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sexta-feira, 10 de maio de 2013

Sobre a contra-transferência e o lugar do analista II

            Antes que Lacan pudesse tratar esta questão, como veremos mais abaixo, existiu um período em que a contra-transferência foi usada e abusada como técnica por várias correntes psicanalíticas. Entre elas, as que seguiram a trilha aberta por M. Klein e a chamada Psicologia do Ego, inventada pelo trio de Nova York, como eram chamados os psicanalistas Kris, Hartmann e Lowestein (este último analista de Lacan). O abuso do conceito de contra-transferência alcança seu ápice quando, nos anos 50 descreve uma nova estrutura: a neurose contra-transferencial, termo cunhado por Heinrich Racker para dizer dos perigos de não se utilizar os sentimentos contra-transferenciais  para dirigir o tratamento.

Como se trata de uma matéria por demais extensa e que nos desviaria muito do nosso objetivo, vou citar aqui apenas algumas referências bibliográficas que podem ser consultadas: Heinrich Racker, Transference and Counter-Transference; Paula Heimann, On counter-transference; e um artigo de Margareth Little, A resposta total do analista nos cuidados de sue paciente que Lacan cita no Seminário A angústia.

 Lacan, por sua vez, começa logo a tratar deste tema. No princípio nós o vemos analisar a contra-transferência de Freud em relação à Dora texto Intervenção sobre a transferência, mencionado acima - : Freud, em razão de sua contra-transferência retorna constantemente sobre o amor que o Senhor K inspiraria em Dora e é singular ver como ele interpreta sempre no sentido da confissão das respostas, no entanto, muito variadas que lhe oponha Dora.

Neste texto de 1951, Lacan assim define a contra-transferência: Pode-se, aqui considerar como uma entidade relativa à contra-transferência definida como a soma dos preconceitos, das paixões, dos embaraços, talvez de informação insuficiente do analista em tal momento do processo dialético. Para, logo em seguida afirmar: Dito de outra forma, a transferência nada é de real no sujeito, senão a aparição, em um momento, da estagnação da dialética analítica, dos modos permanentes segundo os quais ele constitui seus objetos. (Leia-se atualização da fantasia fundamental na transferência)

Em seu Relatório de Roma ele assim se refere à contra-transferência: Existe aí um longo caminho técnico a retomar e, de início em suas noções fundamentais pois a confusão está no seu ápice e temos que separar o joio do trigo no que respeita à contra-transferência, se ela parte de uma boa intenção, ela apenas traz um barulho a mais.

Mais abaixo, neste mesmo texto, vemos um Lacan freudiano referir-se à importância da contra-transferência ligada a formação do psicanalista. Aqui o acento vem do embaraço do término do tratamento, que se reúne àqueles do momento em que a psicanálise didática termina na introdução do candidato à prática.

Ao retomar o caso Dora, no Discurso de Roma, Lacan vai reafirmar sua posição quanto à contra-transferência ao dizer que é um termo cujo emprego correto, a nosso ver, não pode ser estendido para além das razões dialéticas do erro.

Em Variantes do tratamento Padrão encontra-se, mais uma vez, uma crítica ácida ao emprego da contra-transferência e, mais uma vez, um alerta sobre os efeitos que desviam a atenção do praticante de sua intervenção maior (referência à interpretação): Efeito que responde essencialmente à noção de contra-transferência, nisso que o analista deixa de considerar a ação que lhe retorna na produção da verdade..

Poderíamos seguir por esta trilha, examinando cada um dos fragmentos onde Lacan menciona a contra-transferência, mas vou preferir dar um passo e apresentar como Lacan sustentou o seu conceito de intersubjetividade, ali onde se falava de contra-transferência. Para tanto, vou ler um fragmento de uma entrevista feita com Lacan em 1966[1] quanto lhe foi feita a seguinte pergunta: Segundo você, qual a relação que existe entre a relação de objeto e as relações entre os sujeitos (intersubjetivas)?" Cumpre ressaltar que esta entrevista foi feita muitos anos depois de Lacan ter abandonando este conceito como sustentáculo de sua prática, o que começa a acontecer exatamente na época em que escreve A Direção do Tratamento... e, exatamente a partir de um novo conceito - o objeto pequeno a a sua segunda formulação clínica começava a se esboçar.

 

Evidentemente, este objeto particular que chamei objeto pequeno a não adquire sua incidência na intersubjetividade, mas ao nível do que se pode chamar a estrutura do sujeito, mantendo presente que o termo sujeito se articula e se define por meio de ligações determinadas, formalizáveis segundo as quais, na sua origem, o sujeito é efeito do significante. É a incidência do significante que constitui o sujeito, ao menos o sujeito definido, articulado à incidência na qual ele está interessado, quer dizer, o sujeito que nos é necessário para dar lugar à realidade. Porque é a ordem que determina o inconsciente. Na medida em que demandamos de um sujeito que não lance mão das metáforas banais nem das franjas do erro para definir o inconsciente, esta estruturação do sujeito nos obriga, para dize-lo assim, a não considera-lo tecido da mesma tela que o objeto pequeno a. Tela é um termo que precisa ser entendido literalmente. Por princípio nos referimos aqui a algo que nos induziu a construir, nesses últimos anos, uma topologia. Conseqüentemente, a relação de objeto não se situa ao nível da intersubjetividade enquanto esta permanece, por exemplo, implicada na dimensão da reciprocidade (na psicologia de Piaget, a intersubjetividade é absolutamente fundamental e transcendental). Foi útil começar por determinar o tipo de forma, de modelo grosseiro no qual se articulou o pensamento dos analistas médicos (pessoas, eu posso afirma-lo, a quem falta muito da dimensão da cultura). No período de entre duas guerras, introduzimos a noção da intersubjetividade como uma espécie de barreira de fumaça, ou como uma ponte em direção ao que é um problema de outro gênero, para aqueles que tiveram o trabalho de ler Freud: aquele da estrutura intrasubjetiva. Mas, precisamente o termo, desde que ele opõe inter e intra, pode nos conduzir a uma via sem saída, a identificações aproximativas, por exemplo, a considerar as estruturas como aquelas que Freud introduziu com tanta precisão, de nuances e com tanta finesse[2], que são aquelas que nos propomos elaborar, a considerar o eu, o ideal do eu, o super eu como unidades autônomas funcionando no interior de não se sabe qual sistema, talvez de um meio comum não bem identificado (e que foi convencionado chamar sujeito). E vemos hoje aqueles que, nesta ocasião, pensavam que faziam avançar a psicanálise, chamando-os, segundo o contexto anglo-saxão Self. É útil promover estruturas infinitamente mais complexas que permitem dar conta do resultado da análise. O que quer que seja, eles não poderiam de qualquer maneira se fundar sobre o conceito de totalidade que alguns autores, e autores celebres e mesmo geniais no domínio psicanalítico promoveram para dar provas de não sei qual tipo de abertura mental ou para colocar a la page, na moda, algumas idéias que no domínio fenomenológico estão mais ou menos no ar. Na realidade não há nada tão contrário à experiência especificamente analítica, e tão apta, ao mesmo tempo, em ocultar sua verdadeira originalidade. Em uma palavra, a relação de objeto se situa, não sobre o plano intersubjetivo, mas sobre aquele das estruturas subjetivas, que serão, em todo caso, aquelas que nos conduzirão ao questionamento da intersubjetividade.

É esta passagem pelo objeto a, como afirmamos acima, é que vai estruturar de forma mais consistente a nova formulação de Lacan sobre a transferência e poder desenhar a função do desejo do analista como o verdadeiro operador da análise. Esta passagem esclarece porque Lacan chegou a retratar-se publicamente com respeito à sua posição em relação a intersubjetividade. Isto ocorreu numa ocasião muito importante: A Leitura da Proposição de 9 de outubro sobre o Analista da Escola para seus colegas da Escola Freudiana de Paris. Ali ele diz o seguinte: Quem é que, ao ter uma visão da transferência, poderia duvidar que ela seja a referência mais contrária à idéia de intersubjetividade?

Isto a ponto de que eu pudesse me surpreender que nenhum praticante que seja advertido não me tenha feito objeção hostil, ou quem sabe amigável. Este teria sido o momento de assinalar para que aí se pensasse, que eu deveria lembrar, de início, o que implica da relação intersubjetiva o uso da palavra.

É por isso em todas as extremidades do campo de meus Escritos, eu indico minha reserva com respeito ao emprego da tal intersubjetividade por este tipo de universitários que não sabem sair de sua toca, senão agarrando-se a termos que lhe parecem levitatoires, na falta de apreender sua conexão ali onde eles servem.

É verdade que esses são os mesmos que favorecem a idéia de que a práxis analítica está feita para abrir nossa relação ao doente para a compreensão. Complacência ou mal-entendido que falseia nossa seleção de saída, onde se mostra que eles não perdem totalmente o norte quando se trata da materialidade.

Acontece que neste mesmo texto Lacan vai desenvolver o matema da transferência que nos permite formalizar este laço social que é o discurso do analista. Ele o faz, sem dúvida nenhuma, baseado nos princípios que ele mesmo descreveu na entrevista que transcrevemos acima, ou seja, neste objeto particular que chamei objeto pequeno a  não adquire sua incidência na intersubjetividade, mas ao nível do que se pode chamar a estrutura do sujeito, mantendo presente que o termo sujeito se articula e se define por meio de ligações determinadas, formalizáveis segundo os quais, na sua origem, o sujeito é efeito do significante.

Nosso próximo passo seria a elaboração do conceito o desejo do analista. Prefiro deixa-lo para mais à frente, quando Lacan vai escreve-lo, pela primeira vez, - digo escreve-lo, pois não pude pesquisar se nos seminários ele menciona este conceito antes deste momento - no texto A direção do tratamento .... Assim ele descreve o lugar do desejo do analista na segunda parte da quarta seção deste escrito: Uma ética deve ser formulada que integre as conquistas freudianas sobre o desejo: para colocar no seu lugar a questão do desejo do analista.



[1] Fragmento publicado por Jorge Baños Orellana, De lhermétisme de Lacan. Figures de sa transmission, Paris, E.P.E.L. 1999, page 92.
[2] Deixo aqui o termo finesse pois o considero mais adequado do que finura. Sabemos a uso que se faz desta palavra em francês em nosso linguajar

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