto a ponto de que eu
pudesse me surpreender que nenhum praticante que seja advertido não me tenha feito objeção hostil, ou quem sabe amigável. Este teria sido o momento de assinalar
para que aí se
pensasse, que eu deveria lembrar, de início, o
que implica da relação
intersubjetiva o uso da palavra.
É por isso em todas as
extremidades do campo de meus Escritos, eu indico minha reserva com respeito ao
emprego da tal intersubjetividade por este tipo de universitários que não
sabem sair de sua toca, senão
agarrando-se a termos que lhe parecem “levitatoires”, na falta de apreender sua conexão ali onde eles servem.
É verdade que esses são os mesmos que favorecem a idéia de que a práxis analítica
está feita para abrir nossa
relação ao
doente para a compreensão.
Complacência
ou mal-entendido que falseia nossa seleção de
saída, onde se mostra que eles
não perdem totalmente o norte
quando se trata da materialidade.”
Acontece que neste mesmo
texto Lacan vai desenvolver o matema da transferência que nos permite formalizar este laço social que é o discurso do analista. Ele o faz, sem dúvida nenhuma, baseado nos princípios que ele mesmo descreveu na entrevista
que transcrevemos acima, ou seja, “neste
objeto particular que chamei objeto pequeno “a” não adquire sua incidência na intersubjetividade, mas ao nível do que se pode chamar a “estrutura do sujeito”, mantendo presente que o termo sujeito se
articula e se define por meio de ligações
determinadas, formalizáveis
segundo os quais, na sua origem, o sujeito é
efeito do significante.”
Nosso próximo passo seria a elaboração do conceito “o desejo do analista”. Prefiro deixa-lo para mais à frente, quando Lacan vai escreve-lo, pela primeira vez,
- digo escreve-lo, pois não pude
pesquisar se nos seminários ele menciona este
conceito antes deste momento - no texto “A direção do tratamento ...”. Assim ele descreve o lugar do desejo do analista na
segunda parte da quarta seção
deste escrito: “Uma ética deve ser formulada que integre as
conquistas freudianas sobre o desejo: para colocar no seu lugar a questão do desejo do analista.”
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