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terça-feira, 14 de janeiro de 2014

“O desejo só é captado na interpretação” (II)

O processo de formação do sintoma, de alguma forma, também está a serviço do dormir, por isso a cada vez que no seu lugar fazemos acontecer um encontro com a demanda ($<>D), desfazendo um certo circuito, “O sintoma simplesmente torna a brotar qual erva daninha, compulsão de repetição”, com o objetivo explicito de que não rememore o que deve ficar recalcado. Daí a afirmação de Lacan de que “Não se fica curado porque se rememora. Rememora-se porque se fica curado.”
Passemos ao exame do sonho da Bela Açougueira relendo o relato que ela mesma faz a Freud:
“Eu queria oferecer uma ceia, mas não tinha nada em casa além de um pequeno salmão defumado. Pensei em sair e comprar alguma coisa, mas então me lembrei que era domingo à tarde e que todas as lojas estariam fechadas. Em seguida, tentei telefonar para alguns fornecedores, mas o telefone estava com defeito. Assim, tive de abandonar meu desejo de oferecer uma ceia.”
Freud assim começa a análise deste sonho: “Respondi, naturalmente, que a análise era a única forma de decidir quanto ao sentido do sonho, embora admitisse que, à primeira vista, ele se afigurava sensato e coerente e parecia ser o inverso da realização de um desejo”. Mas de que material decorreu o sonho? Como sabe, a instigação de um sonho é sempre encontrada nos acontecimentos da véspera.”
“O marido de minha paciente, continua Freud, um açougueiro atacadista, honesto e competente, comentara com ela, na véspera, que estava ficando muito gordo e que, por isso, pretendia começar um regime de emagrecimento. Propunha-se levantar cedo, fazer exercícios físicos, ater-se a uma dieta rigorosa e, acima de tudo, não aceitar mais convites para cear. — Ela acrescentou, rindo, que o marido, no lugar onde almoçava regularmente, travara conhecimento com um pintor que o pressionara a lhe permitir que pintasse seu retrato, pois nunca vira feições tão expressivas. O marido, contudo, replicara, à sua maneira rude, que ficava muito agradecido, mas tinha a certeza de que o pintor preferiria parte do traseiro de uma bonita garota a todo o seu rosto. Ela estava muito apaixonada pelo marido e caçoava muito dele. Ela também implorara a ele que não lhe desse nenhum caviar.
Perguntei-lhe o que significava isso, e ela explicou que há muito tempo desejava comer um sanduíche de caviar todas as manhãs, mas relutava em fazer essa despesa. Naturalmente, o marido a deixaria obtê-lo imediatamente, se ela lhe tivesse pedido. Mas, ao contrário, ela lhe pedira que não lhe desse caviar, para poder continuar a mexer com ele por causa disso.”
A chave deste sonho encontra-se numa indicação clínica precisa: a identificação na histérica que deve ser abordada nesse ponto entre o sujeito histérico e a outra mulher. Este ponto que se define no que a outra tem de inimitável.  “Se nossa paciente se identifica com sua amiga, é por esta ser inimitável no desejo insatisfeito daquele salmão...”. Sempre que se tende a pensar na histeria em termos de imitação, o que está sempre correto, deve ser vinculado a um ponto inimitável. Somente podemos saber do indutor do histérico, ao localizar este ponto inimitável no sujeito que verdadeiramente o fascina. No caso da Bela Açougueira, o ponto inimitável é o desejo insatisfeito de salmão da amiga que pode ser substituído pelo desejo insatisfeito de caviar da paciente. Esta operação e uma metáfora indicando que o sonho da paciente de Freud responde à demanda da amiga com a qual ela se identifica. O desenlace do sonho vai dizer que este ponto de identificação é o que surge no campo do Outro. Este ponto sobre o qual trabalhamos nas últimas postagens e que pode ser matemizado por S(A/). Manter este desejo insatisfeito é manter o Outro desejando, daí o sonho ter também um outro endereçamento: “Deu tudo errado, e o senhor diz que o sonho é a realização de um desejo. Como é que o senhor sai dessa, professor?”
A segunda indicação clínica gira em torno da ambivalência que se expressa no fato da paciente desejar e, ao mesmo tempo, não desejar o caviar. É preciso diferenciar esta ambivalência da que aparece nas neuroses obsessivas. Acontece que quando se trata de uma histeria, o desejo não é ambivalente, pois é desejo de ter um desejo insatisfeito. O que se verifica neste sonho é uma substituição de desejos e que está relacionada a uma demanda e não a uma ambivalência: o pedido que lhe faz a amiga para jantar em sua casa. Esta demanda, que nunca deve ser depreciada quando se trata de uma histérica, aponta a cena onde o desejo se articula: Seu marido fala de forma elogiosa desta amiga, mesmo que ele prefira as mulheres mais cheinhas. É, pois a partir da demanda da amiga que o sonho é produzido. Não nos esqueçamos que a demanda sempre aponta o vazio no campo do Outro.
Lacan, neste ponto de suas elaborações teóricas, pode contribuir de forma decisiva à prática clínica ao tratar a articulação entre demanda, desejo e necessidade. Esta articulação para qual estamos chamando a atenção, também vai acontecer no caso de neurose obsessiva que será trabalhado futuramente.
No sonho da Bela Açougueira, esta responde à demanda da amiga fazendo de seu desejo – substituído ao próprio – o fracasso de sua própria demanda. Sabemos que a demanda é intransitiva, ou seja, sem objeto, assim o sonho tem como função manter aberta a pergunta sobre o desejo, para que, ao final do sonho, possa surgir a identificação desta paciente com o salmão. Esta identificação com o objeto do desejo é o que faz com que o sujeito indeterminado do inconsciente, esse sujeito que desliza ao longo da cadeia significante, se detenha: “Ser o falo, nem que seja um falo meio magrelo. Não está aí a identificação última com o significante do desejo?”
O que está em jogo neste sonho? O nada que habita o entre dois significantes: o sujeito, inicialmente indeterminado, encontra em certo momento sua condição de existir no objeto que o determina. Objeto este desenhado no campo do Outro a partir da interpretação que se fez deste vazio inscrito na demanda como falta-a-ser.
Encontramos aqui uma definição de desejo preciosa, em sua articulação com a demanda e a necessidade, ao mesmo tempo em que explicita as paixões do ser como respostas à falta-a-ser:  
“O desejo é aquilo que se manifesta no intervalo cavado pela demanda aquém dela mesma, na medida em que o sujeito, articulando a cadeia significante, traz à luz a falta-a-ser com o apelo de receber seu complemento do Outro, se o Outro, lugar da fala, é também o lugar dessa falta.” Com esta afirmação, Lacan localiza o desejo, a partir do Grafo, neste intervalo entre o (A), lugar da fala e o ($<>D), lugar onde o sujeito, articula a demanda à falta-a-ser S(A/).
“O que é assim dado ao Outro preencher, e que é propriamente o que ele não tem, pois também nele o ser falta, é aquilo a que se chama amor, mas são também o ódio e a ignorância.” Lacan localiza com esta passagem as paixões do ser no ponto de falta do Outro: S(A/) e conclui o parágrafo com uma explanação sobre o porque não é recomendável agir a partir da resposta à necessidade: “É também isso, paixões do ser, o que toda demanda evoca para-além da necessidade que nela se articula, e é disso mesmo que o sujeito fica tão mais propriamente privado quanto mais a necessidade articulada na demanda é satisfeita.” Esta entrada pelo viés da resposta da satisfação da necessidade desvela o engodo do amor ao explicitar que o “o ser da linguagem é o não-ser dos objetos” fazendo com que não seja possível situar o pensamento no nível de realidade que não seja a psíquica. Uma pequena referência à anorexia nervosa vem exemplificar muito bem do que se trata: “É a criança alimentada com mais amor que recusa o alimento e usa sua recusa como um desejo.”
Continuaremos, retomando os caminhos do desejo pelos desfiladeiros do significante para tratar de um caso de um final de análise em uma neurose obsessiva.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

“O desejo só é captado na interpretação”


Hoje iniciamos a leitura da última parte do texto “A direção do tratamento...”. Esta parte, nomeada a partir da junção do desejo e da letra, fala do desejo em sua articulação com a demanda e a necessidade. Para levar a cabo esta tarefa, Lacan toma o sonho, tal como Freud o trabalhou: como paradigma. O trabalho com os sonhos contribuiu para a teorização do inconsciente freudiano e a constatação da importância do desejo em sua constituição. O que se busca escutar nos sonhos é “o desejo, não as tendências” lembra Lacan a partir do exame que faz das palavras “Wunch” e “Wish”. Ambos se referem à “votos”. Não podemos nos esquecer que o desejo se articula em caminhos “ardilosos”.
Utilizar o grafo do Desejo, tal como está definido no texto “A subversão do sujeito...”, vai nos auxiliar aqui. No entanto, vamos lembrar, mais uma vez, que quando “A direção do tratamento...” foi escrita, faltava a Lacan o recurso ao objeto “a” pensado a partir do Real do gozo. Naquele momento tratava-se de um objeto em sua vertente de realidade imaginária.
Para tomar o “desejo ao pé da letra”, Lacan vai começar examinando dois sonhos. O primeiro é um sonho descrito por Freud em “A interpretação dos sonhos”. Trata-se do sonho de uma histérica, conhecido como “sonho da bela açougueira” onde se ilustra o aparecimento de um desejo de ter um desejo insatisfeito. O outro relato é de um caso clínico do próprio Lacan. Trata-se de uma das raras ocasiões em que ele utiliza um de seus casos em seu ensino. Laurent o denomina o “caso do obsessivo e o véu” e diz que com estes dois sonhos temos dois movimentos distintos: “por um lado o desenvolvimento de todo um tratamento de uma histeria a partir de um sonho da obra de Freud e, por outro lado, o resumo de um tratamento de um obsessivo em um sonho”.
É preciso distinguir duas dimensões no que diz respeito ao desejo no exame do caso da “Bela Açougueira”: “um desejo de desejo, ou seja, um desejo significado por um desejo (o desejo da histérica de ter um desejo insatisfeito é significado por seu desejo de caviar: O desejo de caviar é seu significante), inscreve-se no registro diferente de um desejo que substitui um desejo (no sonho, o desejo de salmão defumado próprio da amiga vem substituir o desejo de caviar da paciente, o que constitui a substituição de um significante por outro significante).”
Estas duas funções são decorrentes da “oposição fundamental entre o significante e o significado, na qual se demonstra que começam os poderes da linguagem:
a) A substituição de um termo por outro para produzir o efeito de metáfora;
b) a combinação de um termo com outro para produzir o efeito de metonímia.”
O comentário que Lacan vai nos propor centra-se em uma fórmula: o sonho é uma metáfora do desejo. É o que indica a produção de um efeito de sentido no sonho. Este efeito de sentido pode ser verificado em vários outros momentos e situações ligadas à clínica psicanalítica. Aqui, nos lembra Laurent, trata-se de uma produção de sentido positiva: “é passagem do sujeito ao sentido de seu desejo”. Quando examinamos um sintoma constata-se que este, mesmo sendo uma metáfora, não produz um efeito de sentido que introduz o sujeito no sentido de seu desejo. “O sintoma é uma metáfora congelada, uma metáfora do lado do sem-sentido.”
Em seguida somos lembrados de que o sonho não é o inconsciente, mas sua via régia, assim como também se diferencia do desejo que é definido como “metonímia da falta-a-ser”.
Hoje, não nos é desconhecido que Freud se interessava apenas pelas elaborações do sonho, ou seja, “sua estrutura de linguagem”. Mesmo antes que F. de Sausurre elaborasse sua teoria, ele já depreendia esta estrutura por caminhos diferentes na medida em que visava fazer o sujeito “reencontrar-se no sonho como desejante, o que é o inverso de faze-lo reconhecer-se ali como sujeito, pois é como que em derivação da cadeia significante que corre o regato do desejo, e o sujeito deve aproveitar uma via de confluência para nela surpreender seu próprio feedback.” O que se depreende desta passagem é que “o desejo só faz sujeitar o que a análise subjetiva”. E a análise possibilita a subjetivação pela interpretação, pois, somente ela capta o desejo, pois é a interpretação que vai apontar “a relação do desejo com essa marca da linguagem que especifica o inconsciente freudiano e descentra nossa concepção do sujeito”. A interpretação é o que vem interromper a sequência metonímica que remete sempre de uma significação a outra significação. Esta interrupção é o que provoca o despertar a partir do encontro com a demanda, no ponto onde há o vazio de significantes. Em outras palavras o Real. O sonho do pai que vela o corpo do filho que queima é um bom exemplo disto. A frase que desperta o sujeito: “Pai, não vês que queimo!” remete à própria demanda deste pai que se coloca como filho diante da impossibilidade da existência de um pai que possa faze-lo subjetivar a morte. Evitar este encontro é a função do sonho, ou seja: “O sonho serve, antes de tudo, ao desejo de dormir”.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

“O Desejo do Analista é o pivô do tratamento" (II)

Serge Cottet desenvolve este tema começando por definir que “o desejo de um analista é o que se chama contra-transferência e é o interfere no dispositivo por sobre-determinar a direção que lhe dá.” Já o desejo do analista é o que opera do lado do analista quando ele está preso nas malhas da transferência de seu analisante, a partir mesmo do fato de estar sustentando a figura do Sujeito Suposto Saber pela confiança que o analisante lhe deposita como efeito da transferência. Estando aí instalado, o analista deve buscar seu objetivo que vai à contra-corrente do que propõe a transferência: colocar um ponto final a esta ficção que aí está. É nesse sentido que se vê operar “o desejo do analista como pivô do tratamento” .
Muito se fala sobre a resistência do analista, termo que Lacan utiliza deste muito cedo em sua transmissão, para dar conta do que vai mal num tratamento. Esta forma de estabelecer os termos desloca para o analista o que, até então, estava posto do lado do analisante.
Freud já dizia que quando o analisante para de falar durante a sessão é porque está pensando no analista. Pode-se pensar que esta interrupção no fluxo das “associações livres” acontece em função do amor que sustenta a transferência e que a presença do “sujeito-analista” enquanto objeto de amor, sustentando o equívoco, o engodo do amor de transferência é o responsável por isso. O amor enquanto uma verdade que produz a crença em uma troca possível, é uma resistência apenas quando o analista cede ao charme que sobrevêm do apelo amoroso, a partir mesmo de uma posição narcísica. Somente um “desejo mais forte”, como nos lembra Lacan em seu seminário sobre a transferência pode aí fazer contraponto possibilitando à análise prosseguir. Este desejo mais forte, um desejo inumano, como Lacan o define em sua Nota Italiana, é que mantém a distância entre o gozo (a satisfação) e o imperativo “continue a falar”, e a distância entre o “bem-ser” e o dever de “bem dizer”.
Penso ser possível, aqui, uma palavra sobre a angústia que eventualmente invade o cenário, do lado do analista. Para isso, é importante saber que os afetos do analista estão, como se diz, do lado da contra-transferência, ou seja, eles nada têm a ver com o inconsciente do analisante, mas sim com o amor. A equação que aí se estrutura propõe que o amor responda ao amor. Isto se esclarece quando trazemos à luz o episódio de Breuer e Anna O.: Ali o amor venceu!
Um passo a mais e podemos dizer que num tratamento, trabalha-se todo o tempo para, exatamente, suprimir os efeitos da transferência. Ao ser instalado, pelo analisante, no lugar de Ideal, é fundamental que o analista se coloque desde o início a questão de como é que ele vai poder lidar com isso e sair desta posição. Afinal não há final de análise sem a “queda dos ideais”.
Sabe-se que o Ideal se constitui a partir do traço unário, este herdeiro do Complexo de Édipo que se torna o centro da estrutura narcísica na medida em que reflete o Eu Ideal. Sustentar a transferência a partir deste lugar, do narcisismo, é sustenta-la pelo viés do poder imaginário como, p.ex., na relação do hipnotizador com o hipnotizado. O que se destaca aqui é a ética da psicanálise que vai apontar a resposta à questão: o que quer o analista quando está ocupando este lugar na transferência? Não ceder de seu desejo (de analista) é o que responde Lacan. Ele chega mesmo a ir mais longe na formulação desta proposição: “Proponho que a única coisa da qual se possa ser culpado, pelo menos na perspectiva analítica, é de ter cedido de seu desejo.” Não ceder de seu desejo implica colocar-se como um “x” no caminho da demanda do analisante, indo contra a idealização que o amor de transferência desenha. Ir “para além do narcisismo”, como nos diz Cottet decepcionando “a demanda de amor para permitir à pulsão daí se descolar, subtraindo-a de sua maquiagem imaginária”. Cottet chega mesmo a propor que é isso a contra-transferência, ou seja, o que vai “no sentido inverso da transferência, quando é à sua face de resistência que se opõe”.
O desejo do analista, então, opera na contra-corrente da identificação, na medida em que vai fazer da fantasia fundamental uma pulsão. “Se a transferência é o que da pulsão desvia a demanda, o desejo do analista é o que a traz ali de volta”. Em outras palavras, a função do desejo do analista é que vai manter uma distância, a maior possível, entre o objeto do desejo e o ideal depositado no analista. Seria, pode-se dizer, uma distância entre o Grande Outro (A) e o pequeno “a”, cabendo ao analista, do lugar do Outro, fazer reinar o objeto pequeno “a” como causa de desejo.
Ao amor que é oferecido, o analista, portanto, não pode ceder. Ceder neste ponto pode trazer como sinal a angústia. Relembremos aqui, mais uma vez, Breuer e Anna O. “Se Lacan promoveu a função do desejo do analista é porque ele é, em comparação com o desejo de Sócrates, um desejante cujo desejo do Outro é o objeto. É também porque o desejo, é o remédio para a angústia”.
Vou, portanto, concluir hoje com uma citação de Lacan com a qual ele encerra  o Seminário XI: “O desejo do analista não é um desejo puro. É um desejo de obter a diferença absoluta, aquela que intervém quando, confrontado com o significante primordial, o sujeito vem, pela primeira vez, à posição de se assujeitar a ele. Só aí pode surgir a significação de um amor sem limite, porque fora dos limites da lei, somente onde ele pode viver.”

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

“O Desejo do Analista é o pivô do tratamento"

Vou destacar uma frase do texto “A direção do tratamento...” com a intenção de retoma-la hoje como ponto central de nosso trabalho: “Cabe formular uma ética que integre as conquistas freudianas sobre o desejo: para colocar em seu vértice a questão do desejo do analista.”
Recentemente trabalhei as conseqüências da demanda do sujeito na sua articulação com a falta no Outro. Foi dito que é neste ponto onde duas demandas se encontram que pode surgir a angústia e, também, é onde se constrói um desejo. A angústia por habitar este ponto, o lugar do desamparo por excelência, só encontra saída no desejo que daí pode advir. O Desejo do Analista, que vai ser o pivô da direção do tratamento, tem também, aí, sua morada. Ele se constrói, como vamos verificar hoje,  na medida em que sustenta a função do Sujeito Suposto Saber como operador. Após um longo trajeto de análise, é possível consentir a suportar o lugar do objeto “a” enquanto causa para que um outro possa fazer o seu próprio percurso.
A expressão, “desejo do analista” não se encontra nos textos freudianos. Esta noção é lacaniana. Freud esteve mais interessado em perguntar “o que quer a mulher?”. A partir mesmo da obra deixada por Freud, Lacan pode se perguntar “o que quer o analista?”
De início é preciso estabelecer uma diferença que, penso, é fundamental: a questão não é o que quer um analista? Se a questão é colocada desta forma, vai-se pender para o lado do “ego” do analista e não da “função” que alguém desempenha enquanto analista.
Ao revisar o que já trabalhamos aqui de várias formas e em várias ocasiões, podemos nos perguntar sobre o princípio que diz que o analista não deve desejar nada para seu paciente. Lembro-lhes que a demanda endereçada ao Outro é sempre uma demanda intransitiva, uma demanda sem objeto: “Aquilo que lhe peço não me dê, pois não é isto”, nos diz Lacan.  Mas, como não é possível nada desejar, a pergunta continua: mas o que faz com que alguém decida assentar-se na poltrona do analista? Serge Cottet nos diz que “supõe-se que ele deseje obter alguma coisa, mas o que? ... Uma confissão, uma palavra? Uma verdade? Uma cura? A partir deste axioma que não se pode não querer desejar sem desejar, o analista é suposto partir ao encontro do desejo inconsciente”. Trata-se, portanto, não de exercitar um poder como sugestão, mas sim de algo que permita ao analista não cair neste engodo: desejo do analista e desejo de um analista.
Para continuarmos trabalhando este tema é fundamental recordar aqui o que sustenta o dispositivo que se coloca em ação quando fazemos a oferta de uma escuta analítica:
1 – O analisante é o sujeito do inconsciente e é o único sujeito em questão neste dispositivo.
2 – Se é verdade que o analista ocupa o lugar do grande Outro (A), do Ideal, no início de um tratamento, ele deve fazer reinar o objeto pequeno “a” a partir mesmo do semblante que ele sustenta para que “o amor que lhe é oferecido, ele não o queira e, a esta demanda de ser amado, ele não ceda.”  
3 – A transferência implica a função do Sujeito Suposto Saber, fundamental para que o trabalho se desenvolva a partir das construções do analista que, segundo Freud, restituem ao sujeito os pedaços de realidade perdidos e, assim, podem destacar a pulsão de suas aderências imaginárias. Esta é a única forma de propiciar a que “o ser do desejo se ligue ao ser do saber para renascer, no que eles atam, numa tira feita da borda única em que se inscreve uma única falta, aquela que sustenta o Algama.
4 – A estes três é preciso acrescentar um quarto elemento, que é o “desejo do analista”.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Como Agir com seu ser: Sobre o Desejo do Analista (II)

A sétima divisão da parte VI (Direção do tratamento...) nos apresenta o analista a partir do estilo: “O analista é o homem a quem se fala e a quem se fala livremente”. Esta é uma referência explicita à famosa frase de Buffon, com a qual Lacan abre sua coletânea dos Escritos: “O estilo é o homem (...) a quem nos endereçamos...”. O analista tem estilo, sustenta uma singularidade na sua função de semblante de objeto “a” enquanto causa de desejo. Ter estilo implica escrever um espaço onde exista lugar para um sujeito colocar aí algo de seu.
Quanto à segunda parte da frase, questionamos com Lacan “a liberdade”. Como já foi discutida aqui, a liberdade da chamada “associação livre” tem seus limites. Na ocasião falávamos dos limites da sintaxe e da gramática. Hoje lemos Lacan dizendo que a liberdade está, muitas vezes, impossibilitada pelo fato de que “nada é mais temível do que dizer algo que possa ser verdadeiro. Pois logo se transformaria nisso, se o fosse, e Deus sabe o que acontece quando alguma coisa, por ser verdadeira, já não pode recair na dúvida.”. A certeza não deixa lugar ao desejo!
Por tudo isso, ouvir e escutar o que permanece de indizível nas entre linhas, ou entre palavras é função do analista. “Ouvir e não auscultar” nos diz Lacan, pois “o que escuto é por ouvir”. Importante lembrar aqui, o que de alguma forma já faz a nota de pé de página do tradutor, que a palavra “entendre” é também traduzível por entender, captar, reconhecer. Lacan, muitas vezes, utilizou a homofonia do verbo “J’ouis” (eu ouço) com “jouis” (gozo). Colocar em cena o desejo do analista é poder dizer que “naquilo que ouço, sem dúvida, nada tenho a replicar, se nada compreendo disso ou se, ao compreender algo, tenho certeza de estar enganado”.
Agindo assim trabalhamos “os recônditos da primeira infância” , através da demanda que nos chega. Esta “regressão” que aí se produz  pelo fato de não se responder às demandas, trazem, no presente,  aqueles significantes que habitam “demandas para as quais há uma prescrição”. “Prescrição” pode ser lida no duplo sentido: prescrito: ter passado o prazo de validade e, também, prescrito: designado pelo Outro.
Esta articulação com a demanda do Outro, estabelecida nesta regressão aos significantes prescritos, abre espaço para tratarmos do amor naquilo em que ele consiste, ou seja, “dar o que não se tem”. É isto que o analista tem para dar, nada! Mas, a verdade é que “nem mesmo este nada ele tem e por isso se paga a ele por esse nada”. Assim esta demanda vazia, intransitiva, será ainda mais pura e vai denotar a presença do analista ali, no momento em que o sujeito se cala, ou seja, quando “ele (o sujeito) recua até mesmo ante a sombra da demanda”. Esta presença vai, portanto, esclarecer que o analista não está ali para simplesmente frustrar o sujeito com seu silêncio, mas sim para que “reapareçam os significantes em que sua frustração está retida”. A presença do analista é uma presença na qual está implicada uma perda pura. Presença sem ganho, presença vazia que ex-siste para fazer reinar o objeto “a” que o analisante construiu em sua fantasia. Numa análise só há um sujeito em questão e este sujeito vai ter que se haver com o resto que se produziu quando ele consentiu com a entrada do significante. A presença do analista se faz a partir do “desejo do analista” este desejo que é um vazio a ser sustentado como causa.
Na divisão 10, Lacan vai retomar as articulações da demanda ao campo do Outro, identificando este ao lugar onde a onipotência é exercitada na transformação da necessidade em desejo nos desfiladeiros significante, moldando-a e filtrando-lhe os elementos. Ali eles estarão distribuídos em dois registros – sincrônico, de oposição entre elementos irredutíveis; e diacrônico, de substituição e combinação. Mais uma vez vale a pena relembrar aqui que se está trabalhando um texto cuja referência é a primeira clínica, onde a primazia do significante é um fator importante. No entanto, também vale a pena notar que já se apresentam passagens que denotam o espaço aonde a segunda clínica vai se desenvolver. Um bom exemplo disto é a seqüência que temos aqui, logo após esta referência à diacronia e sincronia significantes: “a linguagem, se certamente não preenche tudo, estrutura a totalidade da relação inter-humana”. Este espaço será ampliado pelas articulações da divisão 11, quando Lacan critica, mais uma vez, a identificação ao analista como final de análise possível. Partindo do fato de que o supereu não é a fonte da realidade mas sim marcas ideais que permanecem no inconsciente como recalcadas, “na substituição das necessidades pelo significante”, afirma que toda e qualquer identificação ao analista “será sempre uma identificação aos significantes”. O analista estará, no entanto, restrito em sua ação à posição que lhe empresta o sujeito na transferência. Caso se insista no processo que se costuma chamar de reeducação emocional, o analista só vai repetir, ao querer o bem do sujeito, “aquilo em que ele foi formado, e até, ocasionalmente deformado”.
Dirigir uma análise a partir da figura obscena e feroz do Supereu, conclui Lacan, não deixa outra saída para o sujeito senão partir acreditando na recomendação de seu analista: “Vá em frente, agora você é um menino comportado”.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Como Agir com seu ser: Sobre o Desejo do Analista

Retomaremos a leitura do texto “A direção do tratamento...” na sua parte IV que está centrada sobre “a questão do ser do analista”. Esta questão, Lacan nos lembra, foi colocada em evidência, pela primeira vez, por Ferenczi, quem sempre se preocupou com a ação do analista que, ainda segundo Lacan, “antecipa de longe os temas posteriormente desenvolvidos da tópica”. A partir destas articulações de Ferenczi, podemos recolocar a questão: trata-se de saber o que pode o analista fazer com o seu ser que não pôde ser "introjetado" pelo analisante. Isto faz referência, é claro, ao que Lacan nos informa sobre o que entende Ferenczi a respeito da “absorção, na economia do sujeito, de tudo o que o psicanalista apresenta no duo como Hic et nunc de uma problemática encarnada”. O final de análise, pode-se rir disto hoje, estaria estruturado sobre a comunicação que o analista faria a seu paciente sobre “o abandono que ele mesmo está em vias de sofrer”. Seria uma forma de, confiando ao paciente este sentimento, promover assim a crença de que ele poderia fazer falta a alguém. Ora, sabemos bem que a “falta-a-ser” deve estar no cerne da experiência analítica. Esta é sua política e é o que define seu objetivo. É fundamental, no entanto, saber que ao se fazer esta comunicação, da forma como propõe Ferenczi, corre-se o risco de alimentar o campo mesmo da paixão do neurótico que é o seu sofrimento de sua “falta-a-ser”.
Mas, o que é o ser? Podemos defini-lo de uma forma suscita, como o faz Laurent: “O desejo”. Ele esclarece esta afirmação diferenciando o ser dos filósofos do ser ao qual Lacan faz referência aqui: “Não somos filósofos, não pensamos que o homem tenha como ser algo que não seja o desejo, somente este constitui seu ser”. Em outras palavras, o ser aqui se refere exatamente à falta-a-ser, à este vazio do sujeito que constitui seu desejo.
Na segunda divisão, Lacan tece alguns comentários em referência aos autores ingleses, especialmente Ella Sharpe a quem tece um elogio reconhecendo-lhe o mérito de preservar “o próprio desejo em um outro lado, em um lugar diferente daquele no qual encarna para seu paciente a figura do gozo”, como assinala Laurent. Seu conselho para os analistas é deixar de lado a bondade e ler um pouco. Esta escolha “é uma feliz indicação de princípios”, no que pese o fato de que o papel central nos textos aconselhados seja o significante falo.
A terceira divisão trata dos finais de análise que preconizam a identificação do sujeito ao analista, se bem que, ironiza Lacan, “certamente varia a opinião quanto a ser de seu eu ou do Supereu (do analista) que se trata”. Neste ponto são destaques as referências a Melanie Klein e às diferenças entre suas articulações em torno do objeto e as de Lacan: “A dialética dos objetos da fantasia promovida na prática por Melanie Klein tende a se traduzir, na teoria, em termos de identificação”. Esta identificação sustenta a presença destes objetos como significantes. “Ele (o sujeito) é esses objetos, conforme o lugar em que eles funcionem em sua fantasia fundamental”. Ou seja, o objeto que interessa a Klein é o objeto da fantasia. Sabemos que o sujeito, em sua fantasia fundamental, oscila entre sua posição de sujeito e sua posição de objeto. Klein acredita que é enquanto objeto que o sujeito pode fazer frente a afânise própria de sua condição. Ao assim fazer, ele se sustenta em seu ser, ser que se apresenta dividido, fragmentado nos intervalos da cadeia significante. Sua presença se dá no próprio desejo que se estrutura na metonímia significante, graças à fantasia que promove a articulação entre sujeito e objeto conseguindo, desta forma fazer “um” imaginariamente. Por isso quando alguém diz: “Eu sou merda” ele está fazendo-se existir identificando-se ao objeto de sua fantasia.
É isto que Lacan critica e recusa: um final de análise a partir desta identificação com o ser da fantasia. Laurent esclarece: “A relação com o ser não é uma relação com a fantasia, mas sim uma relação com o desejo”. É por isso  que a demanda de felicidade que chega ao analista deve ser escutada com atenção. “Perde-se muito tempo procurando a camisa de um homem feliz”, escreve Lacan em 1958, para afirmar, em ‘Televisão’  que “o homem é feliz”.  Esta demanda, na verdade, é demanda de objeto nenhum: “Ele me pede... pelo fato de que fala: sua demanda é intransitiva, não implica nenhum objeto”. Apenas o sujeito é transitivo aqui, por isso pode-se perceber uma antinomia entre o sujeito e a demanda. É fundamental “formular uma ética que integre as conquistas freudianas sobre o desejo: para colocar em seu vértice a questão do desejo do analista”. Basta que se convide alguém a falar para que o transitivo do sujeito venha à luz através de um significante qualquer que irá representa-lo para outro significante. Sabemos que o analista vai ocupar este lugar do significante que vem depois, do Sq, do significante qualquer que poderá produzir a significação demandada.
Deste lugar “mais vale não compreender para pensar”, nos diz Lacan fornecendo mais uma formalização do que poderia ser distinguido como indicações técnicas.  

terça-feira, 12 de novembro de 2013

O matema da transferência e o Sujeito Suposto Saber na Segunda Clínica

No Seminário XI Lacan vai trabalhar de maneira consistente o conceito de Sujeito Suposto Saber e o Desejo do Analista traçando, com precisão, o ponto em que se articulam. Este tema está indissociável da formação do analista. No início do capítulo que XVIII, está explicitado que o ensino de Lacan visa a formação de analista. Talvez seja uma resposta direta à proibição que ele acabava de sofrer por parte de seus colegas que dirigiam a IPA, de tomar candidatos em análise e de fazer a transmissão de seu ensino. A verdade é que nesta lição dedicada ao Sujeito Suposto Saber vamos poder discernir algumas passagens que são como fragmentos de técnica analítica. Para não me alongar muito vou destacar apenas a recomendação a uma análise pessoal como única forma de não cair na ordem da cerimônia, assim como o fato de que diante da falta de garantias apresenta-se o que o analista obtém do analisando que é, como exprime Lacan, “de um preço inestimável – a confiança enquanto tal, e os resultados que isto comporta pelas vias de uma certa técnica. Ora, ele não se apresenta como um Deus, ele não é Deus para seu paciente. O que significa, então, esta confiança: Em torno do que ela gira?”
“Sem dúvidas, para aquele que aí faz confiança, que recebe a recompensa, a questão pode ser elidida. Ela não o pode ser para o psicanalista. A formação do psicanalista exige que ele saiba, no processo no qual que ele conduz seu paciente, em torno do que o movimento gira. Ele deve saber, a ele deve ser transmitido, e em uma experiência, isso onde ele retorna. Esse ponto pivô é o que eu designo, diz Lacan, sob o nome de desejo do psicanalista.”
Saber e desejo estão aqui articulados e, mais ainda, fazem com que a transferência, sendo um fenômeno essencialmente ligado ao desejo, como dissemos na introdução, estabeleça uma possibilidade ali mesmo onde Eros se afirma: neste Sujeito Suposto Saber que condensa a função da transferência enlaça amor e saber em torno do vazio do desejo. “O eixo, o ponto comum (portanto) é o desejo do analista, que eu designo aqui como uma função essencial", nos diz Lacan. "Esse desejo (...) é precisamente um ponto que só é articulável pela relação do desejo ao desejo.”
Esta presença do desejo do analista como articulador da transferência se estrutura em torno do fato que “o desejo do homem é o desejo do Outro”. Esta afirmação acompanha Lacan desde os primórdios de seu ensino e, ao ser retomada no final do Seminário XI nos aponta aonde é que se engancha esse ponto de passagem da primeira para segunda clínica, quando se trata do Sujeito Suposto Saber: “Na relação do desejo ao desejo, algo é conservado da alienação, mas não com os mesmos elementos – não com esse S1 e esse S2 da primeira dupla significante, de onde deduzi a fórmula da alienação do sujeito (...) – mas de uma parte, com que é constituído a partir do recalque originário, da queda, do Untedrückung, do significante binário – e de outra parte, com o que aparece primeiro como falta no que é significado pela dupla dos significantes, no intervalo que os liga, isto é, o desejo do Outro.”
Podemos, agora sim, entrar na construção e manejo do matema da transferência, onde poderá se explicitar a função do Sujeito Suposto Saber.
Partindo do princípio de que o Sujeito Suposto Saber é o pivô da transferência, Lacan vai dizer que um sujeito só é suposto pelo significante que o representa para outro significante. Daí o matema que se constrói, penso eu, a partir mesmo do que trabalhamos quando tomamos a célula básica do Grafo:
 
               S                              Sq
               s (S1, S2,S3,.... Sn)
 
Assim Lacan justifica os elementos deste matema: “Reconhece-se na primeira linha o significante S da transferência, quer dizer de um sujeito, com sua implicação de um significante que diremos qualquer um, quer dizer que não supõe que a particularidade, no sentido de Aristóteles, que por esse fato supõe ainda outras coisas. Se ele é nomeado por um nome próprio, não é porque ele se distingue pelo saber, como veremos. Sob a barra, mas reduzida ao palmo do primeiro significante: o s representa o sujeito que daí resulta implicando no parênteses o saber suposto presente, dos significantes no inconsciente, significação que tem o lugar do referente ainda latente nessa relação terceira que a acrescenta ao par significante-significado”
Por isso, mais adiante neste mesmo texto, Lacan vai afirmar que a transferência “só se desenvolve ao preço do constituinte ternário que é o significante introduzido no discurso que aí se instaura, aquele que tem um nome: o sujeito suposto saber, formação, ela, não de artifício, mas de veia, destacada do psicanalisante.”
Esta posição nos diz que o que “importa aqui é o psicanalista na sua relação ao sujeito suposto saber” de forma direta, continua Lacan, para afirmar, em seguida, que “está claro que do saber suposto”, o analista “nada sabe”. “O Sq da primeira linha nada tem a ver com os S em cadeia da segunda e só pode aí se encontrar como achado. Apontamos esse fato para aí reduzir a estranheza da insistência que coloca Freud em nos recomendar abordar cada caso novo como se nós nada tivéssemos adquirido de seus primeiros deciframentos.”
Concluindo, com um certo curto-circuito que abre o tema da próxima postagem - o Desejo do Analista -, verifica-se que o Sujeito Suposto Saber se apresenta como pivô da transferência sendo, inclusive, condição da entrada em análise, e o final da análise apresenta-se uma desuposição de saber como resultado do tratamento. Esta desuposição, sob a forma do dês-ser do analista, se traduz na afirmação de Lacan, ainda no texto da Proposição, de que ao final de uma análise o analista que sustentou o Sq vai sofrer uma metamorfose, sendo “o parceiro que se esvai por não ser mais que um saber vão de um ser que se subtrai”, em outras palavras, “o analisante faz do objeto ‘a’ o representante da representação de seu analista.”
Assim se toca “a futilidade do termo liquidação da transferência por esse furo onde somente se resolve a transferência. (Vendo-se) aí, contra a aparência, a denegação do desejo do analista.”