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quinta-feira, 16 de maio de 2013

Política, estratégia e tática na Direção do Tratamento (I)

Na última postagem trabalhei a “contra-transferência e o lugar do analista” começando por Freud, passando pelos pós-freudianos, para chegar aos primórdios do ensino de Lacan até poder apontar a presença de um novo conceito: o desejo do analista.

Começarei, aqui, pela afirmação que abre a subdivisão dois e aponta a radicalidade do lugar do analista: “O psicanalista certamente dirige o tratamento”. No entanto é preciso destacar: O primeiro princípio desse tratamento, o que lhe é soletrado logo de saída, que ele encontra por toda parte em sua formação, a ponto de ficar por ele impregnado, é o de que não deve de modo algum dirigir o paciente. A direção de consciência, no sentido do guia moral que um fiel do catolicismo pode encontrar neste, acha-se aqui radicalmente excluída. Se a psicanálise levanta problemas para a teologia moral, não se trata daqueles da direção de consciência, a cujo respeito lembramos que a direção de consciência também os suscita“. 
A direção do tratamento é outra coisa. Consiste, em primeiro lugar em fazer com que o sujeito aplique a regra analítica, isto é, as diretrizes cuja presença não se pode desconhecer como princípio do que é chamada “a situação analítica”, sob pretexto de que o sujeito as aplicaria melhor sem pensar nelas.
Essas diretrizes, numa comunicação inicial, revestem – se da forma de instruções, as quais, por menos que o analista as comente, podemos considerar que, até nas inflexões de seu enunciado, veicularão a doutrina com as quais o analista se constitui, no ponto de conseqüência que ela atingiu para ele. O que não o torna menos solidário da profusão de preconceitos que, no paciente, esperam nesse mesmo lugar, conforme a idéia que a difusão cultural lhe tenha permitido formar acerca do procedimento e da finalidade da empreitada.
Isso já basta para nos mostrar que o problema da direção revela, desde as diretrizes iniciais, não poder formular-se numa linha de comunicação unívoca, o que nos obriga a permanecer aí, no momento, para esclarecê-lo pelo que o segue.
Digamos apenas que, ao reduzi-lo à sua verdade, esse tempo consiste em fazer o paciente esquecer que se trata apenas de palavras, mas que isso não justifica que o próprio analista o esqueça ."

É desta forma que Lacan enuncia, em 1958, como se inicia uma análise e, ao enfatizar o termo “direção” associado ao “poder” vai deixar claro que este texto pretende examinar a experiência analítica pelo lado do analista, da posição do analista. O que chama nossa atenção é que esta posição está colocada como a que dirige o tratamento, fazendo alusão clara ao lugar de mestre. Atenção, é preciso escutar isso no “só-depois” que o ensino de Lacan propicia ao trazermos para articular esta passagem o que ele desenvolveu mais tarde ao tratar da estrutura dos quatro discursos. O que se pode dizer da direção do tratamento é que o analista ocupa um lugar dominante numa suposta relação binária na qual existe o mestre e o outro do mestre. Esta estrutura vale para qualquer um dos quatro discursos sendo o que se questiona, fundamentalmente, é como o analista vai ocupar este lugar do mestre (ou de agente do discurso) para que uma análise possa acontecer. Mas o que está escrito nesta segunda parte, e de uma forma bastante clara, é que esse lugar do analista é um lugar de direção e do qual ele exerce um poder. Esta posição de Lacan com respeito à direção do tratamento deixa claro que a experiência analítica não se desenrola em um espaço onde o poder está excluído, está fora, como podemos escutar em outras formas de trabalho, onde se diz que é o paciente quem dirige o tratamento, ou então que devemos trabalhar no sentido da liberação do paciente, etc. Lacan nunca deixou de afirmar que os lugares são bem definidos e que, como já explicitamos antes, quando tratamos da contra-transferência, toda referência à reciprocidade em uma análise é uma piada, pois o que se instala deste o princípio é uma dessimetria radical onde pelo menos um sabe que a relação sexual, - enquanto proporção que faria do encontro uma unidade – é impossível. Essa dessimetria, portanto, só faz trazer a tona o tema da responsabilidade do analista. Por tudo isto é importante explicitar como o analista vai ocupar este lugar de mestria no Discurso do Analista. Paradoxalmente ele o ocupa numa posição avessa ao do Discurso do Mestre, ele o ocupa enquanto objeto pequeno “a”. Essa passagem nos faz repetir o que já dissemos, reforçando a tese de que os fenômenos contra-transferenciais estão longe poderem sustentar uma direção do tratamento pois, são fenômenos que levam em conta a presença do analista enquanto sujeito do inconsciente, estabelecendo a simetria entre analista e analisante. Esta posição de mestria a partir do objeto pequeno “a” como causa de desejo marca uma divisão radical na prática da psicanálise
Continuando nosso comentário, Lacan vai dizer da verdade da enunciação da regra analítica ao afirmar que tudo vai acontecer dentro de um quadro que nada mais é do que um artifício. Trata-se, portanto, de um artifício e não de uma imaginarização do simbólico como acreditavam os psicanalista à época. Esta é uma regra que enuncia que somente estarão em jogo palavras. E, mais importante, estas palavras estão aí para fazer lembrar que o analista “de que não deve de modo algum dirigir o paciente”. Mas dirigir o tratamento fazendo “com que o sujeito aplique a regra analítica”. E ele o faz trazendo em seu enunciado os princípios da “doutrina com as quais o analista se constitui, no ponto de conseqüência que ela atingiu para ele”. Isto nada mais é do que assinalar a importância de se formular para o paciente a regra analítica fundamental, mesmo estando cientes de que hoje, a psicanálise está muito (diria até excessivamente) difundida pelo público. Esta atitude não implica que vamos doutrinar o paciente, mas sim suscitar nele a implicação subjetiva, ou seja, modificar suas relações com o real para que possa se constituir uma nova relação do paciente com seu sintoma. Já dissemos, em outra ocasião que o paciente chega à análise quando o seu sintoma falha. Mas também é importante saber que o sintoma do paciente não vai emergir a partir do diagnóstico que fazemos, mas sim ao longo do percurso do tratamento, a partir mesmo da confissão do paciente. Em outras palavras este primeiro tempo, que é o tempo das entrevistas preliminares, é o tempo que equivale à critica de Hegel à bela alma, aquela que jura inocência acusando a desordem do mundo, enquanto que, de fato, ela mesma tem parte eminente naquilo que denuncia. 
Esta implicação, para continuar nesta trilha, é que vai estabelecer que ao reduzir à sua verdade, esse tempo (de análise) consiste em fazer o paciente esquecer que se trata apenas de palavras, mas que isso não justifica que o próprio analista o esqueça”. Esta formulação antecipa o que mais tarde vai ser explicitado como um movimento que visa separar verdade e gozo. Isto é possível por fazer surgir no meio do sentido apresentado, o vazio que contem todos os ditos do analisante. O analista tenta fazer surgir esse vazio através das diferentes declinações das identificações que os analisantes apresentam. Em primeiro lugar, ele chega até o tratamento dizendo de sua existência, de suas ações, suas atividades pessoais e/ou profissionais pois, aquele que busca análise é, sem dúvidas, um homem do nosso tempo: um homem que vive em função de metas e objetivos a alcançar. Por isso é que, na maioria das vezes ele nos traz uma queixa que denota sua preocupação em não conseguir o que esperava e que se esgota nas muitas tentativas de obter sucesso em suas empreitadas. Eric Laurent (Laurent, E., "Lãs paradoras de lá identificación". Colección Orientación Lacaniana, EOL. Paidós. Buenos Aires, 1999)  nos lembra, citando Heidegger, que a nossa época está marcada pelo desgaste das matérias primas, inclusive a humana, “uma matéria que se esgota em benefício de uma produção técnica da possibilidade absoluta de fabricar tudo”. Todo esse esforço só vai produzir doenças de várias espécies e que tem como eixo o famoso “Fulano se mata trabalhando”. Em outras palavras, o que vemos acontecer, como assinala Laurent, é a presença cada vez mais intensa do “homem-dejeto”, aqueles que já não servem mais para a produção. Ainda acompanhando Laurent com Heiddeger pode-se destacar que tudo isso acontece apenas para mascarar “o vazio total do ‘sendo’ onde estão suspensos os tecidos do real”. Percebe-se claramente a menção ao tecido significante que esconde ao mesmo tempo que mostra a trama que se sustenta na estrutura da fantasia fundamental onde vê-se articular um sujeito – efeito do significante – e o objeto pequeno “a” – produto da estrutura significante que constitui o pouco de realidade na qual vivemos. Esta menção a Heidegger e ao “vazio do sendo” é outra maneira de dizer que “existe uma ação sem meta que é o segredo de todas essas ações com meta”. 

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